Os abusos na busca feita pela polícia de Alckmin na casa de Marcos Lula

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Divulgação
 
Jornal GGN – Tão logo veio à tona, na noite de terça (10), por meio da colunista Mônica Bergamo, a história da busca e apreensão na casa de Marcos Lula, filho mais velho do ex-presidente Lula, passou a ser alvo de críticas feitas por especialistas em Direito horrorizados com o nível de violações que as primeiras informações sobre o caso guardavam.
 
O principal pilar do escândalo era o fato de que a autorização judicial para a busca foi dada mediante o argumento de que câmeras de vigilância dificultavam o “monitoramento” dos endereços alvos da denúncia anônima. No ordenamento jurídico brasileiro, denúncia anônima por si só não serve (ou não deveria servir) para nada.
 
O segundo ponto questionável é a notícia de que a Polícia Civil, sob o comando de Geraldo Alckmin (PSDB), entrou em endereços ligados a Marcos Lula com a desculpa de lá poderia existir drogas e armas de alto calibre, e saiu carregando objetos pessoais de Marcos, como computadores, mídias e outros papéis.
 
A chave para a questão está no mandado de busca e apreensão, ainda não divulgado.
 
A DENÚNCIA ANÔNIMA
 
Professor de Direito Penal da PUC-SP, Edson Luis Baldan explicou ao GGN que “mera informação anônima não fornece justa causa para quebra da inviolabilidade do domicílio do cidadão que goza dessa proteção em sede constitucional”.
 
“Com 26 anos de atividade como Delegado de Polícia, jamais imaginei recorrer a um Juiz de Direito para pleitear uma medida dessa natureza com lastro exclusivo em inidônea denúncia anônima”, disse Baldan.
 
Ao relatar o julgamento de um habeas corpus (HC 106.152), em março 2016, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber também apontou que denúncia anônima carece de investigações preliminares que atestem a procedência das informações.
 
“(…) a não-confiabilidade dessas informações apócrifas decorre do fato de que seus autores são desafetos da pessoa imputada, criando sério risco de que o aparato policial e judicial seja movimentado como instrumento de vingança particular”, acrescentou Baldan. 
 
No pedido para obter autorização para a busca na casa de Marcos Lula, consta que a Polícia Civil recebeu notícia de que duas residências estavam sendo usadas para “armazenamento de grande quantidade de drogas e armas de alto calibre” e, em função disso, “iniciou-se investigações para apurar os fatos”.
 
Os investigadores fizeram “campanas veladas” em dias e horários diferentes, e identificaram “grande movimentação” nas chácaras. A principal suspeita apontada pelo delegado era a de que pessoas entravam e saiam com caixas. Os policiais não encontraram “indícios de moradia”, e como mantiveram distância por conta das câmeras de vigilância, não conseguiram apurar outra parte da denúncia: a de que as placas dos veículos eram de Estados diversos.
 
Bom base nesses elementos, a Justiça concedeu o mandado. O GGN pediu ao governo Alckmin acesso ao documento, mas não obteve resposta.
 
DIFICULDADES NA APURAÇÃO
 
Segundo Baldan, as investigações preliminares a partir de denúncias anônimas são válidas. Mas ele indicou que, em casos como este, a equipe de investigadores poderia ter esgotado outras possibilidades antes de alegar que a distância dificultava o trabalho.
 
“Risível o argumento de que a existência de vigilância eletrônica impeça o trabalho de investigação preliminar da polícia, pois esta deve estar capacitada para transpor esse óbice e se mimetizar ao ambiente sem despertar suspeitas do investigado, por exemplo:  utilizando veículos descaracterizados e fechados (estacionados a prudente distância do alvo em cujo interior permanecem os policiais observando o endereço suspeito), simulando uma atuação profissional (funcionário da limpeza pública, manutenção de rede elétrica ou telefônica, vendedor ambulante) etc … Tudo isso é elementar, básico do trabalho investigatório, devendo o policial aliar essas conhecidas estratégias à sua argúcia e criatividade diante do cenário diverso que se lhe apresentar.”
 
Além do mais, “caso nenhuma estratégia de investigação preliminar discreta seja possível, a informação anônima deve ser momentaneamente descartada, no aguardo de dados mais completos ou meios mais eficazes para a apuração.”  
 
A APREENSÃO DE OBJETOS PESSOAIS
 
A apreensão de dois notebooks, mídias e documentos nos endereços de Marcos Lula sem a previsão no mandado de segurança pode ser outra prova da arbitrariedade da operação.
 
O GGN solicitou à Polícia Civil, através da assessoria da Secretaria de Segurança Pública do Estado, acesso ao inteiro teor da autorização judicial para a busca e apreensão, entre outros dados. Até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.
 
O que se sabe, através do pedido enviado à Justiça, é que a autoridade policial demandou o mandado “com o objetivo de apreender produtos ou instrumentos de crime, armas, drogas e etc.”
 
Na visão de Baldan, “a excepcional medida judicial de violação de domicílio deve, como requisito de sua legalidade e prestabilidade à prova processual, ser executada com base em elementos objetivos que indiquem, claramente, não só o fundamento autorizador da medida, mas, igualmente, que delimitem o objeto dessa diligência de busca, não podendo sua finalidade ser vaga, ampla ou indiscriminada.”
 
Advogado e delegado aposentado da Polícia Federal, Armando Coelho Neto disse ao GGN que “nos tempos da democracia, todo mandato tinha que ser específico.”
 
Neto explicou que a exceção é quando a Polícia entra em busca de documentos e encontra um outro item evidentemente ilícito penalmente. “Há variantes nessa questão do mandado de busca. (…) Seria diferente se você tem mandado para entrar numa casa em busca de documento e de repente você encontra um pacote de cocaína. Aí você encontrou um crime. Mas no caso específico de você procurar um crime e de repente querer levar a casa toda porque você pressupõe que no colhão, ou dentro das panelas, ou no laptop da criança (tem alguma coisa), aí não… A ação policial tem que estar adstrita à investigação específica, com endereço específico e objeto específico.”
 
“Tirante essa hipótese, a apreensão de coisas ou documentos (que por si só não caracterizem um ilícito) não contemplados no instrumento de busca (…) serão imprestáveis para servir como prova porque evidentemente ilícitas”, acrescentou Baldan.
 
Para Armando, “nós estamos vivemos um período de exceção, onde o Direito vem sendo solapado de todas as formas. Em nome de um tal bem maior que ninguém declama, estão cometendo uma série de arbitrariedades.” 
 
O ABUSO DE AUTORIDADE
 
O professor Edson Luis Baldan ainda apontou que “caso um magistrado conceda mandado de busca e apreensão domiciliar com fundamento exclusivo em mera denúncia anônima, configurada estará uma evidente violação a garantia individual do cidadão, tutelada por norma constitucional inderrogável, afigurando-se, em tese, um crime de abuso de autoridade consistente no atentado à inviolabilidade ao domicílio e à honra de pessoa natural (Lei 4.898/65, arts.3º , “b”, e  4º, “h”)”.
 
A punição pode ser administrativa (advertência, repreensão, suspensão do cargo por 5 a 180 dias, destituição de função, demissão) e/ou criminal (penas oscilantes de 10 dias a 6 meses de detenção, multa, perda do cargo e inabilitação para exercício de qualquer função pública pelo prazo de até 3 anos).

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

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  1. Caro Nassif,
    sem nenhuma

    Caro Nassif,

    sem nenhuma intenção de desmerecer o trabalho jornalístico do GGN, pelo contrário, até felicitá-lo, chama a minha atenção o fato de que a esta altura dos acontecimentos (não sei há quantos anos do Mensalão e da honestíssima Operação LavaJato), vivendo o Brasil sob o tacão de um golpe de estado, tendo uma quadrilha a exercer ilegalmente o poder, ainda tenhamos que perder tempo em descobrir se uma denúncia anônima feita contra o filho do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva para descobrir a existência de armas e drogas na sua residência é legal ou não, deixa-me com o estômago revirado.

    Começo a duvidar da nossa capacidade de reação diante de tanta hipocrisisa, perversidade, atitudes antidemocráticas, chicanas jurídicas, injustiça e incompetência dos que estão no poder. Vamos republicanamente esperar pelas eleições de 2018 na expectativa de virar o jogo?

    Espero estar sinceramente enganado e peço desculpas aos otimistas de plantão. 

     

  2. Caramba, já não basta a pf

    Caramba, já não basta a pf não investigar “vive de delação premiada”, agora vem a pc de sp se basear em denúncia anônima?  Não foi o stj, referendado pelo luis roberto barroso que anularam o processo da castelo de areia porque foram feitas em cima de denúncia anônima?!!. 

  3. Minha denúncia (nem tanto) anônima

    Há indício de que coisas estranhas estejam sendo praticadas por um determinado sujeito num determinado palácio.

    Esse sujeito passou a ocupar mediante esbulho um primeiro local, na região central da cidade – e para morar nem tal lugar fez uma reforma dispendiosa, que não pagou de seu bolso – mas ficou nesse endereço por pouquíssimo tempo: mudou-se com malas (epa!) e bagagens e uma mulher com idade para ser sua neta.

    Ao que parece, a intenção do sujeito, ao mudar-se para endereço em local mais distante e menos visado era ocultar suas atividades. A propósito, mandou instalar no novo endereço grandes vasos de plantas, com as quais dificulta que se veja quem adentra e quem sai.

    O sujeito recebe uns tipos notórios e uns notórios tipos à noite. Alguns deles, assim orientados pelo sujeito, se identificam com nomes falsos aos porteiros. Outros (sempre à noite e em finais de semana) lá chegam com roupas diferentes das cerimoniosas roupas com que costumam ser vistos em sociedade. E parece que o sujeito chega a prover ajuda financeira a pessoas com problemas com a lei.

    Vá lá e veja, doutor!

    Só peço o anonimato, porque um outro sujeito, da mesma turma desse sujeito, já avisou que é capaz de fazer sumir quem deixe de lhe ser conveniente. Imagine eu que, sem ter sido jamais conveniente, ainda faço uma denúncia inconveniente!

    Então, seu doutor, preserve meu anonimato. Insisto: tem que manter isto!

  4. Autoridades que se contradizem

                 Uma das tecnicas de um interrogatorio é provocar a contradiçao na narrativa do interrogado, mas nesse caso que se contradiz é a propria policia !

                Ontem era uma denuncia anonima por uso de drogas, hoje  admitiram que estavam investigando e as cameras de segurança atrapalhavam, intensa movimentaçao de caixas , entao a suspeita era de trafico ? enfim ….

              Dizem que o Marcos , filho de Lula foi pro interior atras de paz pra sua familia , sera que alguem tem duvda   que estamos em uma ditadura ?

  5. Calhordas!!!
    Fascistas calhordas!

    Vai ver que nem autorização judicial os pulhas obtiveram.

    Contudo, é mais um argumento para ser levado ao conhecimento da ONU, tendo em vista a normalização de nosso estado de exceção.

  6. Só pra saber

    Será que o juíz ao menos perguntou ao delegado quem morava nos endereçoso. Ou isso não vem ao caso. O delegado provavelmente sabia quem morava em um dos endereços. A mim não engana.

  7. A lei brasileira deixa bem

    A lei brasileira deixa bem claro que a juíza responsável pela ordem abusiva deve ser severamente punida.

    Ela vai ser punida? Ou vai ser mais um ato criminoso que irá ser ignorado por ter sido cometido por um juíz?

  8. Começou o jornal da TV

    Começou o jornal da TV Justiça. Chamadas que acabei de ouvir ao longe:

    Ministro Teori nega pedido de Lula

    Dilma tem seus bens bloqueados

     

     

  9. Nestas duas áreas elencadas

    Nestas duas áreas elencadas vemos prédios a frente da marcação. Ou sejam, não demarcados.

    O pedido era para as casa que deve ter digo “não vendo” por nenhum dinheiro.

    Que venha a público quem fez a denuncia anónima.

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