Um exercício de pós-jornalismo retrô

Desde que Jair Bolsonaro tomou posse duas coisas aconteceram. A primeira foi o alinhamento automático de uma parte da imprensa com o novo presidente. A outra foi a vergonhosa demissão de jornalistas a pedido dele. Como todo déspota oriental, Bolsonaro só consegue compreender uma coisa: submissão. A resistência da sociedade e das instituições ao seu poder absoluto o faz envelhecer rapidamente e verter lágrimas de crocodilo todas as madrugadas.

Em razão das características do tirano brasileiro, cumpre ao jornalismo não somente reafirmar sua independência. Isso deve ser feito de maneira a produzir o maior sofrimento possível em Jair Bolsonaro. Se não curar suas veleidades autoritárias, isso o fará afundar numa depressão e morrer lentamente (ou rapidamente) permitindo ao Brasil seguir o curso que a maioria da população deseja (democracia inclusiva) e que o tirano odeia.

Por isso, resolvi fazer esse exercício. O chamei de pós-jornalismo retrô em virtude da mudança de orientação de uma parcela da imprensa. O objeto desse exercício será a notícia veiculada ontem mundo afora https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/26/internacional/1561540841_105498.html.

Como essa notícia seria dada se o presidente fosse Lula e não Jair Bolsonaro?

BOLSONARO SABIA QUE A FAB TRAFICA DROGAS

Quando estourou o escândalo do Mensalão uma parte da imprensa imediatamente começou a acusar Lula dizendo que ele sabia. Variações sobre esse tema da onisciência presidencial podem ser encontrados numa crônica de Carlos Heitor Cony de 2005 http://www.academia.org.br/artigos/e-se-lula-sabia.

BOLSONARO É O CHEFE DO TRÁFICO DE DROGAS NA FAB

Rapidamente o tema da onisciência se transmutou no da onipotência. Consolidada a ideia de que Lula sabia do Mensalão, a imprensa passou a acusá-lo de chefiar o esquema. Lula também seria acusado de chefiar o esquema de corrupção na Petrobras.

BOLSONARO RECEBERIA PARTE DO LUCRO COM A DROGA TRAFICADA PELA FAB

O powerpoint de Deltan Dellagnol no caso do Triplex somente se tornou plausível porque o respeitável público já havia sido exaustivamente exposto às acusações de que o ex-presidente Lula sabia e chefiava esquemas de corrupção. Construída a imagem do “líder petista corrupto” ficou parecendo verdadeira a acusação jornalística de que Lula teria ganhou ilegalmente um apartamento. A ausência de provas de corrupção no caso do Triplex é evidente, mas pode ser facilmente contornada. Instigado pelo juiz, o procurador denunciou Lula com base em suas convicções e nas acusações jornalísticas. Após orientar como a acusação deveria se conduzir, Sérgio Moro utilizou estes dois fundamentos para condenar Lula descartando sumariamente a prova de que Lula nunca recebeu a propriedade ou a posse do imóvel.

A PRISÃO DE BOLSONARO POR CAUSA DO TRÁFICO DE DROGAS DA FAB É JUSTA E NÃO PODERÁ SER REVOGADA

Desde que Lula foi preso a imprensa se esforça para justificar a condenação e a prisão do ex-presidente. Qualquer coisa que coloque em risco a percepção pública de que Lula foi condenado e preso de maneira justa é imediatamente descartada pela mídia. A revelação da conspiração entre Sérgio Moro e Deltan Dellagnol está sendo enquadrada não como um escândalo que deveria acarretar consequências jurídicas (libertação de Lula e responsabilização do juiz e do procurador) e sim como um caso típico de abuso criminoso da liberdade de imprensa.

CONCLUSÃO

É claro que ninguém pode afirmar com segurança que Jair Bolsonaro sabia que o avião da FAB estava sendo usado para traficar drogas. Ele já forneceu prova em vídeo de que não sabe nem mesmo tomar um copo de água… A mesma objeção pode ser levantada em reação às acusações de que Bolsonaro chefia ou receberia parte do lucro do tráfico internacional de cocaína com uso de uma aeronave federal. Mesmo que a imprensa acusasse o presidente de ser um traficante de drogas, ninguém pode ser formalmente denunciado, condenado e preso por causa de um crime com base em acusações jornalísticas. O método do Direito é diferente do método jornalístico, no limite aquilo que é publicado num jornal só faz prova do crime contra a honra que foi eventualmente cometido pelo jornalista.

Esse exercício tem apenas uma finalidade. Instigar o respeitável público meditar com calma e serenidade sobre o que a imprensa fez com Lula e ela evidentemente não fará com Jair Bolsonaro. Apesar do escândalo do tráfico de drogas num avião da FAB comprometer interna e externamente a imagem do novo governo, nenhum jornal brasileiro publicou ou publicará uma manchete com os lides que foram sugeridos acima (e que foram largamente usados contra Lula).

Num Estado de Direito os cidadãos deveriam considerar repugnante e inadmissível a perseguição cruel de um líder político (de qualquer líder político) até que ele possa ser transformado num objeto e/ou num troféu nas mãos de procuradores ambiciosos e juízes antiéticos.

Uma última observação importante. Ontem, aqui mesmo no GGN https://jornalggn.com.br/opiniao/terrorismo-com-forca-de-lei-como-assim/, questionei o terrorismo com força de Lei utilizado como um novo método da Lava Jato. O presidente da OAB confirmou que os ministros do STF foram ameaçados de morte para manter Lula preso https://www.brasil247.com/brasil/presidente-da-oab-diz-que-ministros-do-stf-foram-ameacados-de-morte?fbclid=IwAR3kR4WgdsGyJ3ZKuBGKgYQvm11k-z0O2DtdthNaNSv4l8RJT2FqomlypqA#.XRNvss5s4ZV.facebook. Fruto de uma coação irresistível a decisão proferida no HC do ex-presidente petista não tem qualquer valor jurídico.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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