7 Quedas, nunca mais, por Álvaro Rodrigues dos Santos

Esse brutal assassinato valeu a pena? Haveriam outras alternativas energéticas? Difícil dizer

O Salto de 7 Quedas antes de seu recobrimento pelo lago de Itaipu.

7 Quedas, nunca mais

por Álvaro Rodrigues dos Santos

Em 27 de outubro de 1982 completava-se o enchimento do reservatório da Usina de Itaipu. Estava decretado o fim de um dos mais belos espetáculos naturais do Planeta, o Salto de Sete Quedas, no município de Guaíra no Paraná.

Esse brutal assassinato valeu a pena? Haveriam outras alternativas energéticas? Difícil dizer, talvez o melhor mesmo, do que mil análises, teses e discursos, hoje inócuos e inúteis, pois que o mal está definitivamente feito, será lembrar as palavras com que o poeta Carlos Drummond de Andrade registrou o acontecimento:

“Sete quedas por mim passaram, e todas sete se esvaíram.

Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele a memória dos índios, pulverizada, já não desperta o mínimo arrepio.

Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se os sete fantasmas das águas assassinadas por mão do homem, dono do planeta. Aqui outrora retumbaram vozes da natureza imaginosa, fértil em teatrais encenações de sonhos aos homens ofertadas sem contrato.

Uma beleza-em-si, fantástico desenho corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno mostrava-se, despia-se, doava-se em livre coito à humana vista extasiada. Toda a arquitetura, toda a engenharia de remotos egípcios e assírios em vão ousaria criar tal monumento.

E desfaz-se por ingrata intervenção de tecnocratas. Aqui sete visões, sete esculturas de líquido perfil dissolvem-se entre cálculos computadorizados de um país que vai deixando de ser humano para tornar-se empresa gélida, mais nada.

Faz-se do movimento uma represa, da agitação faz-se um silêncio empresarial, de hidrelétrico projeto. Vamos oferecer todo o conforto que luz e força tarifadas geram à custa de outro bem que não tem preço nem resgate, empobrecendo a vida na feroz ilusão de enriquecê-la.

Sete boiadas de água, sete touros brancos, de bilhões de touros brancos integrados, afundam-se em lagoa, e no vazio que forma alguma ocupará, que resta senão da natureza a dor sem gesto, a calada censura e a maldição que o tempo irá trazendo?

Vinde povos estranhos, vinde irmãos brasileiros de todos os semblantes, vinde ver e guardar não mais a obra de arte natural hoje cartão-postal a cores, melancólico, mas seu espectro ainda rorejante de irisadas pérolas de espuma e raiva, passando, circunvoando, entre pontes pênseis destruídas e o inútil pranto das coisas, sem acordar nenhum remorso, nenhuma culpa ardente e confessada.

(“Assumimos a responsabilidade! Estamos construindo o Brasil grande!”)

E patati patati patatá… Sete quedas por nós passaram, e não soubemos, ah, não soubemos amá-las, e todas sete foram mortas, e todas sete somem no ar, sete fantasmas, sete crimes dos vivos golpeando a vida que nunca mais renascerá.”

Pela lembrança,

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected])

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Redação

3 Comentários

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  1. Que bom que ainda temos as imagens. Logo nem isso teremos. Salvando pra mim agora e por enquanto. Porque quem viu lamenta, quem não viu, não sabe o que perdeu.

  2. O texto, desta vez, em meu pensar, expressa também o pensamento da grande população brasileira, que é o que mais importa, sobre essa autoritária agressão. Iluminado, emocionante e de uma inspiração ambientalista e patriótica perfeita.
    Um texto que será bem acomodado em minha galeria de textos e arquivado na minha memória.

  3. Só um detalhe: a foto que ilustra o artigo é das Cataratas do Iguaçu, não das Sete Quedas. Para ver as corretas, usem a busca de imagens do Google (cuidado com sites que cometem o mesmo erro); basicamente havia um canal principal diagonal, com o maior volume em corredeiras, e uma série de fendas/quedas transversais por onde passava o restante do fluxo do rio.

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