Sérgio “Kojiro” Moro x Lula Musashi, por Fábio de Oliveira Ribeiro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Após ser intensamente perseguida, a esposa de Lula adoeceu e morreu. A causa biológica da morte de dona Marisa pode ou não estar relacionada a injusta invasão de sua vida privada pelo MPF e pela Justiça Federal, mas isto agora é irrelevante. É evidente que o confronto entre Sérgio Moro e Lula foi elevado a um novo patamar.

Jornalistas influentes culparam Moro, juiz federal transformado em ator de telenovela (sobre este assunto vide http://ftp.jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/reflexoes-sobre-o-espetaculo-da-lava-jato-por-fabio-de-oliveira-ribeiro), pela morte da esposa de Lula. Por se identificar com o ex-presidente e admirar a esposa dele, a militância petista amplificou esta versão dos fatos. Acredite ou não na veracidade desta acusação, Lula tem agora nas mãos um instrumento político poderoso para mobilizar seus apoiadores dentro e fora do país.

Doravante, o duelo entre ambos tem tudo para deixar de ser jurídico, político e midiático. Lula e Sérgio Moro encarnam não apenas suas respectivas classes e sim as duas porções da alma do Brasil. A primeira é senhorial, retrógrada e apegada à tradicional exclusão social com a predominância dos donos do Estado ao resto da população. A segunda é moderna, inclusiva e luta para expulsar os preconceitos coloniais e escravocratas que dominam o Estado em geral e o Poder Judiciário em particular.

Não estamos mais diante de uma disputa entre dois homens. Estamos diante de uma guerra entre dois países dentro do mesmo território. A vitória de um acarretará a destruição total do outro. Para entender a profundidade e consequencias do duelo entre Sérgio Moro e Lula recorrerei à cultura japonesa. Afinal, como disse Claude-Lévi Strauss:

Pois, assim como a lucidez da cultura japonesa lhe permitiu articular de modo muito lógico temas míticos dos quais ela não tem paternidade exclusiva (a ponto de ser possível ver nisso uma espécie de paradigma da mitologia universal), assim sua literatura antiga pode contribuir para esclarecer problemas sociológicos de alcance geral.” (A outra face da Lua – Escritos sobre o Japão. Claude-Lévi Strauss, Companhia das Letras, São Paulo. 2012, p. 26/27)

O duelo entre Moro e Lula evoca aquele que ocorreu entre Sasaki Kojiro e Musachi, na ilha de Ganryujima. Destaco abaixo alguns fragmentos de dois diálogos que ocorrem no princípio do filme de Hijoshi Inagaki lançado em 1956 e estrelado pelo lendário ator Toshiro Mifume.

Na primeira cena do filme, Sasaki medita sobre seu oponente tendo ao fundo uma maravilhosa cachoeira. Ele saca a katana, mata um pássaro e é interpelado por Akemi:

Akemi – Pobre andorinha.

Sasaki Kojiro – Não é qualquer um que pode fazer isso. Golpe ‘volta da andorinha’. Vou matar Musashi com isto.

Akemi – Porque você precisa lutar com ele?

Sasaki Kojiro – É o meu grande sonho.

Akemi – Ele não tem nada contra você. Porque quer matá-lo? Diga-me? Você é diabólico.

Sasaki Kojiro – Porque se exalta tanto por ele?

Akemi – Por favor. Esqueça-o. Não falarei mais dele. Eu te suplico.

Sasaki Kojiro – Garota convencida! Não estou atrás dele por sua causa. Ele é bom. E meu único rival no país.

Na segunda cena do filme, após um duelo interrompido pelo mestre dos monges Musashi dialoga com o velho sábio:

Mestre dos monges – …Só a força bruta não faz um samurai completo. Ele deve ser forte. Mas ao mesmo tempo deve ser justo.

Musashi – Quero poder lutar sem pesares. Meus encontros passados estão cheios deles.

Mestre dos monges – A peregrinação tem seus pontos. Seu sofrimento vai te polir.

Os dois diálogos acima transcritos revelam as motivações profundas de Sasaki Kojiro e Musashi. O desafiante é autoconfiante, egoísta e quer matar Musashi apenas para ser reconhecido. O desafiado não recusará a luta, mas almeja algo muito maior do que vitória e fama. O confronto mortal entre ambos é, portanto, desnecessário. Afinal, a vitória de Sasaki Kojiro não o tornará mais virtuoso e a derrota de Musashi não pode rebaixar moralmente aquilo que ele persegue.

As motivações de Moro e Lula também são diferentes. O apego do juiz federal à imagem de herói que foi criada para ele pelos inimigos de Lula sugere que Moro não quer fazer justiça. Tanto isto é verdade que, como bem notou o Ministro do STF Marco Aurélio de Mello, Moro foi capaz dedeixar de lado a Lei (que ele tem obrigação funcional de cumprir e fazer cumprir) para poder ferir seu adversário. Lula, por sua vez, não se recusou a combater Moro. Todavia, o líder petista confronta seu adversário apenas exigindo o respeito aos direitos garantidos a todos os seres humanos pela legislação brasileira e pela legislação internacional.

Portanto, o duelo entre Sérgio Moro e Lula já foi decidido. O Sasaki Kojiro da justiça federal nunca conseguirá se tornar mais virtuoso derrotando seu oponente. A derrota do Musashi petista, por outro lado, apenas amplificará o respeito e o amor que ele desperta dentro e fora do Brasil.

Musashi, contudo, não foi derrotado pelo seu oponente. Ao descer do barco na ilha de Ganryujima o lendário espadachim matou Sasaki Kojiro com uma paulada na cabeça. Na versão cinematográfica os dois personagens se enfrentam na praia. Musashi, armado com um porrete, tem sempre os pés na água e as costas voltadas para o sol. Sasaki Kojiro está em terra firme, mas é atrapalhado pela luminosidade solar.

Apesar de trágica, a morte de dona Marisa pode ser usada por Lula como se fosse o sol. Sérgio Moro conseguirá ver de que lado virá a paulada que destruirá sua carreira? Esta meus caros é a verdadeira pergunta neste momento.

 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

14 Comentários

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  1. Luminosidade de estrela

    Fantástica lembrança do filme de Hijoshi Inagaki e paralelo com os tempos atuais em que vive Lula de perseguição e resistência. A luminosidade que derrotará o adversário não será do sol mas de uma estrela. Podem ter certeza.

  2. Pau que dá em Chico não dá em

    Pau que dá em Chico não dá em Francisco mas Chico pode matar a cobra e mostrar o pau, ah pode! Chico é sertanejo, mata só se for pra comer. Hora de antropofagia pessoal, antes que as cobras envenenem tudo.

  3. A violência está na essência do fascismo

    Fábio

    Eu acredito que você diagnosticou com precisão o atual momento histórico quando afirmou:

    ” Não estamos mais diante de uma disputa entre dois homens. Estamos diante de uma guerra entre dois países dentro do mesmo território”.

    Por isso, penso que não deve haver conciliação, pois a vontade dos amarelos fascistas é destruir os que optaram pela Democracia como caminho respeitoso visando a uma nação justa, fraterna, evoluída socialmente.

    É preciso não esquecer que os artistas futuristas, fascistas militantes, usavam a arte para exaltar a guerra e a violência. Veja dois trechos do manifesto futurista de 1909:

    ” Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher”.

    “Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária”.

     

  4. Moro foi derrotado no dia em

    Moro foi derrotado no dia em que fez a opção de proteger corruptos aliando-se a Globo. Apagado os holofotes que a Globo projeta sobre ele e que o protege, das sombras virão os empresários por ele condenado que ainda terão muito dinheiro para a vingança e do lado da democracia a luz do sol que mostrará aos ainda iludidos a verdadeira face do monstro que é Moro.

  5. Seria justo

    Se os oponentes estivessem em pé de igualdade, e a batalha se mantivesse circunscrita aos limites da fronteira.

    Mas não, um deles tem o apoio do Grande Império do Mal. 

  6. notoriedade da globo

    O adversario de Lula no neste filme do Fábio nunca passará de sua notariedade global, alçado como justiceiro popular das “elites” dele se conhece adestruição economica do Brasil, deprezo pelo conceito justiça,de na dúvida “a presunção da inocência”, perseguição aos adverários políticos e proteção descabida a correligionários de sua preferência, também como favorecimento a delatores que o façam parecer importante. Nunca um valor moral nem autor de uma obra de respeito , inventor da prisão provisória perpétua.

  7. Não resta dúvida de que Moro

    Não resta dúvida de que Moro sairá derrotado, independente do resultado desse combate. È só lembrar de Joaquim Barbosa, que fêz o jogo sujo dos golpistas e depois se recolheu às sombras.  Lula sairá vitorioso, pois o combate se resume a uma perseguição medieval. A história de Lula é maior do que o resultado dessa perseguição. A grande questão é saber que Brasil sairá desse caos engendrado pelo oligopólio golpista. O humanismo será derrotado de vez ou terá condições de se reerguer ?  Acredito que o pior desfecho é uma conciliação, a pior de todas as derrotas.  

  8. Fabuloso
    A milenar cultura oriental deveria inspirar mais nosso povo, infelizmente, ainda guiado por uma mídia ocidentalista, pouco afeita a valores além do vil metal.
    Somos vítimas de um processo histórico forjado diariamente a golpes de diversas formas e de idênticos conteúdos.

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