Paulo Lins e seus escritos que desnudam a injustiça e violência no Brasil

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Vânia

Do DW Brasil

Paulo Lins: “O Brasil é um país em guerra”

Escritor do aclamado “Cidade de Deus” defende discurso do colega Luiz Ruffato em Frankfurt, diz que declaração sua sobre racismo foi mal interpretada por jornal alemão e critica a homofobia na sociedade brasileira.

Paulo Lins ganhou reconhecimento internacional com seu romance “Cidade de Deus”

Não foi só Paulo Lins que ganhou o mundo. O escritor levou junto com ele uma parte muito importante de sua história, o violento bairro onde cresceu no subúrbio carioca. Seu primeiro romance, Cidade de Deus, lançado em 1997, foi um sucesso literário internacional graças à bem-sucedida adaptação cinematográfica do cineasta Fernando Meireles.

O sucesso do livro levou Lins por outros caminhos, mas sempre seguindo sua paixão: a escrita. Desde o lançamento de Cidade de Deus, ele escreveu diversos roteiros para o cinema e a televisão, onde também atuou como diretor. Um caminho trilhado desde a infância, quando escrever era o maior prazer do menino que observava a violência, o tráfico e os intensos conflitos sociais da periferia.

Lançado recentemente na Alemanha, seu mais recente livro, Desde que o samba é samba, procura resgatar momentos da formação cultural brasileira através do samba e da umbanda. Com um enredo que mistura ação, aventura, sexo, violência e amor, o autor conta uma história ficcional com personagens reais, envolvidos na fundação do primeiro bloco de Carnaval da escola de samba Deixa Falar.

Depois do lançamento do livro em Frankfurt, ele partiu em uma série de leituras por algumas das mais importantes cidades alemãs. Em entrevista à DW Brasil, Lins falou sobre racismo, violência, política e sua paixão pelo samba e pela umbanda.

DW Brasil: Como surgiu a ideia para o seu mais recente livro, “Desde que o samba é samba”?

Autor cresceu em Cidade de Deus, no subúrbio carioca

Paulo Lins: Queria escrever sobre como o negro se inseriu na sociedade brasileira. Depois de 400 anos de escravidão, deveria ter sido por meio do mercado de trabalho, mas isso não aconteceu. Essa inserção se deu através da cultura, mais especificamente do samba e da umbanda. No entanto, a cultura negra só ganhou força quando começou a ser organizada em um grande centro urbano, no caso o Rio de Janeiro.

Foi um longo processo de pesquisa?

Meu trabalho de ficção sempre parte de um extenso trabalho de pesquisa. Foram cinco anos de pesquisa e mais cinco para escrever o livro. Eu pesquisei sobre o samba e a umbanda e contratei duas historiadoras para fazerem a pesquisa sobre a época e sua situação política. Parti desses dados históricos para construir uma história de ficção cheia de ação e aventura, mas sobretudo esse é um livro de amor. Não só entre os personagens, mas amor ao samba e à umbanda. Acredito que esse é um romance que vai mostrar um Brasil que muito pouca gente conhece.

Você tem uma relação forte com o samba?

Minha primeira relação com a arte foi fazendo samba, aprendendo a tocar, a sambar e, sobretudo, a escrever. Eu sempre escrevi. Comecei corrigindo letras de samba-enredo para os sambistas e acabei fazendo os meus próprios sambas. “Estou” escritor, mas sou sambista de coração.

Qual a importância do samba e da umbanda na emancipação do negro no Brasil?

Em toda a periferia carioca, os sambistas e as mães de santo eram líderes de suas comunidades, Eles eram muito respeitados. Quando os negros começaram a votar, os políticos tiveram que negociar votos com esses líderes culturais e religiosos. A cultura se tornou poder político.

Como você vê a situação dos negros no Brasil hoje?

Já existe uma maior inserção na sociedade, mas ainda há muitas dificuldades e racismo. A polícia ainda mata muitos negros, principalmente jovens. O Brasil é um país em guerra. Morre muito mais gente no Brasil do que no Oriente Médio, na briga entre muçulmanos e judeus.

Edição alemã de “Desde que o samba é samba”

Você acredita que houve discriminação na seleção dos autores para a Feira do Livro de Frankfurt?

Eu dei uma entrevista no Brasil para um jornal alemão e disse que havia racismo no Brasil, mas eu não estava me referindo à seleção. Queria dizer que os negros não estão em posições de destaque, mas em classe classes sociais inferiores. Essa lista é o resultado disso. A maioria dos escritores no Brasil são brancos, como a maioria dos médicos, empresários e políticos. Existem grandes escritores negros no Brasil, mas a seleção foi um reflexo do nosso mercado literário.

O que você achou do polêmico discurso do Luiz Ruffato na abertura da feira?

Eu defendi o Rufatto. Ele abriu e eu encerrei a feira, fazendo do discurso dele minhas palavras. A verdade tem que ser dita para podermos mudar. O Brasil é um país com tantas injustiças sociais e violência. Isso precisa ser dito e discutido.

Quando “Desde que o samba é samba” foi lançado no Brasil, você também recebeu críticas por divulgar que Ismael Silva era homossexual.

Acho bom o Brasil saber que o pai do samba era homossexual. O Brasil é um país homofóbico, que não aceita os homossexuais. Essa informação não era importante para a história do samba, mas fiz questão de colocar em prol da liberdade sexual, para que as pessoas não sejam assassinadas pela sua sexualidade. Mostrar que o pai do samba era homossexual foi uma atitude política.

Como está sendo seu giro pela Alemanha?

Fui muito bem recebido pelos organizadores, público e imprensa, não só em Frankfurt, mas também em Hamburgo e Colônia. Essa é minha terceira visita ao país. Os alemães gostam muito dos brasileiros. Sinto-me muito querido aqui. Amo Berlim. Acho que a cidade é o futuro da Europa. Estou muito feliz por estar aqui.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

14 Comentários

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  1. Queria entender pq Salvador

    Queria entender pq Salvador elegeu ACM, que é contra as políticas de inclusão dos negros, inclusive entrou no STF contra as quotas. 

    1. Debate sobre políticas de inclusão social

      Duas coisas:

      1- Muito bom a presença dos nossos escritores no debate nacional, até mesmo pq eles sempre foram ausentes da internet, que isso resulte numa estadia definiitva dos nossos profissionais da literatura nas redes sociais, basta ver  o quanto eles(escritores) são ausentes, o que denota a falta de democratização do setor, cujo acesso é para poucos

      2- Quanto a questão racial, acabou de sair uma estatística que indica que a maioria de presos ou assassinados são negros, isso decorre da nossa situação de desigualdade social com a exclusão da etnia negra, que se estende por séculos, daí a necessidade de politicas afirmativas para essa parcela da população

      [video:http://www.youtube.com/watch?v=QvCIFHojFrc%5D

    2. Porque o ninguém aguentava

      Porque o ninguém aguentava mais o (des)governo do PT em Salvador. O mesmo vai acontecer com o PT no ambito estadual, ou seja, vai ser trocado pelas velhas oligarquias. O indice de violência na Bahia explodio nesses 7 anos de goverdo petista.

    3. por incompetência

      por incompetência de Jaques Wagner e do PT Soteropolitano que escolheram um candidato sem chance de vitória , o Nelson Pelegrino..7 anos de PT no Governo Estadual  e 11 anos no Governo Federal não conseguiram sequer nos devolver o nome de  nosso Aeroporto 2 deJulho e ainda por cima ressucitaram o carlismo..haja…

  2. Ismael Silva
    Dizer que Ismael silva era homossexual como forma de afirmação política e não ter como provar o que diz é o cerne da questão!
    Por isso que as palavras e a interpretação de Chico Buarque a respeito das biografias devem ser levadas em consideração…

    1. Homossexualidade é crime?

      Implacável, acho que v. foi meio infeliz na sua formulação. Do jeito que v. diz — chamar o cara de homossexual e não ter como provar –, fica parecendo que ser homossexual é um crime, cuja prova, aí sim, cabe a quem acusa, ou na menos pior das hipóteses uma condição pejorativa. Dizer que o Ismael era homossexual, o que aliás não é nenhuma novidade para quem o conheceu, é difamá-lo? Por quê?

      De minha parte, podem me tratar do que quiserem, menos talvez — talvez — de santo, porque sou um convicto pecador orgulhosíssimo da minha condição sacrílega.

      1. homossexual, não homossexual? é só isso?

        Ai gente! que doideira esses comentários! Não há nada de discriminação na fala do Paulo Lins, ao contrário, o cara está usando uma referência positiva, um artista popular importante, para mostrar que a  orientação sexual não é um defeito, um impeditivo de talento, de sabedoria, de dignidade, e tudo mais que constitui as possibilidades de qualquer ser human@!!!!    Estou entendendo que quem esta criminalizando o homosexualismo é vc que diz : ‘ chamar o cara de homossexual e não ter como provar” .  Não enti isso!  As questões mais importantes que o escritor mencionou parece que passou despercebido…

        SMS

         

      2. Psé…

        Não é exatamente assim. Embora orientação sexual devesse ser algo neutro no senso comum, ainda não é. Isso ainda está evoluindo no inconsciente coletivo, como exemplo o caso Raí.

        Mas o chauvinismo nacionalista brasileiro, de direita ou de esquerda, tem uma dificuldade imensa para lidar com a naturalidade da homossexualidade, isso sim.

         

  3. Atitude política?

    Por que ele afirma que Ismael era homossexual? Como ele sabe? Quem foi que disse?

    Tem que dizer, ora, ora!

    Não vejo nenhuma “atitude política” em falar assim desse jeito. Pelo contrário. Pra um escritor, ou falou demais ou falou de menos.

  4. mais um

    é mais um que vai lá pra fora e esculhamba tudo que há por aqui, infelizmente é da turma que olha para a parte vazia do copo..quando vai cair a ficha desse tipo de carioca que o Rio de Janeiro por mais bonito que seja não representa o Brasil como um todo?  

    1. Há exclusão

      Não podemos tapar sol com peneira. Apesar dos avanços, os negros são ainda são excluidos num país em que a mídia não é democrática, o acesso e o exercício da literatura também não o é.

       

  5. LIVROS – 19/04/2012 
    O garoto

    LIVROS – 19/04/2012 

    O garoto problema da ficção, na Época

    Por que Paulo Lins levou 15 anos para lançar seu segundo romance, apesar do sucesso do primeiro, “Cidade de Deus”

    LUÍS ANTÔNIO GIRONin

      IN LOCO O escritor Paulo Lins no bairro carioca do Estácio, cenário de seu livro. Ele percorreu a região para narrar como surgiu o samba moderno (Foto: Carolina Vianna/ÉPOCA )IN LOCO 
    O escritor Paulo Lins no bairro carioca do Estácio, cenário de seu livro. Ele percorreu a região para narrar como surgiu o samba moderno
    (Foto: Carolina Vianna/ÉPOCA )

     A ficção brasileira atual se caracteriza pela alta produtividade de autores. Eles são fascinados pela violência pop e autocomplacentes com o próprio texto, escrito às pressas. Nesse canteiro de obras, ou de letras, juntam-se o romance urbano jovem e a literatura hip-hop da periferia. Ao lado dos escritores da moda, mantém-se a linhagem dos autores acadêmicos, zeladores do idioma. O carioca Paulo Lins parece não pertencer a nenhuma das searas. Seus temas são as comunidades excluídas, fato que o aproxima do primeiro grupo. Mas seu estilo segue os preceitos da correção do estilo. Lins oscila entre as duas correntes, e não se sente incluído em nenhuma delas. Escreve com cuidado e se diz seguidor de Guimarães Rosa.

    “Lins abriu o caminho para a literatura dos excluídos e da violência, mas escreve dentro dos preceitos clássicos”, diz a teórica literária Heloísa Buarque de Hollanda. “Não é militante, não mora em comunidades carentes como fazem os literatos marginais. Parece um Graciliano Ramos de hoje. Tem estilo moderno e consciência social, mas é, no fundo, um intelectual clássico.”

    “Sou um escritor social”, diz ele. “Abordo só temas que vivenciei de perto.” Aos 53 anos, ele é um acadêmico respeitado. Formado em letras pela UFRJ, deu cursos de cultura brasileira na Universidade Stanford, na Califórnia, e trabalha como roteirista. É casado e pai de três filhos. Nasceu no Estácio e cresceu na comunidade pobre de Cidade de Deus. Dos bairros do Rio de Janeiro, extrai material para sua ficção.

    Além de adotar um estilo supostamente fora de moda, o romance social, ele escreve mais devagar que seus colegas. E é dado a bloqueios criativos. Após 15 anos da publicação do primeiro romance, o megassucesso Cidade de Deus, de 1997, acaba de lançar o segundo, Desde que o samba é samba (Planeta, 336 páginas, R$ 39,90), planejado antes mesmo de Cidade de Deus. “O sucesso é medonho”, afirma. “Duvidei de mim mesmo. Não tive só bloqueio criativo. Tive bloqueio até de leitura.”

    Por essas razões, além da inveja que desperta, Lins é chamado por alguns críticos de garoto problema da ficção nacional. Ele se revelou incapaz de se promover e de produzir o volume de obras esperado de um escritor que se preze. O desconforto maior nos círculos literários é que, apesar da discrição e dos dilemas criativos, lançou o romance brasileiro mais marcante da virada do século, Cidade de Deus. Quando foi lançada, a obra desagradou a boa parte dos habitantes da comunidade que retrata, por detalhar a violência e o tráfico de drogas. Mas logo se tornou mundialmente conhecida com a adaptação para o cinema de Fernando Meirelles, sucesso de bilheteria de 2002. Foi traduzida para 19 idiomas e, em 15 anos, vendeu 110 mil exemplares no Brasil. “Cidade de Deus é uma obra fundamental na literatura brasileira”, diz Heloísa Buarque de Hollanda. “Foi o romance que abriu um nicho editorial, o primeiro a descortinar a visão de mundo de uma classe pobre que viria a ascender socialmente nos dias de hoje.” Segundo a crítica Bianca Ramoneda, Lins é um dos mais proeminentes ficcionistas brasileiros, ao lado de Milton Hatoum. “Ele é capaz de ir a lugares aonde ninguém vai”, diz. “Com sua lente enviesada, transporta o leitor para dentro do mundo da miséria, que não conseguimos enxergar.”

    Personagens quase irreais (Foto: AE, arquivo/Cedoc e reprodução (2))(Fotos: AE, arquivo/Cedoc e reprodução (2))

    Lins passou os últimos sete anos embrenhado no cenário de seu romance histórico. Desde que o samba é samba gira em torno da origem do samba urbano e da umbanda, eventos que ocorreram no bairro Estácio, vizinho ao Morro de São Carlos, nos anos 1920. Consultou livros, vasculhou cartórios e delegacias de polícia e conversou com os moradores. Há três anos, encontrou a chave para o enredo ao subir o morro para se encontrar com uma ex-prostituta, Maria Aparecida, de 89 anos. Ela tinha muito para contar sobre uma lenda do bairro: Sílvio Fernandes, o Brancura. “Ela revelou detalhes da vida daquele tempo que escaparam aos historiadores”, diz Lins. Maria (que morreu pouco depois) afirmou que fora explorada por Brancura nos anos 1930. Explicou detalhes do negócio. Brancura chegou a ter mais de 50 prostitutas a seu serviço. Como outros proxenetas, desvirginava suas meninas e se esforçava para obter um desempenho perfeito na cama, para assim dominá-las. “Ele era o típico malandro”, afirma Lins. “Tinha de ser o melhor até com as mulheres que explorava.” Surgia o anti-herói do romance. Brancura seria um tipo banal na galeria dos malandros, não fosse ele o pioneiro do samba moderno, ao lado de outros músicos que ficaram conhecidos como “os bambas do Estácio” – Ismael Silva, Nilton Bastos, Bide e Baiaco, fundadores da primeira escola de samba, a Deixa Falar, em 1928. Os personagens formam um cordão de derrotados que conta a história da cultura popular do Brasil, ancorada na escravidão. “Até hoje essa gente do Estácio é excluída”, diz Lins.

    No livro, narrado em terceira pessoa, Brancura se apaixona pela prostituta Valdirene. Ela se envolve com outros homens. Os dois protagonizam cenas de ciúmes, sexo e acessos de fé. Em torno deles circulam personagens reais cujas histórias Lins completa com fantasia(leia o quadro acima). Ismael Silva é descrito como o homossexual assumido que leva o amigo Mário de Andrade a prostíbulos para encontrar marinheiros musculosos. Os nomes deles estão disfarçados para evitar processos. Mantendo um estilo discreto, Lins se diz preparado para receber ataques dos campeões da moral dos personagens históricos, como Mário e Ismael.

    “Hoje, existe censura, só que ninguém fala nela”, afirma. “É difícil escrever qualquer coisa, verdade ou ficção. Há um preconceito velado em relação a vultos pátrios que eram gays, como Mário ou Ismael. Afinal, temos ou não temos preconceito? Será que acreditamos mesmo na diversidade sexual?”

    Desde que o samba é samba apresenta a crônica da malandragem que tentou vencer a miséria e o crime por meio do sincretismo religioso e da música. Paulo Lins demonstra que o samba, patrimônio da cultura brasileira, surgiu num caldo de sangue e sêmen. “Destravei após tantos anos lidando com um livro difícil”, diz. Nos últimos meses, escreveu o roteiro da série Subúrbio, com Luiz Fernando Carvalho, prevista para estrear em janeiro na TV Globo. Quando concluiu o trabalho, decidiu: “Vou converter o roteiro em meu novo romance”.

     

    saiba maisLeia um capítulo do romance de Paulo Lins 

     

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