A canção do subdesenvolvido, por Carlos Motta

A canção do subdesenvolvido

por Carlos Motta

Carlos Lyra é um dos expoentes da Bossa Nova. Cantou, como os seus companheiros, a flor e o amor, mas foi além: quis aproximar o movimento dos jovens da classe média das raízes do samba e apresentou-os a alguns dos mais representativos artistas do gênero. Fez também músicas de forte conotação social e política.

No longínquo ano de 1961 musicou a peça teatral “Um Americano em Brasília”, de Chico de Assis e Nelson Lins e Barros. É dela a sensacional “Canção do Subdesenvolvido”, parceria com Chico de Assis, que também integrou o disco “O Povo Canta”, lançado para ajudar na arrecadação de verbas para a construção do teatro do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1963

Em 1964, ano da “Gloriosa”, o disco foi retirado de circulação e o teatro do CPC da UNE, recém-construído, foi metralhado pelo Movimento Anti-Comunista (MAC), logicamente formado por homens de bem.

“Embora pense, dance e cante como desenvolvido/O povo brasileiro/Não come como desenvolvido/Não bebe como desenvolvido/Vive menos, sofre mais”, diz uma parte da letra, atualíssima nestes tempos sombrios em que o país se vê prostrado, à mercê de uma quadrilha de apetite pantagruélico.

O Brasil é uma terra de amores

Alcatifada de flores

Onde a brisa fala amores

Em lindas tardes de abril

Correi pras bandas do sul

Debaixo de um céu de anil

Encontrareis um gigante deitado

Santa Cruz, hoje o Brasil

Mas um dia o gigante despertou

Deixou de ser gigante adormecido

E dele um anão se levantou

Era um país subdesenvolvido

Subdesenvolvido, subdesenvolvido, etc. (refrão)

E passado o período colonial

O país se transformou num bom quintal

E depois de dadas as contas a Portugal

Instaurou-se o latifúndio nacional, ai!

Subdesenvolvido, subdesenvolvido (refrão)

Então o bravo povo brasileiro

Em perigos e guerras esforçado

Mais que prometia a força humana

Plantou couve, colheu banana..

Bravo esforço do povo brasileiro

Que importou capital lá do estrangeiro

Subdesenvolvido, subdesenvolvido… etc. (refrão)

As nações do mundo para cá mandaram

Os seus capitais desinteressados

As nações, coitadas, queriam ajudar

E aquela ilha velha ajudou também

País de pouca terra, só nos fez um bem

Um grande bem, um ‘big’ bem, bom, bem, bom

Nos deu luz, ah! Tirou ouro, oh!

Nos deu trem, ahhh! Mas levou o nosso tesouro

ooooh! Subdesenvolvido, subdesenvolvido… etc. (refrão)

Houve um tempo em que se acabaram

Os tempos duros e sofridos

Pois um dia aqui chegaram os capitais dos..

Estados Unidos

País amigo desenvolvido

País amigo, país amigo

Amigo do subdesenvolvido

País amigo, país amigo

E nossos amigos americanos

Com muita fé, com muita fé

Nos deram dinheiro e nós plantamos

Nada mais que café

E uma terra em que plantando tudo dá

Mas eles resolveram que a gente ia plantar

Nada mais que café

Bento que bento é o frade – frade!

Na boca do forno – forno!

Tirai um bolo – bolo!

Fareis tudo que seu mestre mandar?

Faremos todos, faremos todos…

E começaram a nos vender e a nos comprar

Comprar borracha – vender pneu

Comprar madeira – vender navio

Pra nossa vela – vender pavio

Só mandaram o que sobrou de lá

Matéria plástica,

Que entusiástica

Que coisa elástica,

Que coisa drástica

Rock-balada, filme de mocinho

Ar refrigerado e chiclet de bola

E coca-cola! Oh…

Subdesenvolvido, subdesenvolvido… etc. (refrão)

O povo brasileiro tem personalidade

Não se impressiona com facilidade

Embora pense como desenvolvido

Embora dance como desenvolvido

Embora cante como desenvolvido

Lá, lá, la, la, la, la

Êh, êh, meu boi

Êh, roçado bão

O meior do meu sertão

Comeram o boi…

Subdesenvolvido, subdesenvolvido, etc. (refrão)

Tem personalidade!

Não se impressiona com facilidade

Embora pense, dance e cante como desenvolvido

O povo brasileiro

Não come como desenvolvido

Não bebe como desenvolvido

Vive menos, sofre mais

Isso é muito importante

Muito mais do que importante

Pois difere os brasileiros dos demais

Pela… personalidade, personalidade

Personalidade sem igual

Porém… subdesenvolvida, subdesenvolvida

E essa é que é a vida nacional!

 
Redação

2 Comentários

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  1. “Canção do Brasil coxinha”

    Genial, poderia nos tempos atuais chamar-se “Canção do Brasil coxinha”, que é a parcela da nação brasileira, consumidora dese tenra idade dos filmes “made im Holliwood” e jornalões e TV’s à serviço do império, formando assim sua personalidade e mente subdesenvolvida.

    Esta parcela subdesenvolvida que adora de quatro o “Big Stick” mididiático/judicial gringo…

     

     

    https://i.imgur.com/Z21Lrdt.jpg

     

     

     

  2. Cantei, cantei ! Como é cruel cantar assim.

    Peça e canção continuam atuais. Hoje, sei la porquê, ou sei sim, cantei Bastidores como Cauby cantava: melodrama. Não é o que estamos vivendo? Um melodrama com retoques de crueldade.

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