Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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O gato Rambo e o amigo eletrônico (II), por Izaías Almada

Contudo, a vida não é feita só de bons momentos ou preenchida só com os tempos da nossa alegria.

O gato Rambo e o amigo eletrônico (II)

Conto de Izaías Almada

          Três vezes por semana Marcelo ia com Maneco buscar a irmã nas aulas de balé. Às sextas-feiras exercia o seu direito de sócio nº 904 de um dos clubes de vídeo do bairro. Fitas mais escolhidas: Mário Brothers e Tetris. Contudo, a vida não é feita só de bons momentos ou preenchida só com os tempos da nossa alegria. Equilibra-se com as dificuldades, com os momentos de aborrecimento e de tristeza. É assim, e não há nada a fazer… Como dizia o avô Edgar, pai do pai de Marcelo: não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe…

          Vencidos os dois primeiros anos na casa da granja, Marcelo começou ouvir conversas sobre a possibilidade de mudanças para os Estados Unidos. O pai de Marcelo era diretor de Recursos Humanos numa dessas empresas americanas e estava sendo mandado por um período de três anos para junto da matriz, mais exatamente para New Haven, no estado do Connecticut. Três anos era o período previsto. E para quando seria? Para já? Para o ano?

A expectativa deixou Marcelo ansioso. E os gatos? E Maneco? Seus brinquedos de estimação, os colegas da escola? Ia ser uma grande maçada… Chegou a ter febres e tosses alérgicas. Soube, então, que o pai viajaria três meses antes e que ele e a irmã terminariam em calma o ano escolar e só depois, em companhia da mãe, iriam encontrar-se todos já na nova morada. A mudança, portanto, se daria aí pelo natal. Não conseguiu deixar a ansiedade de lado, tendo quase perdido o ano escolar. Sentiria saudades do Rambo e do Maneco. Mais: e se não gostassem dele na América dos ETs, dos Dinossauros e das Tartarugas Ninjas? Se não conseguisse aprender o inglês? Como é que iria se comunicar? Com toda certeza iriam tirar-lhe o sarro na escola… Teria que enfrentar todo tipo de gozações e, quem sabe até brigar. Logo ele, que detestava violências! Essa não… Contar com a irmã, então, nem pensar! Era uma tremenda de uma egoísta. Só sabia cuidar das coisas dela! Se pelo menos o Maneco pudesse ir junto, ou mesmo o Rambo!…

          Surgiu, então, a ideia salvadora. Ele – Marcelo – não se deixaria pegar de surpresa. Se tivesse que ir com a família para outro país, a mudança não seria um salto no escuro, um sofrimento. Sua mãe tinha estudado em Connecticut, conhecia bem a região para onde deveriam se mudar. Ele mesmo já passara férias de natal com uma família americana amiga da sua mãe. Nada de pânico, pois. Tinha que se mostrar uma pessoa de coragem. Buscou o atlas escolar e foi estudar nos mapas políticos e geográficos dos Estados Unidos da América a região que lhe interessava..

Com a desculpa de que queria saber sobre o lugar para onde iriam viver, pediu à mãe que lhe desse o maior número possível de informações a respeito: população, clima, religião, meios de transporte, comércio, esportes, lazer, história, tudo enfim que pudesse ser juntado no seu virtual game. E começou a trabalhar. Desta vez, em segredo absoluto. Ao mesmo tempo, aproveitava para ter conversas com o Maneco e com o Rambo, prometendo a um e outro que não os esqueceria, pois continuariam sendo os seus melhores amigos.

          Alguns dos leitores, no entanto, terão se lembrado de perguntar: mas o que é isso do virtual game? Tratou-se, no caso, de uma descoberta, mais uma invenção do nosso pequeno herói, uma dessas brincadeiras que se iniciam ingenuamente a partir de um noticiário de televisão em dia de chuva e que depois, consoante a imaginação, o bom humor e a perseverança do inventor, pode trazer benefícios incomensuráveis… E grandes divertimentos e aventuras. No caso de Marcelo, tudo começou quando esteve impedido pelo pai de brincar com o seu Game Boy, lembram-se? Chateado, usava a imaginação para substituir o aliciante joguinho. Criava histórias, anotava-as no caderno escolar e depois mostrava para a mãe e a irmã, que normalmente não lhe davam a devida atenção. Curiosamente, o pai é que lhe incentivava a imaginação.

          Nesse período, estava um dia Marcelo a assistir um desses jornais de televisão, quando o repórter destacou a notícia sobre “realidade virtual”, uma descoberta da ciência eletrônica que, segundo Marcelo pôde entender, permitia que as pessoas pudessem viver determinadas experiências e aventuras, através de um jogo, como se vivessem a própria realidade. Lembrou-se de um filme que o pai gostava, Total Recall, que a irmã tivera que assistir para um trabalho de filosofia na escola e logo se encantou com a possibilidade de se transportar apenas em imaginação para a região onde deveria viver os seus próximos três anos. No filme, o herói, tinha desejos de ir a Marte, o que consegue a partir do momento que contata uma agência de turismo especializada em viagens interplanetárias e que inclui no seu cardápio de promoções, “uma inesquecível viagem a Marte”.

          Da mesma maneira, Marcelo resolveu conhecer melhor o lugar para onde iria viver os próximos três anos da sua vida. Achou prudente não ir sozinho, pois com apenas onze anos e meio talvez precisasse da ajuda de um amigo. Convocou Mac Thor, o seu amigo eletrônico. Com ele, seria possível enfrentar qualquer tipo de problema e até mesmo, quem sabe, criar novas amizades com alguma facilidade.

          (CONTINUA)

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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