O Brasil que nós perdemos com a vitória de Lula, por Sebastião Nunes

Ufa! Quem diria, né?, que fosse tão difícil, que seria preciso lutar contra tanto destempero. Agora é tempo de baixar as armas e pacificar os ânimos.

O Brasil que nós perdemos com a vitória de Lula

por Sebastião Nunes

            Quando eu era pequeno, lembro que meu pai, uma vez por ano, em dezembro, fechava a pequena loja de tecidos durante três ou quatro dias. Era o famoso balanço anual, em que toda a família (pai, mãe e três filhos maiores) se engajava. As três portas da frente permaneciam trancadas, enquanto a do meio ostentava uma placa com os dizeres:

FECHADO PARA BALANÇO

            Quando a loja reabria, recalculados, contados e medidos os haveres, descartados retalhos inservíveis, esqueletos de ratos mortos, pés de botina desirmanados, desfeitas as teias de aranha, jogados no lixo retroses de linha meio roídos e agulhas enferrujadas, meu pai exibia com satisfação as prateleiras ordenadas segundo novas regras, prontas para atender às escassas necessidades dos tímidos fregueses de povoados próximos.  

            Da mesma forma, o Brasil fechou para balanço. Não um balanço chinfrim que nem o da loja de Seo Levi, mas um balanço de proporções continentais. Digamos, um bilhão de vezes maior e mais importante.

            Infelizmente, como em todo balanço, haverá perdas e ganhos.

            Os ganhos serão incomensuráveis, principalmente se pensados numa escala de quatro anos no tempo e dimensões continentais no espaço. De “pária internacional”, como o próprio desgoverno retirante se autodenominou, a protagonista mundial. Para que falar, agora, dos ganhos internos, se apenas podem ser sonhados por enquanto? Fiquemos, pois, e já saudosos, num pequeno balanço das perdas.

NA FILA DA FRENTE, OS PALHAÇOS

            Padre Kelmon, boa viagem!

            Será preciso que um poeta menor, porém disposto à galhofa, recrie, para aqueles que virão depois de nós, esse cometa (pela rapidez do surgimento e velocidade do sumiço) de olhos bovinos e inteligência aparentemente idem, estranha e robusta figura de pseudo-sacerdote, saído ninguém sabe de onde e destinado a não se sabe o quê.

            Véio da Havan, boa viagem!

            Este é mais duradouro, sem dúvida. Afinal, fundou – sabe lá Deus como! – mais de trocentos varejos verde-amarelos por este país afora. Verde-amarelo ele mesmo, não se furtou de se exibir milhares de vezes que nem uma arara careca e de carão vermelho, semelhando mais a um camelô de quinquilharias do passado do que a um empresário de sucesso de nossos tempos quase-nazi-fascistas.

            Nelson Fittipaldi, boa viagem!

            Corredor de fórmula 1 antigamente, dedica-se atualmente, com a mesma gana, a fugir de cobradores, atazanado por dívidas acumuladas em seus anos de valia. Chegou, num sonho inviável de extremista incontornável da direita, a postular cargo de senador na Itália, terra de ancestrais. Perdeu, é lógico. Só não perdeu o narigão de Pinóquio e a pose. Quanto a seu parça Nelson Piquet, outros dos ricos que se aventuraram a bordo de carrões movidos a dólares, anda perdidão e sugerindo atentados, depois que seu ídolo perdeu as eleições.

OS DESTRAMBELHADOS

            Bob Jefferson, boa viagem!

            Caçador de confusão, esmerou-se em desconstruir a imagem do chefe, por meio de armas adquiridas não se sabe onde e armazenadas na própria casa para hipotética, impossível e deplorável batalha civil em defesa do linguajar nazifascista de fuzis e granadas tupiniquim.

            Carla Zambelli, boa viagem!

            De revólver em punho, também se destacou na desconstrução do chefe, atraindo raios e trovoadas para a campanha do jair-foi-se.

            Allan dos Santos, boa viagem!

            Lá dos istates, comandou formidável milícia digital para torpedear a campanha do presidente Lula, mas não resultou, como dizem os portugueses. Ficará por lá até criar raízes fortes e fundas ou até que o tempo o enterre nas areias do esquecimento? A ver.

OS IMUNIZADOS À BRASILEIRA

            Fosse este um país sério (a Argentina zomba de nossa covardia institucional), nem imagino quantos criminosos estariam sujeitos a prisão, julgamento e condenação por N crimes contra todos os direitos.

            Haveria cadeia para todos? Não sei. Uma ideia seria liberar os zé-ninguéns que, por crimes nenhuns, continuam vislumbrando, ano após ano, o Sol nascer quadrado. Com paredes e grades reforçadas, poderiam os imunizados ocupar essas vagas.

            Vítimas desses imunes? Dezenas, a começar por Marielle Franco, morta por um fantoche manipulado não se sabe por quem nem por quanto. O nome oculto do cérebro mandão, quando revelado, levantará a ponta do tapete mais sujo de nossa história.

            A nova era Lula mal começou. Paciência e caldo de galinha, pois.

Sebastião Nunes é um escritor, editor, artista gráfico e poeta brasileiro.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Sebastiao Nunes

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