Censura na internet era apenas 1 entre 3 problemas na reforma política

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

 
Jornal GGN – Pressionado por setores da sociedade, o governo Michel Temer prometeu vetar o artigo da reforma política aprovada pelo Congresso na semana passada que violava o Marco Civil da Internet, abrindo caminho para censura prévia. Mas esta era apenas 1 entre 3 emendas que são criticadas por ativistas nas redes sociais. 
 
Um dos artigos mantidos até o momento diz que que é vedada “a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.”
 
Ou seja, os candidatos “poderão impulsionar conteúdos – leia-se pagar likes e posts no Facebook e outros mecanismos dessas megacorporaçõe – mas não poderão pagar anúncios em blogs.”
 
Isso representa um desequilíbrio entre os candidatos que têm dinheiro e os que não, apontou reportagem do Viomundo, divulgada nesta segunda (9).
 
Outro problema na reforma é a proibição de perfis que usam os chamados nicknames (apelidos), pois a classe política considerou a prática uma forma de falsear a identidade. Na prática, apenas perfis com nome e sobrenome do usuário teriam autorização para publicar conteúdo eleitoral.
 
 
Por Conceição Lemes
 
No Viomundo
 
Ativistas detonam a ‘Lei do Facebook’
 
Madrugada de quinta-feira, 5 de outubro. O plenário da Câmara dos Deputados aprova, em meio à reforma política, a censura à internet durante o período eleitoral, violando o Marco Civil e incentivando denúncias vazias.
 
À tarde, o Senado ratifica o texto da Câmara, inclusive a obrigatoriedade de provedores removerem conteúdo sem ordem judicial, em até 24 horas, quando candidatos ou partidos reclamarem de críticas, mesmo improcedentes.
 
A insensatez foi tão grande que juntou, numa mesma trincheira, o impensável: de movimentos sociais e de direitos humanos a setores econômicos com os mais variados interesses.
 
Manhã de sexta-feira, 6 de outubro. O deputado Aureo (SD/RJ), autor da emenda, recua.  Por volta de 11h30, em nota à imprensa, informa:
 
Procurei o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para que ele peça o veto do trecho ao presidente da República. A repercussão do caso provou que o assunto precisa ser amplamente discutido e precisamos ouvir melhor os cidadãos para construir um texto que preserve a livre manifestação do pensamento e, ao mesmo tempo, combata os criminosos que circulam nos meios digitais.
Às 12h20, em nota oficial, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência diz que Temer atenderá o pedido do parlamentar.
 
Foram aproximadamente 34 horas de perplexidade, suspense, debate e articulação.
 
“Absurdo total incluir na lei da reforma política um tema como esse, sem qualquer debate”, critica a jornalista e blogueira Renata Mielli, coordenadora-geral do  Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
 
Porventura as leis do país não valem em períodos eleitorais, que devem ter então regras excepcionais?, questiona.
 
“Felizmente, a sociedade estava atenta e denunciou rápido. A imediata reação e mobilização de vários setores deixaram uma única alternativa ao governo, o veto”, salienta Renata. “A pressão funcionou.”
 
DOIS PROBLEMAS GRAVÍSSIMOS FORAM MANTIDOS
 
Sérgio Amadeu é sociólogo, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e  pesquisador de cibercultura.
 
Em artigo postado em um grupo de whatsapp na manhã de sexta-feira, ele apontou três problemas, que considerava gravíssimos na lei aprovada no dia anterior no Congresso Nacional:
 
1) Censura à rede
 
2) Proibição de nicknames [apelidos]e codinomes
 
3)Privilégio às postagens pagas.
 
Após a divulgação de que o item seria vetado, Sergio Amadeu comentou no twitter:
 
“Governo recua na censura, mas mantém proibição de nicks e codinomes na disputa eleitoral. Também beneficia a propaganda paga no Facebook”.
Vejamos os problemas 2 e 3, começando pelos apelidos e codinomes.
 
A lei da reforma política – nº 13.488, de 6 de outubro de 2017, foi publicada na própria sexta-feira, em edição extra do Diário Oficial da União.
 
O parágrafo 2 do artigo 57-B diz:
 
2º Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade.
Portanto, a lei aprovada proíbe o uso de fakes ou outras identidades nas redes sociais para quem fizer veiculação de conteúdo eleitoral.
 
“Dito de outro modo, para discutir e comentar a política, você não poderá utilizar codinomes, nicknames”, traduz Amadeu.
 
Ele cita dois exemplos que, se ocorressem no Brasil do golpe de 2016, seriam atingidos pela nova lei.
 
Um deles, o jornalista, dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues.
 
Na década de 1940,  ele assinava  com o pseudônimo Suzana Flag a coluna Meu destino é pecar, em O Jornal, dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.  Nelson Rodrigues seria criminalizado e não lançaria os sete livros que resultaram das colunas.
 
O outro exemplo: a grande obra da teoria política norte-americana, Escritos Federalistas. Afinal, foi a compilação de textos publicados nos jornais The Independent e The New York Packet por Alexandre Hamilton, James Madison e John Jay, sob o nickname Publius.
 
“Como vêem, a proibição pretendida pela nova lei eleitoral brasileira já seria anacrônica no século XVIII”, observa Amadeu.
 
O terceiro problema nova lei está no artigo 57-C:
 
“Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.”
“Impulsionamento de conteúdo” é eufemismo.
 
“Para impulsionar tem que patrocinar”, explica Renata Mielli.
 
Em bom brasileiro: posts pagos.
 
Em “feicebuquês”: posts patrocinados, criados por Zuckerberg.
 
O projeto aprovado proíbe propaganda paga no rádio e TV, mas não, na internet.
 
Assim, os candidatos poderão “impulsionar” conteúdos – leia-se pagar likes e posts no Facebook e outros mecanismos dessas megacorporações—mas não poderão pagar anúncios em blogs.
 
“É a lei do Facebook!”, detona Amadeu no twitter.
 
Parêntese 1, de Renata Mielli:
 
Eu, você, e todos que postamos NOSSOS conteúdos no Facebook trabalhamos gratuitamente para o Zuckerberg ficar cada vez mais risco.
 
E para se ter uma ideia do quanto nosso trabalho é lucrativo, em 2016 o Facebook teve um receita de US$ 26,8 bilhões, 57% maior que em 2015. Seu lucro líquido aumentou 117%.
 
Ah, você pode me questionar agora, “mas não pagamos nada por isso”, o Facebook é “de grátis” e a gente é visto por muita gente. Mais ou menos.
 
Primeiro, agamos com o nosso trabalho, com o tempo que dedicamos a curtir, reagir e postar coisas no Facebook. E uma das máximas do capitalismo pode ser expressa pela frase time is money – tempo é dinheiro.
 
Segundo, a gente precisa pagar para ser visto, ou para termos a sensação que estamos sendo vistos, lidos e seguidos. São os tais posts patrocinados.
 
Terceiro, quem determina quando e quem vai ver sua postagem é um código que, no fundo, ninguém sabe como funciona de verdade e quais são os parâmetros de dados utilizados para definir a sua programação.
Fechando parêntese.
 
Como likes são vendidos em leilões, o Facebook lucrará muito. Afinal, quem tiver mais dinheiro, comprará mais likes e posts visualizados.
 
“Já os candidatos pobres terão seus posts bloqueados pela rede do Zuckerberg, que vai monetizar a alma dos eleitores”, vai fundo Amadeu, que defende a proibição dos posts pagos.
 
Não é à toa que as associações Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert),  Nacional de Editores de Revistas (Aner), Nacional de Jornais (ANJ), Facebook e Google protestaram apenas em relação à censura.
 
Continue lendo aqui.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador