Em defesa da legalidade e do devido processo legal, por Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Entendemos que o STF deveria assumir uma posição mais ativa no combate a todos os abusos, de juízes, procuradores ou outras autoridades públicas que burlam a lei para atingir objetivos pouco republicanos.

Em defesa da legalidade e do devido processo legal

por Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

No dia 1º agosto de 2019, o Ministro do STF Alexandre Moraes proferiu decisão em que determinou (i) a suspensão de todos os procedimentos de fiscalização instaurados na Receita Federal ou em outros órgãos, com base na Nota Copes n° 48, de 02/03/2018, em relação a 133 contribuintes; (ii) o afastamento temporário de todas as atividades funcionais dos Auditores Fiscais Wilson Nelson da Silva e Luciano Francisco Castro, por indevida quebra de sigilo noticiado no PAD 14044.720005/2019-79.

De imediato, pretendemos estabelecer como premissa o reconhecimento de que o STF é o guardião maior da Constituição Federal. Todo cidadão, desde o mais pobre e desprovido de poder, até o mais empoderado, como um ministro do STF, tem o direito de ser defendido pela corte suprema quando há risco de lesão ou quando seus direitos estão ameaçados. Dessa forma, não nos vinculamos à corrente que pretende negar legitimidade às decisões dos magistrados da corte suprema pelo simples fato dessas decisões beneficiarem pessoas poderosas. Temos a convicção de que o correto funcionamento das instituições é a maior garantia, senão a única, de preservar a nossa democracia, que ora se encontra sob ataque por todos os lados.

Entendemos que o STF deveria assumir uma posição mais ativa no combate a todos os abusos, de juízes, procuradores ou outras autoridades públicas que burlam a lei para atingir objetivos pouco republicanos. É obrigação do STF coibir a politização dos órgãos e agentes públicos no exercício de suas funções. A omissão da Suprema Corte diante de condutas inadequadas, praticadas ao longo dos últimos anos por agentes públicos que visavam protagonismo pessoal, é apontado como causa, por inúmeros analistas, dessa epidemia de desrespeito às instituições do estado brasileiro.

Feita essa importante ressalva, e ainda a de que o Coletivo AFD não se dedica a defender pautas corporativas (que é uma pauta sindical), fazemos as considerações abaixo com o objetivo de contribuir para o correto deslinde dos fatos.

O Ministro do STF apontou como fundamentos para sua decisão o fato da Receita Federal ter explicado, genericamente, as diretrizes do programa, e “que não se verificou a necessária atuação de forma técnica e impessoal, pois a escolha fiscalizatória em relação a agentes públicos foi realizada sem critérios objetivos e com total ausência de razoáveis indícios de ilicitude” e que “a ausência de critérios objetivos demonstrou a real possibilidade de direcionamento da atividade fiscalizatória para atingir alvos predeterminados, pois de 818 mil CPFs de agentes públicos a Receita Federal chegou a 133 contribuintes”; “que instada novamente a esclarecer quais seriam esses critérios objetivos utilizados para a seleção de contribuintes, o órgão em questão limitou-se a replicar a informação anteriormente fornecida no item 18 da Nota 105/2019, onde, novamente, aponta como um dos critérios de escolha ‘as notícias na imprensa de agentes públicos em esquemas fraudulentos’”; ocorrendo na sequência “flagrantes violações à legalidade, inclusive com vazamentos de informações sigilosas”; “são claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos Ministros do Supremo Tribunal, sem que houvesse, repita-se, qualquer indício de irregularidade por parte desses contribuintes”.

Mesmo que isso não conste no voto do Ministro,  a decisão guarda relação com os diálogos dos procuradores da Lava Jato divulgados, pelo dossiê Intercept, em data imediatamente anterior a sua decisão. Nesses diálogos, os procuradores da Lava Jato estavam levantando informações para mover ações contra alguns ministros do STF que eram tidos como inimigos da Lava Jato. Nas conversas, os procuradores dão a entender que estavam inclusive levantando dados junto a fontes da Receita Federal. Algumas das pessoas mencionadas nos diálogos dos procuradores da Lava Jato acabaram selecionadas para fiscalização da Receita Federal com base na Nota Copes n° 48, de 02/03/2018.

Da mesma forma como qualquer cidadão tem o direito de recorrer a um judiciário imparcial, e ser por ele amparado, qualquer cidadão ou empresa pode ser fiscalizado pela Receita Federal, sem que importe o cargo que ocupa e sem haja necessidade de autorização judicial. Conforme corretamente apontado pelo Ministro, a seleção dos contribuintes deve ser objetiva e impessoal, de modo a não caracterizar preferência ou antipatia do agente responsável pela seleção. No entanto, a caracterização de falta de objetividade não pode ser presumida, ela deve ser investigada e comprovada. Nesse sentido, entendemos que há necessidade de investigar se houve, no caso dos 133 contribuintes selecionados, manipulação  do resultado dos filtros aplicados que demonstre que determinadas pessoas estavam pré-selecionadas, ou que outras pessoas, com indícios de irregularidades maiores, foram indevidamente excluídas da relação final. A eventual suspensão de alguma fiscalização somente deverá ocorrer após a apuração objetiva da metodologia empregada para selecionar os referidos contribuintes.

É importante enfatizar que as normas para seleção de contribuintes são de responsabilidade da Receita Federal enquanto instituição; não são uma responsabilidade individual do Auditor Fiscal, por cumprimento da exigência do princípio da impessoalidade. Esse aspecto é relevante porque os Auditores Fiscais, se agiram em conformidade com as normas produzidas, não podem ser responsabilizados individualmente, salvo terem cometido algum ilícito. Se a norma editada pela Receita Federal produziu um resultado diverso do que deveria, a culpa não pode ser dos Auditores Fiscais que seguiram a norma.

Agentes públicos, no exercício de suas funções, não podem ter motivação político-ideológica. Seu único referencial deve ser a lei. Os desvios e os procedimentos ilegais devem ser investigados e punidos, tudo em conformidade com a lei. A Receita Federal tem uma longa história marcada pelo trabalho técnico do seu quadro de servidores. O caminho correto para enfrentar as suspeitas que ora pesam sobre a instituição é o esclarecimento dos fatos.

O estado democrático de direito depende do respeito incondicional ao papel atribuído às instituições pela nossa Constituição Federal. Quando as instituições são atacadas por conta de interesses contrariados, quando são aparelhadas para atender interesses privados ou de grupos, quando órgãos de maior poder tentam se utilizar de outros órgãos para fortalecer ainda mais seu poder, então estamos caminhando para o fim da democracia, onde reina a lei do mais forte, que não é a lei escrita na Constituição Federal.

O nosso apelo é pela legalidade, pela correta investigação dos fatos, pelo direito à ampla defesa e pela não punição e condenação sem o devido processo legal.

Comitê Executivo AFD

Redação

4 Comentários

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  1. Realmente de 818 mil CPFs de agentes públicos, acertarem exatamente nas esposas do Toffoli e Gilmar Mendes, é igual a probabilidade de acertar os seis números da mega cena.

  2. Embora reconheçamos as lutas dessa instituição em favor da democracia e dos direitos dos brasileiros, está a difícil a defesa desses funcionários públicos.

  3. Pareceu claro para mim que o texto enfatiza a supremacia da CF88 e se pauta pelo respeito aos dispositivos legais que dela procedem. Não se trata de uma defesa de servidores públicos, mas defesa dos princípios constitucionais da administração pública, defesa do devido processo legal.
    Às vezes, sem querer, pode-se cair no discurso de demonização dos servidores públicos, ao invés de externar legítima pretensão de que se procedam investigações dentro da lei com a eventual punição de quem, se for o caso, tenha prevaricado ou cometido outra conduta ilícita.

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