A mediocridade como modelo editorial nos cadernos de cultura

 
Enviado por Anna Dutra
 
Do Observatório da Imprensa
 
A mediocridade como modelo editorial
 
Por Pedro Soares
 
Sou leitor assíduo de jornais faz quatro anos. Sempre ouço que antigamente os noticiosos eram diferentes. Além do mais, muitas pessoas lamentam o fato de, atualmente, os periódicos terem competência inferior. Pelo que percebi e pesquisei, as críticas contêm veracidade. O que me incomoda mais, porém, é a baixíssima qualidade dos cadernos culturais. Algumas pessoas dizem ter se formado leitoras, espectadoras críticas de teatro e consumidoras vorazes de filmes de arte, após uma imersão em suplementos culturais. Isso não parece mais ser possível hoje em dia.
 
Alguns jornais internacionais com folhetos sobre cultura possuem maior profundidade. O português Público e o francês Le Monde
são apenas alguns exemplos. Já por aqui, a apuração desses cadernos é tacanha. Um exemplo que ratifica isso: a notícia mais lida da semana (14/11 a 21/11) na parte de cultura de O Globo dizia respeito a uma repórter da GloboNews que tinha o rosto “onipresente na cobertura de Paris”. Qual a importância disso?

 
Não se tem a preocupação de formar cidadãos que irão consumir e alimentar o mercado cultural? Isso não parece ser a prioridade das publicações que lidam com as artes. Se houvesse seriedade, elas provavelmente conseguiriam aumentar o consumo de bens culturais no Brasil.
 
Ainda em O Globo, mas agora no famigerado Segundo Caderno, existe um articulista que, todos os domingos, usa sua coluna para falar mal do governo. É necessário, sim, fazer críticas. No entanto, precisa ser no caderno de cultura? A semana inteira os jornais falam mal do governo em várias páginas. Por que ocupar os suplementos culturais com esse tipo de conteúdo?
 
Destaque para mediocridade
 
No mesmo caminho anda o resto dos ditos jornalões. A Folha de S.Paulo, com a sua Ilustrada, traz coisas ótimas, mas comete muitos equívocos. Em sua edição de domingo (15/11), reportagens sobre Amaury Jr. e Os Dez Mandamentos ocupavam páginas inteiras. Qual é a utilidade dessas informações? Já não temos programas frívolos demais na televisão aberta que dão cobertura a esse tipo de fato? E outra, a Folha já tem o Outro Canal para assuntos televisivos.
 
Caso análogo é O Estado de S.Paulo, que, em três dias (17/11 – 19/11), veiculou sete reportagens que citavam ou tinham a ver com a franquia Jogos Vorazes. Será mesmo que um blockbuster dessa magnitude precisa de tanta publicidade?
 
Em um país nutrido de má informação e baixa qualidade educacional, para que – eu lhes pergunto – dar tanto destaque para notícias assim, como Estadão, Folha e O Globo fazem? E não só eles, a maioria da mídia impressa brasileira, infelizmente, age assim.
 
Adolescentes não leem
 
A título de exemplo, pesquisas sobre a leitura saem periodicamente no Brasil e a mídia lamenta. Em seguida, os colunistas reclamam. Com razão. Entretanto, o que eles fazem para modificar um tantinho essa realidade? Não há cobertura ampla a resenhas de livros interessantes na imprensa. Há algum tempo a Fecomércio publicou uma pesquisa em que dizia que 70% dos brasileiros não leram livros em 2014. Eu li 96 livros. Queria ter lido mais, queria ter tido uma curadoria de pessoas mais maduras e especializadas que publicassem resenhas nos jornais. Assim eu não “perderia tempo” com obras não tão legais. Não tive acesso a esse tipo de resenha.
 
Quando existe uma “curadoria”, é sempre direcionada aos mesmos autores. É sempre a turminha da Companhia das Letras, Editora 34, Cosac Naify e derivados. Continuamente dão destaque a escritores que já possuem prestígio. Sim, adoro o Mia Couto. Sim, li o novo livro do Chico Buarque. Sim, admiro muito essas editoras e autores. Contudo, por que não dar destaque e fazer reportagens sobre novos literatos? Por que não indicar leituras necessárias? Qual seria a reação de Mário de Andrade se visse o que fazem com a insígnia de “crítico literário” na contemporaneidade?
 
Ademais, existem inúmeros expoentes da cultura brasileira que são pouco conhecidos e pouco revisitados. Os adolescentes da minha idade nunca ouviram falar de vários. Tirando alguns jovens de grandes centros, a maior parte não conhece brasileiros notáveis como Hélio Oiticica, Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Lygia Pape, Amilcar de Castro, Eduardo Coutinho, Lygia Clark, Emiliano Di Cavalcanti, Lúcio Costa, Alfredo Volpi. Praticamente ninguém do meu ensino médio (público), terminado ano passado, ouviu falar dessas pessoas. Nenhum estudante nos dois pré-vestibulares (particulares) que frequentei, naquele ano e neste, sabe quem foram essas pessoas. Isso contabiliza muita gente só na minha cidade e que frequentaram a escola. E no resto do país?
 
Como assim a maioria da minha geração não tem ouvido falar de Jorge Ben Jor? De Elis Regina? Da bossa nova? O que vai acontecer daqui a uns anos? As escolas de elite vão formar bem alguns estudantes de alguma cidade grande, mas e o resto? O que vai acontecer quando atuais jornalistas, acadêmicos e intelectuais – como diria Machado de Assis – forem estudar a geologia dos campos santos?
 
E agora, José?
 
A Constituição Federal assegura o direito à cultura. Infelizmente, a realidade é árida. No Brasil, a cultura ainda é tratada como privilégio. Pior, é centralizada na mente e nos livros de poucos. Então, por que um caderno de cultura continua a respirar em um país em que a cultura é, via de regra, altamente elitizada, sem informar, educar, transmitir conhecimento e informações úteis para o público? Por que cadernos culturais não falam da antiga e atual culturas brasileiras? Ou quando falam, falam com uma superficialidade pífia?
 
Obviamente todo esse desprezo pela cultura não é culpa da imprensa. Entretanto, por que não usar os suplementos culturais para o que eles são destinados? É de uma irresponsabilidade colossal usá-los como meros reprodutores de desinformação. A maioria das pessoas diz que a educação e a cultura transformam sociedades. A despeito disso, por qual razão os jornais se preocupam em cobrir, em seus cadernos culturais, inutilidades que – perdoem-me o pleonasmo – não acrescentam em nada?
 
Renato Russo, em “Geração Coca-Cola”, diz que essa geração quando nasceu foi programada a receber o que empurraram para eles com os enlatados “dos USA”. Minha geração também parece ser assim. Até quando vamos continuar a fazer antropofagia com lixo cultural? Mino Carta, em artigo de 2013 na revista CartaCapital, diz que o Brasil não produz mais escritores como Guimarães Rosa, pintores como Portinari ou repórteres como Rubem Braga. Mas será mesmo que temos condições de produzir grandes escritores, pintores e repórteres com essa “base” que nos é oferecida?
 
***
 
Pedro Soares é estudante
Redação

12 Comentários

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  1. Não é o Caderno de Cultura

    Não é o Caderno de Cultura que está morrendo, é a mídia tradicional.

    A cultura está sendo divulgada sim, mas tem de fazer um bom (muito bom) trabalho de garimpo nessa vasta internet…

  2. Lendo o post, uma palavra

    Lendo o post, uma palavra permaneceu em minha cabeça durante todo o tempo: jabá.

    Pelo que li de uma das transcrições dos áudios do Delcídio, as revistas compram “vazamentos”, logo, devem considerar que jabá é normal.

  3. Não interessa

    Sua preocupação é mais do que válida, Pedro. Mas para nossa mídia tradicional, principalmente o Globo e toda sua teia, interessa apenas vender a frivolidade que eles mesmos produzem.

    Falam em não se preocupar mais com Ibope em favor de produções de maior qualidade, mas isso não passa de embuste. Sempre fizeram e sempre farão, com raríssimas exceções, produtos culturais para que não tem cultura nenhuma, obras insossas de tão mastigadas. Assim mantêm sua lucratividade cadente. Estão preferindo a morte à ousadia.

    Melhor mesmo é migrar para a internet.

  4. Houve melhores tempos sim.
    Sem duvida houve melhores tempos. Por meio deles conheci novos musicos, autores, cineastas e assim vai.

    Quando um editor de cultura aceita que seu colunista escreva somente para falar mal do governo ai vemos o quanto decaiu…

    Falar mal do governo é a prova final da preguiça qualquer que seja o meio de expressão. Quanta preguiça!!!!

    Fosse eu editor diria: quem me trazer uma coluna falando mal do governo está despedido!!!

  5. Uma saudade

    do grande Jornal do Brasil! Introdutor do caderno de cultura em terras tupiniquim.

    Outro dia na Follha (Falha?) de SP vi uma baita peça publicitária do recém lançado livro da Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Starling. No dia seguinte advinha de qual publicação estava nos holofotes da Ilustrada! Por estas e por outras acho que a parte que se aproveita dos jornalões são os quadrinhos e o horóscopo! Como dizia Sued: Ademã que eu vou em frente!

  6. Morrem

    Como esperar que um jornal que morre, e eles estão morrendo se é qu já não morreram, vá falar ou tratar de cultura?

    Esquece. São lixo. Vendem crise e ela lhes mata, sem a propaganda, e nem isso percebem.

    Caso sem volta. Antes de morrer, apodrecem.

    Caso engraçado é o ex jornal estado de minas que dá como manchete elogios a manchete do dia anterior; assunto lama; ele mesmo enlameado. 

  7. Pedro e os cadernos de cultura

    Pedro,

    Voce vai ficar com inveja pois na minha época,aos domingos,além da ilustrada a Folha trazia um caderno genial denominado Folhetim. Uma jóia que esperávamos ansiosamente o final de semana para garimpá-lo.

    Também, invejável era o privilégio de toda semana correr para a banca mais próxima para garantiir o fabuloso O PASQUIM. Uma delícia de leitura!

    Vou parar por aqui pois voce ficará desorientado diante da quantidade de coisas boas que tinha nas bancas- O bondinho,Movimento,Opiniao…

    José Emílio Guedes Lages- Belo Horizonte

     

  8. Pois é, complicado. Concordo

    Pois é, complicado. Concordo com o autor. Só gostaria de dar uma cutucada de leve: ler muitos livros não é, necessariamente, uma vantagem ou algo positivo. Acho que é mais importante ler um livro com atenção do que ler um monte. O que eu vejo de “burros letrados” por aí não é pouca coisa. 

  9. o excelente texto de pedro

    o excelente texto de pedro sugere mais esperança do que pessimismo.

    claro que ele não deve ter lido os 96 livros que leu por causa

    dos suplementos dos jornais brasileiros, onde a mediocridade é óbvia.

    sou do tenpo do caderno h onde mário quintana estava sempre presente,

    dos suplementos do jb onde participava drummond, etc…

    mas os suplementos atuais esão moribundos, como está a grande midia,

    que resiste, mas só através das infamias cotidianas de sempre…..

  10. Concordo totalmente com o

    Concordo totalmente com o articulista e, ousadamente, acrescento: a) a dita mídia é apenas negócio, portanto, só publicam o que lhes rende algum caraminguá, na base do jabá; b) como pensar em cultura se os (ir)responsáveis pelos tais cadernos são, em sua maioria, semi-analfabetos funcionais? c) os exemplos vêm de “cima”, é só ver como o Minc trata os projetos “culturais” que atendem, apenas, aos interesses das grandes empresas, sem qualquer exceção; d) os estados e os municípios, então, dão dó em qualquer pretensão cultural, pois, na quase totalidade, juntam numa mesma secretaria o esporte, o lazer e a “cultura”. De outro lado, não há editoras que se preocupem em formar leitores através do lançamento de obras efetivamente literárias: está certo, não há almoço grátis no capitalismo, mas, não precisavam abusar, afinal, os livros não pagam impostos e, ainda, os “promotores” ganham diversas isenções sobre o material utilizado. 

  11. Zerstörungsroman

    Nesse seu post testemunhal, o Pedro dá sinais de ser um jovem inquieto, buscando algo além da superfície do seu tempo. Sinto muito não ser otimista, mas não vejo muitas esperanças pra ele.

    Não se trata de comparar a atualidade com os “velhos tempos”, em termos arbitrários de valor, como muitos nostálgicos seguramente fariam, em nome da narrativa redentora do seu próprio Bildungsroman. Mas, sim, se trata de comparar os tempos em termos de lógica cultural.

    O que eu quero dizer é: os cadernos culturais e o jornalismo cultural são expressões do seu tempo, e não de um patrimônio imperecível chamado Cultura. Eles atendem à pauta do jornalismo, e, como todos sabemos, o jornalismo já não tem mais qualquer escrúpulo sequer por atender à pretensa pauta da informação.

    Os termos do Pedro estão errados, porque venderam pra ele valores que se queriam universais e imperecíveis (tais quais a “informação” e a “verdade” para o velho jornalismo).

    A primeira coisa que ele precisa aprender sobre o mundo, o conhecimento e a Cultura é que essa atitude (a de admitir valores universais e imperecíveis) cega mais do que prepara para a curiosidade intelectual, mistifica mais do que patrocina o esclarecimento — ou, para continuar com minhas remissões germanófilas irônicas, a Aufklärung.

    Não, Pedro! Não cobre os cadernos culturais em nome da Cultura, porque você vai fazer papel de bobo. Eles estão pouco se lixando para o que você se preocupa que seja a grande Cultura.

    O mundo em que vivemos é o mundo em que tudo se vende, não é o mundo em que algo se cultive. Se você quiser se cultivar, não caia na esparrela dos vendilhões, porque eles só vão te vender as charlatanices desse mercado de mascates. É o mundo em que eles vivem, é a tribo deles, é a sua patota e são os seus ícones. Isso não tem nada a ver com cultura (no sentido etimológico de “cultivar”). Só tem a ver com consumo.

    Como lembra o antropólogo Marshall Sahlins, o capitalismo não é um sistema de produção de bens (“culturais”, por exemplo). É apenas um sistema de produção de necessidades. E o jornalismo também faz parte disso. Agora mais do que nunca!

    A figura do “curador” a que você se refere, o Leher, o “preceptor”, esse você, de fato, não vai encontrar onde ele não mais está. A lógica da mídia comercial foi exatamente a de expulsá-lo daí, como expulsou o jornalismo investigativo.

    Então a primeira coisa que você tem que aprender é: não seja ingênuo! não olhe com os olhos dos clássicos de ontem um mundo que não corresponde a eles — e que só poderia pretender corresponder se falsificado pelo esnobismo dos insinceros.

    Portanto, não caia na armadilha dos esnobes que, também eles, pretendem lhe vender um mundo que não mais existe.

    Nada disso o impede de se cultivar. Só não vá buscar isso onde isso não é possível. E também não caia no embuste de que a Internet é o lugar onde isso será possível, porque essa é mais outra grande lorota dos nossos tempos.

    O campo está minado (pelos explosivos do hedonismo e do consumo) e o trabalho é bem mais perigoso. Ele requer um esforço minucioso de cruzar a informação com esse outro bem precioso, que só se encontra nas boas escolas e nos densos ambientes acadêmicos: a formação… algo que, sim, comporta uma dose não desprezível de ascetismo. Não, não se “aprende brincando”. Aprender exige esforço.

    O caminho será árduo, e a inquietação intelectual é talvez o único aval. Mas sem rigor, sem exigência pela excelência e sem apreço pela complexidade, seguramente nada poderá ser conquistado.

    Desista dos cadernos culturais! Eles não existem para cumprir lei alguma ou qualquer que seja a expectativa social, mas apenas para engrossar os lucros predatórios dos patrões da mídia.

  12. A mediocridade de A. Dines e seu ego em Observatório da Imprensa

    como diz minha deusa Marilene Felinto numa entrevista, ou artigo, Dines se autopropagandeia. Leitor que é leitor não precisa  de orientaçoes e mil e um jornais ou blogs. O Observatório da Imprensa mente quando tem um especial sobre Trotsky, eudeusando-o, escondendo o comando militar do comissário contra rebeliões anti-aparelhamento dos Soviets pelos bolcheviques. Seguidos mundo afora por suas filiasi, PCs se alinharam convictamente. Dines: Outro especial babando entrevistando o farsanta da moda “fragmentária líquida” Zygmund Baumann.

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