TCU investiga licitação milionária da Secom denunciada pelo GGN, mas governo manobra

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Denúncia do GGN provocou demissão de funcionários do governo, mas rapidez da Secom conseguiu manter licitação

A licitação para uma agência de publicidade do governo de Jair Bolsonaro no ano eleitoral, na ordem de R$ 450 milhões, suspeita de direcionamento e com irregularidades denunciadas pelo Jornal GGN, chegou à alçada do Tribunal de Contas da União (TCU).

Mas a Secretaria Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações (Secom/MCOM) do governo atuou mais rápido, conseguindo desviar-se da fiscalização do Tribunal de Contas, garantindo a vitória à agência Calia/Y2 Propaganda e Marketing Ltda, sem o Tribunal conseguir impedir a contratação milionária.

Exclusivo: Licitação de R$ 450 mi para Comunicação do governo Bolsonaro é suspeita de direcionamento

A denúncia

O caso foi denunciado pelo GGN em março deste ano. Uma das primeiras irregularidades reveladas pela reportagem foi o vínculo familiar entre a então diretora da agência publicitária, Alessandra Matschinski, casada com o então Subsecretário de Gestão e Normas da Secom, Peter Erik Kummer, setor que é responsável pelos editais de licitação.

A denúncia do GGN provocou a demissão de Peter Erik Kummer da Secretaria do Ministério (relembre aqui), a demissão de seu braço direito, Gustavo de Assis Calsing, então coordenador-geral de Administração de Contratos dentro da Secretaria (leia aqui), e o afastamento de Alessandra do cargo na agência.

Todas essas demissões ocorreram antes mesmo de o caso chegar à alçada do Tribunal de Contas da União, órgão de Justiça responsável pelas investigações de contratações e licitações da administração pública.

Ao apurar o caso, o GGN constatou, também, a suspeita de direcionamento da licitação, levantada pelas outras agências de publicidade que concorriam. A reportagem serviu como base para o TCU iniciar uma apuração, no início de junho, sob a relatoria do ministro Weder de Oliveira.

Caso chega ao TCU

Mesmo com o início das apurações, que tramita em segredo de Justiça sob o número 007.225/2022-9 (acesse aqui), no dia 22 de junho, o ministro comunicou seus pares que a Advocacia-Geral da União (AGU) havia convocado uma reunião de emergência, em nome da Secom, informando que o contrato com a agência já havia sido fechado no dia 25 de maio, tornando a investigação inválida.

Em comunicação aos demais ministros, Weder de Oliveira criticou que a Secom “omitiu-se por quase um mês em dar essa informação ao Tribunal”, indicando que, com isso, a pasta manobrou para que a licitação fosse concluída sem a fiscalização do TCU.

A manobra do governo

Isso porque quando decidiu iniciar as investigações, cerca de um mês após a Secom finalizar o processo licitatório, o Tribunal havia determinado a suspensão do contrato com a agência. Como a contratação já tinha sido feita, o objeto da investigação perdeu validade.

“A conduta observada foi oposta à esperada por esta Corte, de prudência e colaboração: o procedimento licitatório foi encerrado rapidamente, (…) omitindo-se o órgão de prestar a este Tribunal essa informação de suma importância, sem qualquer justificativa, tanto para a omissão, quanto para a homologação célere”, disse Oliveira.

“Não é a primeira vez”

O ministro afirmou, ainda, que a estratégia do governo de concluir, rapidamente, contratações que poderiam ser investigadas ou suspensas, já tinha sido usada em outros momentos.

“Tal conduta reprovável não é usual, mas não é a primeira vez que ocorre. Em outras oportunidades, outros relatores já reportaram situações análogas: diante de representação ou denúncia em que se pede a esta Corte a prolação de medida cautelar que suspenda processo licitatório ou determine a abstenção de prática de certos atos, este Tribunal, prudentemente, opta por promover oitiva prévia, mas o órgão governamental, valendo-se do fato de que não lhe foi determinado expressamente abster-se de dar seguimento ao processo, aproveita-se, injustificadamente, do período de oitiva prévia para concluir o procedimento sobre o qual paira alegação de ilegalidade ou praticar o ato que poderia vir a não poder praticar, em razão de medida cautelar, buscando, antecipadamente, bloquear, pelo fato consumado, a ação preventiva desta Corte.”

Diante da manobra do Ministério das Comunicações, a investigação prévia do contrato foi automaticamente anulada e o governo conseguiu dar seguimento à contratação milionária.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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