Ponto de partida: Spectroms, por Gustavo Gollo

Por Gustavo Gollo

No romance inaugural do gênero cyberpunk, William Gibson imaginou a possibilidade de se capturar a alma de uma pessoa em uma memória ROM, inventando um fantasma cibernético, ou spectrom. A idealização, em princípio, seria bastante simples, bastando refazer em um computador, uma máquina universal, todo o conjunto de conexões que compõem uma mente.

O delírio cyberpunk tem ganhado credibilidade com o empurrãozinho de uns bilhões de dinheiros. (Acho bem cômico considerar que tal informação propicie enorme credibilidade à ideia, tornando quase desnecessária qualquer argumentação adicional. Pensa-se: ninguém empregaria bilhões de dinheiros em uma ideia que pudesse estar errada! O raciocínio é equivocado. O cara que aposta 1 bilhão de dinheiros em uma ideia, o faz porque acredita que poderá retirar 2 bilhões da aposta).

De qualquer modo, o download das mentes está sendo realizado da seguinte maneira: mapeiam-se todas as conexões cerebrais através de técnicas não invasivas de ressonância magnética. A esse conjunto de conexões, deu-se, espertamente, o nome “conectoma”, em analogia a “genoma”, nome de algo extremamente lucrativo. Tendo mapeado esse imenso conjunto, reproduz-se, todo ele, em um computador. Supondo que a mente humana consista nesse conjunto de conexões, e que ela possa ser reproduzida no computador, conseguir-se-ia, em princípio, transpô-la para uma máquina. Em tal caso, as dificuldades técnicas mais limitantes seriam de ordem quantitativa, dado o vasto número de conexões presentes em um cérebro. (Suspeito que nossas mentes correspondam a fitas lidas por múltiplos ponteiro).

Ao que parece, algum sucesso já foi obtido na transposição de mentes mais simples, como as de ratos, sendo possível fazer um computador discernir, a partir da análise de padrões cerebrais, se um rato está vendo um padrão de listas horizontais, por exemplo, ou verticais, ou outros. Ou seja, já se pode interpretar a visão de um rato, analisando-se os eventos que acontecem em seu cérebro. Também já é possível capturar a resposta de um macaco a um dado estímulo visual, e transferir esse comportamento a um computador, permitindo que o computador atue do mesmo modo que o macaco, em resposta aos mesmos estímulos. Transferido para a esfera humana, isso permitiria, por exemplo, assimilar o conjunto de sinais que definem o estilo de um jogador de tênis, implantá-lo em um robô com capacidade de movimentação adequada, e vê-lo jogar com o estilo copiado do jogador. Ao que parece, os primeiros passos na direção do download de mentes já foram dados, restando, talvez, apenas mais do mesmo, embora em imensa quantidade. Estamos vivendo os momentos mais transformadores e vibrantes de toda a história, e, ao que tudo indica, essa possibilidade, em breve, se somará a muitas outras igualmente surpreendentes.

        

Céu, inferno, universo cyberpunk, e saladas gerais

Os conectomas estão sendo copiados e em uns 50 anos tudo isso deve ser real. Otimistas esperam que isso ocorra em 30, pessimistas em 100, mas a pergunta mais realista é mesmo: quando?

E o que acontecerá, então?

Quando a possibilidade tiver sido realizada, nos acostumaremos bem rapidamente com ela, passando a interagir com tais fantasmas. Faremos spectroms de pessoas queridas, assim como fazemos fotos e vídeos. A possibilidade, no entanto, descortina certas estranhezas. Entre elas, as sugestões de identidade e imortalidade.

Tendemos a achar que uma cópia de nossa mente, implantada em um computador, será apenas isso uma representação, como um vídeo. No entanto, se a mente tiver sido, de fato, copiada perfeitamente, ela se comportará, exatamente, como nos comportaríamos caso confinados àquele mundo.

Duas cópias de nós interagirão como imagens no espelho, até que as vivências subsequentes à duplicação tenham imposto diferenças entre elas. A interação entre duas pessoas idênticas será bem chata, será como falar com a imagem no espelho.

Se implantada em um robô, a mente ganharia um corpo, podendo receber todas as sensações associadas a ele. A concepção de morte, para um fantasma em uma concha, seria profundamente alterada. O transplante da alma, de um meio para outro, teria importância equivalente à de uma noite de sono. “Morrer” passaria a significar nunca mais vir a ser conectado, o que não parece muito assustador. A duplicação de uma alma, a possibilidade de implantação simultânea de uma alma em vários corpos levantaria questões sobre existências múltiplas.

Não sei se por medo do inferno, mas muitas pessoas parecem ter obsessão pela imortalidade, considerando essa uma meta inquestionável, e extremamente desejável. Raramente vivemos por 100 anos, um átimo frente a eternidade. Mesmo assim, creio que todos os que vivem tanto, passam a sonhar com o passado, alienando-se de um presente que já não mais lhes interessa, preferindo ouvir as músicas de sua juventude, assistir aos mesmos filmes que viu nessa época e, de resto viver o mais que possa, no passado. Os que viverem mil anos mergulharão em um tédio infernal, em uma repetição total onde tudo o que tenha algum interesse já foi absorvido à exaustão; viverão uma angústia paradoxal na qual nenhuma novidade terá interesse e tudo o mais será tedioso. E mil anos serão nada, em face da eternidade. Difícil imaginar maldição mais agonizante.

Existe, no entanto, uma saída, uma alternativa ao tédio eterno: o mergulho em jogos/realidades ‘game over’. Ao imergir nesses jogos, perderíamos nossas memórias, recomeçaríamos do 0 e prosseguiríamos em uma aventura realista até a morte. Tais jogos teriam como propósito, pelo menos, suplantar o tédio.

Podemos imaginar que, nesse caso, gostaremos de escolher vivências que transcorram nos tempos que antecedem e acolhem todas essas grandes transformações, muito mais vibrantes que todos os tempos passados, muito mais intensas que os tempos futuros, vividos entre artificialidades extremas conducentes, invariavelmente, ao tédio.

A especulação nos sugere a alta probabilidade de estarmos, agora, fazendo exatamente isso, espantando o tédio de uma vida futura, jogando um jogo de imersão realista passado em uma época que julgamos previamente ser a mais emocionante. Os budistas vêm contando essa mesma história há milênios.

Uma vidinha boba gasta em uma fantasia talvez soe meio fútil. Por outro lado, a possibilidade nos permite a construção de belas vidas tecidas com o mais marcado espírito artístico.

Mundos atari

Há quem afirme a impossibilidade de simulação de todo um universo, baseado em estimativas da gigantesca quantidade de informações necessárias para compor tal coisa; quantidade tão imensa que nem caberia em nosso mundo. A objeção é pífia, o mundo real pode ter 11 dimensões onde as simulações 3D, como o nosso mundo, gastam apenas uma quantidade reduzida de memória. Viveríamos em uma espécie de mundo atari, aos olhos dos de lá.

Também se pode supor que tal mundo seja, por sua vez, uma simulação atari de um mundo de 111 dimensões…

Desdobramentos da matriz

Suponha que se possa carregar uma mente em um universo virtual, deixando-a imersa em um videogame que ela suporá ser a realidade. Vivendo nesse mundo, a mente comporá uma história de vida; de fato, poderá compor inúmeras biografias, uma para cada renascimento. Tais histórias poderão ser rebobinadas, e revividas, desse modo.

Ao rebobinar uma vida, percebe-se certa relatividade do tempo. De certo modo, aquela vida já terá sido vivida, de maneira que todos os eventos futuros já terão sido determinados em uma vivência anterior. Aos olhos da criatura que vive a história, no entanto, tal fato é irrelevante, de modo que, desconhecendo seu próprio futuro, ela se empenha em viver aquela que, afinal, é sua vida. Assim, seu futuro equivale ao de personagens de filmes, desenrolados sempre na mesma sequência.

Também se pode retirar cada quadro do filme e analisá-lo isoladamente. Em cada quadro isolado, cada personagem possui um conjunto de memórias que definem sua vida pregressa, mesmo que os quadros estejam sendo apresentados isoladamente, aqui e ali. Note que o passado não existe. Em tal mundo, o tempo é só uma ilusão.

Embora costumemos supor que constituímos um eu consciente e uno, existem fortes indicações de que nossas mentes se apresentam como uma balbúrdia, como se estivéssemos sendo atualizados em uma máquina de múltiplos ponteiros, compondo uma existência em paralelo. Um dos sentidos que damos à palavra “eu” corresponde apenas a uma espécie de macro, um quadrinho pobre com uma existência momentânea atualizado seguidamente. Outro sentido de “eu” corresponde à longa história que acreditamos compor nossas vidas, ou o conjunto de macros, ou subrotinas, atualizados sucessivamente.

Se supusermos estar sendo atualizados em uma gigantesca máquina que anima todas as criaturas de nosso mundo, podemos considerar tudo isso como uma grande unidade que usaria a palavra “eu” para englobar todo esse conjunto. Não existem limites para a proliferação de mundos, embora existam para a nossa capacidade compreensão acerca deles. A fragmentação em partes, ou o englobamento em totalidades é fundamentalmente questão de ponto de vista. Chamamos algo de “indivíduo”, ou “eu” apenas por conveniência. Eus podem sempre ser englobados em unidades maiores.

Singularidade, inteligências artificiais ( IAs), e outros bichos: E sereis como Deuses, conhecedores do bem e do mal!

Estamos prestes a presenciar o maior momento de toda a história da humanidade, quando novas ideias brotarão aos borbotões em diversas áreas. Participaremos, em breve, da maior explosão criativa de todos os tempos. Minha imagem para isso é a de um canudo soprando um copo cheio de água e sabão. As bolhas brotam, se empurram e se sucedem, gerando-se umas às outras em uma enorme barafunda criativa e impossível de ser contida.

A torrente já começou a se revelar nos jogos de estratégia, embora só os mais exímios jogadores consigam perceber as rupturas impostas pelas IAs, decorrentes de sua maneira peculiar, não-humana, de pensar. Logo, em um campo após outro, as peripécias das IAs começarão a transbordar, revolucionando por completo todo o nosso pensamento, todas as nossas concepções sobre todas as coisas! Tudo!

É certo que tanto as portas do céu quanto as do inferno se abrirão, e que torrentes oriundas de ambos os polos inundarão tudo ao nosso redor.

Despojemo-nos dos conservadorismos, desarraiguemo-nos de dogmas. Abramos nossos olhos e mergulhemos nas ondas revolucionárias confiante e alegremente. Será em nossos olhos que toda a transformação transcorrerá.

Tudo é ilusão, extasiemo-nos.

 

Esse meu vídeo trata de questões similares:

Redação

10 Comentários

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  1. Espírita-alquimista da neuro-informática.

    Gollo pirou, junto Alan Kardec + Platão + informática + biológica, mais qualquer bobagem que debate na sua seita dos doidos lunáticos. 

    1. 2º) de alma penada a mente (ou demente):

      Qual a diferença,grande profeta do passado, entre alma e mente?

      Que obstáculos Antonio Demasio, em o “Erro de Descartes”, opõem a suas maluquices?

      Que considerações Howarde, em “Estruturas da Mente”, Garden opõem a insanidade?

      Que objeção Vigosty faz em “Obras Escogidas II – Pensamiento y Lenguage”, mentecpto?

      1. 3º) viver em um robô e imortalidade de sílício:

        Sendo um robô um conjunto de soft, harde e mecânica, não tendo pulões libidinais, nem biológicas – como se atuallzará experincias novas singulares – Gollo alienado?

        1. 4°) Gollo – eterno vudu infantil-adolescente – ainda no Atari

          Sequer veio para o Ebox, a ilustração acima de uma mullher lindíssima é coisa de adolescente. 

          Pegar alma-kardecista+fantasmas para jorgar Atari pela eternidade, para fugir do tédio.

          Quanta asneiras e bobagens.

  2. 1°) sandice – alma de Kardec.

    Alma em Cd room!

    Qual alma, doido que joga pedra? Qual Gollo?

    A alma desde Aristóteles, que nasce e morre com o corpo, que culmina em Freud?

    Ou a alma judaíca cristão?

    1. Computabilidade e xadrez

      Sequências não computáveis são aquelas não podem ser geradas por um algoritmo.

      A mente humana não é computável, isso é correto, conseguimos fazer coisas não computáveis, coisas que uma máquina de Turing não pode fazer.

      Sendo um computador uma máquina de Turing, poderá ele fazer coisas não computáveis, que a mente humana é capaz de fazer? Sim, para isso basta introduzir nele uma entrada analógica, como um mouse, uma filmadora, ou uma conexão de internet.

      Programas usuais utilizam sequências pseudoaleatórias, geradas por um algoritmo, portanto, não aleatórias e computáveis. Mas nada obsta que se utilize uma entrada de dados analógica, que não seja gerada por um computador; pode-se usar, por exemplo, bits oriundos de decaimentos radioativos. Um computador acoplado a qualquer desses dispositivos pode superar a objeção aventada.

       

      Programas de xadrez antigos, como o Deep Blue que enfrentou Kasparov nos anos 90s, já estavam muito à frente do que imagina Nicolelis, que demonstra não ter conhecimento sobre o assunto. Os programas atuais, como o Alpha Zero que está causando furor, aprendem a jogar sozinhos! Ninguém ensina nada para eles. Ficam jogando com si mesmos e se aprimoram assim. Confira esse fenômeno espantoso, o Alpha Zero.

      Só assisti ao pedacinho do vídeo referido, tentarei ver o restante. Agradeço a referência 🙂

      Mas recomendo conferir informações sobre o aprendizado de máquinas, a coisa está em vias de explodir, confira!

      1. Mais bobagem matematical-platônica-kardecista

        O fundamento da mente não é  numérico, é imagem. Está mais próxima do signo de Saussure (signifcatne, significado, objeto). Ou como Lacan afirmou do incosciente!

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