O estranho Juiz Cappio que denunciou irregularidades que ele próprio praticou

O personagem central das matérias do Fantástico era o juiz Luiz Roberto Cappio, espécie de herói que enfrentava quadrilhas perigosas para resgatar as crianças para seus pais biológicos.

O juiz Luiz Roberto Cappio

Em uma das reportagens, Cappio apareceu com colete à prova de bala, convalidando as teses da emissora, sobre a suposta organização criminosa.

Foi filmado indo a Brasília solicitar proteção da Polícia Federal. Depois, foi provado que nunca houve nenhuma ameaça a ele. Indagado sobre as ameaças no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) disse jamais ter recebido uma ameaça direta, mas apenas aquelas decorrentes das circunstâncias que envolviam o episódio.

A primeira matéria do Fantástico foi no dia 14 de outubro de 2012. A novela foi lançada no dia 22.

A reportagem contava a história de Lúcia Moura Araújo, lavadeira que teve o filho retirado pelo fato de morar com um companheiro usuário de drogas.

Encerrava com a entrevista do juiz Luiz Roberto Cappio, incisivo, garantindo existir uma quadrilha que operava no Poder Judiciário e no Fórum Local.

 O juiz do caso denunciado era o próprio juiz Cappio, em decisão de 24 de fevereiro de 2011  (clique aqui). Os argumentos utilizados para a adoção, o mesmo dos demais procedimentos: a extrema pobreza da família biológica.

No caso do juiz Vitor Bizerra, todos os procedimentos haviam sido seguidos, a consulta ao Conselho Tutelar, a intimação à mãe biológica, a solicitação  do Ministério Público e a entrega provisória às famílias, enquanto o processo prosseguisse.

No caso relatado, do juiz Cappio, não. A criança nasceu dia 27/09/2011. Já o relatório do Conselho Tutelar é de 26,/09/2011, um dia antes do nascimento, e a família de São Paulo fez o pedido de adoção plena em 10/11/ 2011, tendo a guarda sido autorizada no dia 23 de novembro pelo próprio juiz Cappio.

Depois da exibição, houve uma reunião tensa entre Raimundo, Cappio e a jornalista Eleonora Ramos no Hotel Bastos, que fica em um posto de gasolina às margens da rodovia BR 116, a poucos metros do fórum local, passagem obrigatória de todos em Euclides da Cunha.

Por coincidência, o hotel pertence a dois magistrados que atuaram em Monte Santo antes do juiz Vito, membros de  família influentes da cidade. 

Depois do encontro, o Fantástico deixou de veicular outros casos de Monte Santo.

O Ministério Público, por meio de ofício (nº 018/2013 – 2ª PJEC) comunicou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na pessoa do Corregedor Nacional de Justiça, sobre a guarda provisória autorizada pelo Juiz Cappio. O ofício foi protocolado em 23 de janeiro de 2013, às 13:56h. Até hoje não houve resposta. Corre em segredo de justiça.

O segundo episódio reletado pelo programa foi a cena em que o pai de Jerôncio – o pai de duas das crianças, mas que registrou os demais em seu nome – receberia de volta a fiança de R$ 5 mi, que foi paga para obter a liberação do filho.

Jerôncio não foi detido por simplesmente ter ido reclamar a volta das crianças. Invadiu o Conselho Tutelar, quebrou móveis e ameaçou os conselheiros. Foi preso pelo delegado local, que arbitrou a fiança.

Só que, em nenhum momento a fiança foi liberada (clique aqui). Se o pai de Jeroncio recebeu R$ 5 mil, proveio de outras fontes.

Depois que o caso estourou, foi aberto um inquérito sobre as adoções. O juiz Cappio tirou os autos físicos do cartório da cidade e o processo correu na sua casa.

“Só eram trazidos aos autos as teses que interessavam à Globo”, denuncia Vitor Bizerra. “Toda vez que chegava um documento a favor, em um processo que ele mesmo diligenciou, o juiz não deixava juntar aos autos”.

Em fevereiro passado, a advogada das mães, Leonora Panzetti, pediu a suspeição de Cappio. Antes de se manifestar sobre a arguição de suspeição, o juiz não pode mais movimentar o processo.

Quando soube que o Ministério Público Estadual iria arguir sua suspeição – e, portanto, afasta-lo do processo- Cappio tratou de proferir uma sentença rápida, antecipada, validando as teses da Globo.

A arguição de suspeição foi no dia 6 de fevereiro de 2013. Para burlar a arguição, o juiz deu uma sentença com data retroativa, de 4 de fevereiro. Só que a sentença só deu entrada no cartório no dia 15 e foi publicada no Diário Oficial no dia 18.

Na sentença, condenou as famílias à reparação de dano, fixando o valor de R$ 360 mil. O processo não mencionava pedido de reparação. Era apenas um processo de recuperação de guarda. Ninguém havia solicitado reparação de dano e, caso tivesse, nada poderia ser sentenciado sem direito à ampla defesa das famílias. E jamais poderia entrar na mesma ação.

O mesmo ocorreu com a Defensoria Pública. O enorme poder de influência da televisão provocava o aparecimento dos personagens mais inesperados, prontos a aderir à dramaturgia.

Durante bom tempo, o juiz Vitor requisitou defensoria pública para o município. Jamais foi atendida. Em 27 de abril de 2012, recebeu correspondência da Defensoria Pública do estado informando sobre a impossibilidade de designar defensor público para a cidade. (clique aqui).

De repente, do nada aparece uma Defensoria Pública, exclusivamente para cuidar do caso das crianças, com declarações atestando que a mãe biológica era dona de casa exemplar e o pai Jerôncio um lavrador.  (clique aqui).

“Tenho fotografia mostrando José Raimundo (o repórter da Globo) dando dinheiro ao pai biológico”, diz o juiz  Vitor

O comportamento do juiz Cappio

O histórico de Cappio não termina aí.

O que chamou a atenção do Judiciário baiano foi que Cappio assumiu a comarca de Monte Santo na condição de juiz designado, não juiz substituto. O juiz designado é o que pede para ser transferido para a comarca.Qual seu interesse, de ir para lá e fuzilar a reputação do juiz anterior?

Não há certezas, mais paira a desconfiança que a razão central seria uma ação delicada que corre em segredo de justiça contra o Bispo Dom Luiz Cappio – seu tio, e o religioso que fez greve de fome contra a transposição do São Francisco. O juiz que instruiu a ação foi Vitor.

Na função, Cappio praticamente paralisou todos os processos. 

No dia 23 de novembro de 2012,  por exemplo, a escrivã  Celia Maria Santos certificou que, de dia em que assumiu a comarca, em  maio de 2012, até a data referida, o juiz nunca deu um despacho sequer nos processos, Apenas naquele noticiado pelo Fantástico (clique aqui). Advogados da comarca oficiaram o CNJ denunciando a morosidade de Cappio (clique aqui). 

Também não faltaram exemplos de truculência.

José Antonio Andrade dos Santos é dono de um carro de som em Monte Santo. Nele, faz propaganda e anuncia as últimas notícias. À noite, as notícias eram transmitidas em um telão. No carro, criticou o juiz poir sua postura no caso das adoções.

O juiz mandou a polícia detê-lo e quis saber quem estava financiando. José Antonio disse que não havia pagamento algum.  Antes de libera-lo, segundo denuncia do próprio José Antonio, o juiz ameaçou-o. Teria dito que “não tinha delegado, presidente Lula, prefeito, deputado  que lhe tirasse da cadeia”, caso continuasse criticando o juiz. (clique aqui).

O depoimento prestado à Corregedoria do CNJ trouxe luzes sobre sua personalidade e sobre os preparativos para a grande armação.

Jornalista Eleonora RamosDisse não ser possível localizar os processos arquivados, os casos de adoção que ele julgou, por terem sido encaminhados pa o arquivo central em Salvador. Sabe-se de pelo menos três casos irregulares.

Contou que a denúncia foi estimulada pela jornalista Eleonora Ramos, do jornal “A Tarde” que também intermediou a ida da TV Globo e do jornalista José Raimundo.

Confessou nunca ter sido ameaçado de morte, “mas se sentiu ameaçado pelas circunstâncias”. Informou comparecer apenas de 15 em 15 dias em Monte Santo, e por isso fica sem condições de atuar em audiências na comarca.

Finalmente, admitiu que na comarca de Euclides da Cunha não há cadastro de pretendentes à adoção, nem gerenciamento, estrutura ou equipe multidisciplinar forense (assistência social, psicóloga).

Era esse o principal avalista das denúncias, acatado tanto pelo Fantástico como pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Tráfico de crianças em Monte Santo

    Bom dia. Lamentável a encenação da rede bobo. Quando saiu a 1ª matéria eu já disse que era suspeita.

    Sou da cidade vizinha, Euclides da Cunha, conheço grande parte da população de Monte Santo. Tentaram manchar a reputação de Dr. Vítor. Vai ficar por isso mesmo? A Globo precisa ser punida. Ela sabia que essa história é falsa.

    Abcs. 

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