Caso Azeredo e o histórico de favorecimento do STF a tucanos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – Não é a primeira vez que ocorre a renúncia de cargo político antes de julgamento do Supremo Tribunal Federal. O caso de Natan Donadon, já bastante discutido pela imprensa, comprova que a Suprema Corte pode manter o processo em suas mãos, se quiser. Entretanto, Donadon não foi o único, e uma retrospectiva mostra que a Justiça escolheu lado.

Voltamos a 2007. O deputado e ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, do PSDB, renunciou ao mandato no dia 31 de outubro, cinco dias antes do seu julgamento no STF. Ele perdeu o foro privilegiado e seu processo, acusado de tentativa de homicídio, foi enviado à primeira instância.

Na época, o ministro Joaquim Barbosa mostrou-se irritado com a situação e convocou a imprensa para “desabafar”. “Esse homem manobrou e usou de todas as chicanas processuais por 14 anos para fugir do julgamento. O ato dele é um escárnio para com a Justiça brasileira em geral e para com o Supremo em particular”, disse.

Mas, ao contrário do exemplo posterior de Donandon, não decidiu por julgar o caso, afirmando: “o gesto dele mostra o quanto é perverso o foro privilegiado. O que tem que fazer, por parte da Justiça, é acabar com o foro privilegiado. Só isso”. Leigos em direito exaltariam seu comunicado, por considerar o foro privilegiado mesmo um privilégio.

Mas, vamos ao termo “foro privilegiado”: “o mesmo que prerrogativa de foro”¹. E o que é “Prerrogativa de foro”: “direito inerente a determinadas pessoas que ocupam determinados cargos públicos de serem julgadas diretamente por Tribunais, em razão da função que exercem. Os processos em que o réu tem prerrogativa de foro são julgados diretamente pelos Tribunais de Instância superior, o que impede o duplo grau de jurisdição”. E por “duplo grau de jurisdição” entende-se “direito de recorrer”.

Ou seja, não é privilégio, é ser julgado sem direito de recorrer em outras instâncias.

Portanto, o comunicado de Joaquim Barbosa no dia 31 de outubro de 2007 foi um tanto contraditório. Afinal, como se analisa a atitude de renúncia como uma “manobra”, de usar “todas as chicanas processuais” e “um escárnio para com a Justiça brasileira”, se designa perverso o foro privilegiado, alinhando-se à lógica do próprio acusado? Também anunciava o que viria a seguir.

Com a mesma efusividade, mas não consistência, não permitiu que a renúncia de Natan Donadon o tirasse do julgamento – sem chances e recursos – do Supremo Tribunal Federal.

Passados 7 anos desde o privilégio ao tucano, Barbosa teve sorte e não é o relator do caso Azeredo. Quem tem esse poder de escolha, agora, é um magistrado que já denunciou a falta de critérios do Supremo em analisar Ações Penais e Inquéritos, o ministro Luis Roberto Barroso. Ele apontou a falta de critérios objetivos, durante uma sessão plenária no último dia 12.

De acordo com Barroso, houve diferenças em decisões na Ação Penal 470 e na Ação Penal 536. Neste último, o processo do “mensalão tucano”, Barbosa desmembrou, justificando que havia muitos acusados sem prerrogativa de foro. Entretanto, no caso da Ação Penal 470, 35 dos 38 réus não tinham foro privilegiado, e ainda assim passaram pelo julgamento da Suprema Corte.

Luis Roberto Barroso propôs uma regra geral para o desmembramento pela Corte, e obteve apoio dos ministros Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki, Marco Aurélio e Rosa Weber.

Se a mesma imparcialidade, com vistas a analisar as condições técnicas e reais intenções de Azeredo, pairar sobre Barroso, há chances de que a tão sonhada isonomia pelos petistas seja aplicada ao processo do mensalão tucano. A primeira demonstração disso vem com a resposta de qual instância analisará o processo de Eduardo Azeredo.

***

¹ Em Direito Penal para Jornalistas – Material de apoio para a cobertura de casos criminais; Projeto Olhar Crítico.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  1. A manobra do

    A manobra do Barbosa,manipulando o expediente para que somente o Fux se pronuncie hoje, e cujo voto ele espera que seja pela recusa de redução das penas, nos dá a indicação de que vem sujeira por ai. Como li, ontem, no face.: Quando a gente acredita que as coisas não podem piorar mais……A BARATA VOA. 

  2. Como se comportará o STF?

    A Decisão do STF no  caso Donadon

    “Por 8 votos a 1, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (28), que a renúncia do deputado Natan Donadon (PMDB-RO) ao mandato, ocorrida ontem (27), não retira a competência da Suprema Corte para julgar a Ação Penal (AP) 396, em curso contra o ex-parlamentar, sob acusação de formação de quadrilha e peculato.

    A decisão foi tomada no julgamento de uma questão de ordem suscitada no processo pelo fato de, na véspera do julgamento do parlamentar, sua defesa haver encaminhado à relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, duas petições (uma às 17p2 e a outra, às 18p9), informando que o deputado acabara de apresentar renúncia formal ao mandato e pleiteando a transferência do processo para a Justiça de primeiro grau.

    Nessas petições, a defesa alegou que não seria razoável Donadon ser julgado em instância única (STF), mesmo porque dentro de três meses, de qualquer modo, ele concluiria seu mandato. Diante disso, veria prejudicado o seu direito de ampla defesa, que ele poderia melhor exercer se o processo fosse transferido para a Justiça de primeiro grau. Daí porque a defesa pediu que a Corte reconhecesse a perda superveniente de sua competência para continuar julgando a AP.

    Prescrição

    Ao apresentar a questão de ordem, a ministra Cármen Lúcia disse que se trata de “fraude processual inaceitável”, uma vez que a renúncia teria, em primeiro lugar, o objetivo de fugir à punição pelo crime mais grave de que o ex-parlamentar é acusado (formação de quadrilha – artigo 288 do Código Penal ), que prescreveria em 4 de novembro próximo.

    Ademais, contrariando os argumentos da defesa de que Donadon deixaria de exercer mandato parlamentar, o agora ex-deputado concorreu às eleições de outubro passado e obteve votação suficiente para elegê-lo a novo mandato. Entretanto, seu registro foi negado com base na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2009) e está sub judice (sendo julgado pela Justiça Eleitoral). Portanto, se vier a obter uma decisão judicial favorável, voltará à Câmara dos Deputados.

    Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia citou o ministro Evandro Lins e Silva (aposentado) que, em julgamento semelhante,  afirmou que “os crimes não se evaporam com a extinção do mandato”. Para ela, a renúncia exatamente na véspera do julgamento da  ação penal pela Suprema Corte teve claro objetivo de frustrar a atuação jurisdicional do Estado, e foi uma tentativa de tornar o STF refém da opção pessoal do ex-parlamentar.

    Ao observar que “os motivos e fins da renúncia dão conta da insubmissão do réu ao julgamento”, a ministra relatora lembrou que o processo contra o deputado tramita há 14 anos (e se encontra no STF desde 2005) e, em nenhum momento antes, o parlamentar manifestou o desejo de ser julgado pela Justiça de primeiro grau. Portanto, segundo ela, ficou claro que se trata de um “abuso de direito, ao qual não dá guarida o sistema constitucional vigente”.

    Ela lembrou que, no seu voto no julgamento da AP 333, em que o réu renunciou cinco dias antes do julgamento de processo contra ele no STF, afirmou que “a Constituição Federal garante imunidade, mas não impunidade” aos detentores de mandato eletivo. Naquele processo, a Suprema Corte encaminhou ao Juízo Criminal da Comarca de João Pessoa (PB) o julgamento do então deputado Ronaldo Cunha Lima (PMDB-PB), acusado de homicídio qualificado, na modalidade tentada, contra o ex-governador da Paraíba Tarcísio Burity (PMDB).

    Propostas

    Ao acompanhar o voto da relatora pela continuidade do julgamento de Donadon no STF, o ministro José Antonio Dias Toffoli propôs que se adotasse como parâmetro para impossibilitar a transferência de julgamentos semelhantes para instância inferior a data em que o processo for colocado em pauta.

    Já o ministro Joaquim Barbosa, que também acompanhou o voto da relatora, propôs, como limite, a data em que os autos forem encaminhados conclusos ao relator (isto é, por ocasião do fim da instrução do processo, quando ele estiver em mãos do relator para elaboração de relatório e voto).

    O ministro Gilmar Mendes lembrou que, após a edição da Emenda Constitucional nº 35/2001, que atribuiu ao STF poderes para processar parlamentares sem prévio consentimento da Câmara e do Senado, os processos contra parlamentares não ficam mais parados na Suprema Corte, o que tem aumentado as condenações e, como consequência, o “temor” de serem julgados pelo STF.

    Também o ministro Ricardo Lewandowski viu na renúncia do deputado Natan Donadon uma clara tentativa de fraude à lei. Por isso, ele acompanhou o voto da relatora, ao contrário de seu voto na AP 333, quando ele concluiu que o ex-deputado Ronaldo Cunha Lima deveria ser julgado por um Tribunal do Júri da Paraíba.

    Ao também acompanhar o voto do relator, lembrando que há previsão constitucional para casos como a AP 396, o ministro Carlos Ayres Britto citou afirmação do jurista romano Ulpiano (Eneo Domitius Ulpianus, que viveu de 150 a 228 d.C.), segundo o qual “não se pode tirar proveito da própria torpeza”.

    Ao votar com a relatora, a ministra Ellen Gracie afirmou que “o Tribunal não pode aceitar manipulação de instâncias para efeito de prescrição”. No mesmo sentido se pronunciou o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Segundo ele, aceitar a manobra do ex-parlamentar transformaria  o STF em categoria de juízes preparadores de primeiro grau. Isso porque a Corte faria o trabalho mais demorado, que é a instrução, para os juízes de primeiro grau julgarem.

    Ao concordar que o estratagema da defesa constituiu um “abuso”, o ministro disse que “não há direito subjetivo nenhum, quando o ato é eticamente pouco sustentável”. Segundo ele, trata-se de uma clara fraude à lei, isto é, uma tentativa de frustar a aplicação da lei, “absolutamente caracterizada, no caso”.

    Único voto discordante, o ministro Marco Aurélio defendeu a transferência do processo para a Justiça de primeiro grau em Rondônia. “Por sermos guardiões maiores da Constituição Federal, não podemos aditá-la”, sustentou. Segundo ele, “cumpre constatar o fato: não ser mais o réu membro do Congresso Nacional”.

    “Com a renúncia, cessou a competência da Corte”, sustentou. “A renúncia é um direito potestativo”, observou, e, como tal, deve ser analisada dentro do direito de ampla defesa do réu.”

    http://m.stf.jus.br/portal/noticia/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=164934

     

  3. É impressão minha ou o STF

    É impressão minha ou o STF faz com que o PIG opine nos autos. Todos julgamentos do PT vem quarta ou quinta-feira e é suspenso para semana que vem (PARA OITIVA DO PIG).

  4. Tempos Difíceis

    Nassif: a partir de hoje recusar-me-ei tecer qualquer comentário que envolva os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Benedito Barbosa. Criei a “teoria” que —dar valor ao que não presta e valorizá-lo! Fico imaginando a figura de um ministro do STF, último baluarte das nossas questões constitucionais. A importância do cargo para os do Povo, nos que vergamos sobre o tacão dos poderosos, a contar daquelas instituições governamentais, cuja goela profunda suga somente dos “saint coulots”, já que os poderosos que os recepcionam em saraus e outros sempre encontrarão um “jeitinho” para safar-se. E enquanto o caput do art. 5º da Carta Magna fala em “igualdade” alguns do STF julgam serem eles e “amigos” mais “iguais”. Estes homens, com as exceções que a regra comporta, super-homens, transformam o último baluarte constitucional em sucursal de partidos que foram alijados do poder pelo voto e que não se conformam. Então, recorrem aos “amigos” no Supremo. Estes, por sua vez, dosam seus julgamentos, salvo raríssimas exceções, na veneta que lhe der, ou no benefício doutrinário que pode advir. Se simples mortais, estaria enquadrados no art. 171 CP, nas “vantagens para si ou para outrem”. Mas são “superiores”, acima do Bem e do Mal (sempre teoria alemã). Intocáveis. “Imexíveis”, como os barões feudais. E são eles regiamente pagos pelo erário público, salários e benesses. O Tribunal hoje mais lembra a primeira parte da Divina Comédia (O Inferno), com seus julgamentos repletos de “malícia”, “incontinência” e “bestialidade” (Canto XI) que uma Casa onde as Leis soberanas do Pais haveriam de encontrar abrigo e interpretações decentes. Isto tudo, graças as estripulias dos dois magistrados mencionados. Fui…

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