O que Maquiavel tem a ensinar a Sérgio Moro?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

À margem de um texto ““Alea jacta est”, Sergio Moro finalmente atravessou o Rubicão” publicado por mim no GGN  foi postado um comentário significativo que tomo a liberdade de reproduzir:

“O que também chama atenção é como essa tensão, vamos dizer, estrutural está internalizada nos corações e mentes dessa geração de operadores do Direito.

Werneck Vianna e outros apontaram no “Perfil do Magistrado Brasileiro” e no “Corpo e Alma da Magistratura”, entre outras coisas, que, além da juvenização e da “feminização” da magistratura, a origem social dos juízes brasileiros hoje é modesta.

Para além da pretensão aristocrática e da identificação com valores da meritocracia, a ignorância histórica e sociológica faz com que se conforme esse estilo justiceiro com sinal invertido.”

O comentarista em questão, que usa o pseudônimo de Lucinei, faz referência a um estudo que está disponibilizado na internet http://thetntbook.org/?p=531864 . Não adentrarei ao estudo, pois estou menos preocupado com o  “Perfil do Magistrado Brasileiro” do que com a tensão entre o mundo dos fenômenos (do “ser”) e o universo das regras jurídicas (domínio do “dever ser”) provocadas pela decisão tomada pelo Juiz da Lava Jato que, ao mandar prender os donos de duas construtoras gigantescas, revogou os privilégios senhoriais da constituição não escrita que sempre esteve em vigor sob todas as constituições republicanas do Brasil.

De qualquer forma, o “Perfil do Magistrado Brasileiro” não me parece capaz de modificar o perfil da aristocracia brasileira, acostumada a desfrutar privilégios desde os tempos da Colônia. É fato: o Estado brasileiro não foi metodicamente construído para reprimir aristocratas e sim para defendê-los dos “outros” (índios, colonos pobres, escravos e negros fugidos durante a Colônia; rebeldes miseráveis e republicanos, durante o Império; anarquistas, socialistas, comunistas, descontentes e sindicalistas no período Republicano).

Lava Jato, Zelotes, Lista do HSBC-Suíça, Tremsalão Tucano em São Paulo podem ser visto como indícios de moralização da política no Brasil. Mas também podem ser considerados indícios claros de uma deterioração do Estado tal como o mesmo sempre funcionou. Os conflitos dentro da elite brasileira sempre existiram, mas em geral a mesma sempre se apresentou unida contra os “outros” (aqueles que deveriam ser e sempre foram reprimidos pelo Estado: índios, colonos pobres, escravos e negros fugidos durante a Colônia; rebeldes miseráveis e republicanos, durante o Império; anarquistas, socialistas, comunistas, descontentes e sindicalistas no período Republicano). A novidade imposta ao país por Sérgio Moro, creio, foi a total destruição do espaço de conciliação das elites. O conflito entre os membros da elite ligados ao PT e aqueles que estão na posse do PSDB/DEM é escancarado e não pode mais ser escamoteado pelo Poder Judiciário porque o próprio Judiciário foi transformado num dos pólos do conflito.

O Estado brasileiro foi construído para resistir à pressão das camadas subalternas da população. Será este Estado capaz de resistir ao conflito das elites? Esta meus caros é a verdadeira pergunta que devemos fazer neste momento.

As instituições têm uma existência duradoura. Os usos se transformam em costumes e estes passam de uma geração a outra ficando cristalizados e geralmente acabam sendo preservados mesmo quando há mudanças significativas na estrutura política do país.

A principal reação institucional ao regime militar após 1964 partiu justamente do Judiciário, que na época era povoado por juristas formados sob os auspícios da CF/46. Vários daqueles juízes tiveram que ser e foram afastados dos seus cargos e aposentados compulsoriamente pelo poder militar. Após a proclamação da CF/88 também ocorreu algo semelhante. Havia uma grande impermeabilidade dos juristas formados durante a Ditadura aos princípios democráticos da nova Constituição. Alguns deles ainda estão nos Tribunais (e isto limita bastante a importância do trabalho de Werneck Vianna no contexto que me interessa).

Além disto, Sérgio Moro não pode ser descrito apenas como um Juiz jovem de origem modesta. Ele aceitou o prêmio de bom grado o prêmio que foi lhe dado pelo clã-Marinho. Se não quisesse compromissos com aristocratas corrompidos (que, segundo divulgado pela imprensa, tem dinheiro no HSBC da Suíça) Sérgio Moro teria recusado a premiação. Em razão do amor devotado pela Rede Globo ao PSDB e o ódio evidente do clã-Marinho ao PT, a imagem de Sérgio Moro sempre levantará suspeitas acerca de sua atuação à frente da Lava Jato.

Mas não é propriamente da imagem de Sérgio Moro que gostaria de falar. Ao meditar sobre o comentário de Lucinei, lembrei-me das palavras de Maquiavel que li em 1985 e reli várias vezes desde então.

“Os que, por deliberação errônea ou por inclinação natural, se afastam dos tempos em que vivem, são geralmente infelizes, e condenados ao insucesso em seus empreendimentos: o êxito coroa aqueles que se ajustam ao seu tempo.” (Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Maquiavel, editora UNB, 3ª edição, Brasília, 1994, p. 332)

É um erro acreditar que o PT pode ser destruído com a prisão de alguns empresários que lucraram durante os governos Lula/Dilma. Infelizes serão aqueles que acreditarem que podem aterrorizar homens poderosos acreditando que eles renunciarão ao seu poder ou não o utilizarão tudo que tem à sua disposição (cabedal, influência, poder político, etc…) para vingar ultrajes que certamente consideram injustos. A Justiça Federal pode até mandar prender petistas  – salvo raras exceções, eles se enquadram no perfil das vítimas tradicionais do Judiciário brasileiro – algo muito diferente é meter a ferros aqueles que nunca sequer sonharam ser presos. Homens que estão acostumados a mandar podem comprar liberdade, fidelidade e vingança.

A Lava Jato afeta os interesses soberanos do Brasil e já entrou no foco do Ministério da Defesa http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-diz-que-investigacao-da-lava-jato-trara-turbulencia,1642758 . A criminalização das construtoras que realizam obras importantes para as Forças Armadas http://www.conversaafiada.com.br/economia/2015/06/25/moro-brinca-com-fogo-a-defesa-nacional/ deveria causar mais temor do que felicidade nos inimigos do PT.

De Sanctis quase foi expulso da Justiça Federal porque ousou prender um banqueiro (um pequeno banqueiro se comparado aos donos do Bradesco e Itaú, por exemplo). Ele resistiu e foi anulado por uma promoção. Num órgão Colegiado os votos de De Sanctis tem valor menor do que suas decisões impactantes quando era Juiz de primeira instância. Sérgio Moro “por deliberação errônea ou por inclinação natural” provavelmente acredita ter feito a coisa certa. Em breve veremos quão certo ele realmente estava. A tempestade que ele provou num copo de água pode inundar o Brasil de sangue.  

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

5 Comentários

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  1. Quero entender

    Quero entender o por que, para que, para quem ou quando e se, êste ‘orgão’ do judiciário apelidado de Conselho Nacional de Justiça precisa ser acionado, tal outras instâncias, para discutir, deliberar sobre o cumprimento das leis ou trata-se apenas de um ratificador de aposentadorias compulsórias de malfeitores do judiciário ?  Alguem sabe informar qual a função deste orgão ?

    1. Funcionava quando Eliana
      Funcionava quando Eliana Calmon estava lá.
      Quando saiu, o trauma foi tão grande para o Judiciário, que colocaram lá Humberto Martins, um banana sem qualquer conhecimento jurídico que só está lá para tomar um vinho nas recepções e comer estudantes de primeiro período( onde da aulas).

      O que eu não entendo mesmo É o porque da SUA surpresa.
      Era para ser assim mesmo. ..
      Não há muitas Elianas disponíveis.

  2. São deuses

    O desembargador Amaral Wilson de Oliveira, do TJ/GO, manteve liminar concedida pela 1ª vara Cível de Goiânia proibindo a Google de exibir vídeos com conteúdo ofensivo contra o juiz de Direito Joseli Luiz da Silva, veiculados no site do Youtube. 

    O Google alegou que Sustenta que os vídeos “não ferem a honra” do magistrado, quando sopesados frente aos direitos fundamentais previstos na CF/88. Além disso, declarou que era impossível acatar a ordem judicial, já que os conteúdos sigilosos estão sob a guarda e responsabilidade da Google Inc, com sede na Califórnia (EUA), e que é essa sociedade quem detém e opera estas informações. No entanto, o magistrado rejeitou a tese da defesa.

    http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI165161,51045-Google+nao+deve+exibir+video+que+ofende+juiz

     

  3. A Lava Jato bombando e a Zelotes jogada às moscas

    Se o caso Zelotes diz respeito a sonegaçao na casa de 500 bi de reais em apenas um ano, pq há apenas um procurador cuidando do caso, e um juiz que nega todos os pedidos do MPF,.,,agora conheça a estrutura que foi montada pra cuida da Lava Jato,..ai nao estao PF e MPF..,,no caso da Lava Jato o Moro reina absoluto em suas decisoes monocraticas ditatoriais mantidas por tribunais superiores alinhados pq se pelam de medo da zglobo, outros pq sao tucanos mesmo

     

    http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI216941,91041-Quem+sao+os+juizes+da+operacao+Lava+Jato

     

    Pleno do TRF4 escolhe lista tríplice de candidatos à vaga de desembargador

    11/04/2013 14:09:06

     

    Pleno do TRF4 escolhe lista tríplice de candidatos à vaga de desembargador
    Pleno do TRF4 escolhe lista tríplice de candidatos à vaga de desembargador

     

    Os juízes federais João Pedro Gebran Neto, Sebastião Ogê Muniz e Leandro Paulsen,  foram escolhidos nesta manhã (11/4), para integrar a lista tríplice para a escolha do novo magistrado que integrará a corte. Eles concorrem à vaga do desembargador federal Élcio Pinheiro de Castro, aposentado no ano passado. A eleição aconteceu em sessão plenária administrativa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).  

    A escolha dos integrantes da lista tríplice seguiu o critério de merecimento. A lista é encaminhada à presidenta da República, Dilma Rousseff, que faz a indicação de um nome.

     

    do site do trf4

    Obs: pro sujeito ter chances nao,pode ser progressista, com raras excecões

     

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