“Bolsonaro não obstruiu justiça”? Tem certeza?, por Sylvia Moretzsohn

A Folha implora por novos assinantes, mas não justifica a sua campanha, porque não honra o compromisso que diz assumir.

“Bolsonaro não obstruiu justiça”? Tem certeza?

por Sylvia Moretzsohn

A Folha de S.Paulo, atacada frontalmente por Bolsonaro, a Folha de S.Paulo, que teve canceladas suas assinaturas por órgãos públicos federais, a Folha de S.Paulo, que foi excluída do clipping do Itamaraty, a Folha de S.Paulo, que implora por novos assinantes e exalta a democracia e a liberdade de imprensa, esta Folha de S.Paulo recusa-se a apurar decentemente esse escândalo protagonizado pelo presidente da República no caso Marielle.

Na edição de hoje, destaca em sua home page matéria intitulada “BOLSONARO NÃO OBSTRUIU JUSTIÇA EM CASO DE ÁUDIO DE PORTARIA, DIZEM ESPECIALISTAS“.

Vamos ler o texto e o que está lá logo na abertura?

“Advogados consultados pela Folha dizem que não é possível afirmar que o presidente Jair Bolsonaro ou membros de sua família tenham obstruído a Justiça ao acessar as gravações da portaria de seu condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.”

As fontes dizem que NÃO É POSSÍVEL AFIRMAR o que o jornal afirma.

Não é curioso?

Não preciso comentar a prudência das fontes, que afinal sabem de quem estão falando, embora, na grande imprensa, um raro jornalista que alia a prudência à coragem tenha afirmado, em seu blog no Globo, a certeza de que a atitude de Bolsonaro configurava obstrução da justiça.

De qualquer forma, a leitura da matéria demonstra que a Folha parte da premissa de que a perícia apresentada pelo MP do Rio é fidedigna, quando obviamente não é. Isso já seria evidente pelos muitos buracos visíveis por leigos, mas confirmados por profissionais do ramo, como o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais, entrevistado pelo Jornal Nacional no dia 1º de novembro. Com muita delicadeza, ele relaciona essa sucessão de buracos para demonstrar as falhas gritantes da perícia feita às pressas, e que nem pode ser considerada, porque não acessou o equipamento que guardava as gravações, mas apenas um CD fornecido pelo síndico do prédio.

Ou seja, A PERÍCIA APRESENTADA PELO MP É IMPRESTÁVEL, como já escrevi aqui e em artigo publicado ontem no ObjETHOS.

A Folha implora por novos assinantes, mas não justifica a sua campanha, porque não honra o compromisso que diz assumir.

“O que a vida quer da gente é coragem”, não é? É importante citar. Mais importante ainda é praticar.

Quando tentou atabalhoadamente explicar a sua confissão (“Nós pegamos antes que fosse adulterado, ou tentasse alguém adulterar, pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de anos…), quando tentou se explicar, Bolsonaro disse, entre outras coisas, que aquele material já estava com a Polícia Civil “há muito tempo”.

Jornalistas profissionais, que são os profissionais do estranhamento (consta que uma das características do ofício é desconfiar das aparências, assim quase como os filósofos), jornalistas profissionais não parecem ter achado nada estranho nisso.

Porém: se a polícia já estava com aquele material “há muito tempo”, por que não providenciou a perícia a sério? Por que o MP teve de correr pra pedir uma perícia nas coxas, só pra dar uma satisfação à imprensa amestrada?

Mas então, hoje, a Folha de S.Paulo, em matéria coordenada àquela que acabo de comentar (com um título que afirma o que as próprias fontes ouvidas põem em dúvida), promete esclarecer “o que se sabe sobre Bolsonaro e o caso Marielle” e apresenta “perguntas sem resposta”.

Novamente não esclarece nada, porque reitera a premissa da fidedignidade da perícia fajuta do MP, embora assinale que o órgão “não considerou a possibilidade de adulteração dos registros e gravações da portaria, não averiguando se arquivos foram apagados ou renomeados antes de serem entregues à justiça”.

Mas o melhor está no fim. Reproduzo:

“Se Élcio e Lessa foram presos em março, por que só agora a história das gravações veio à tona?

Segundo a Promotoria, as planilhas de entrada do condomínio não tinham sido apreendidas porque não havia menção à casa de Lessa. Elas só viraram alvo da apuração quando os investigadores conseguiram desbloquear o celular de Lessa, em outubro, e viram uma foto da planilha enviada pela mulher dele indicando o acesso à casa 58.

Com base nisso, a polícia apreendeu os documentos no início deste mês. Ao chegar ao local, o síndico do condomínio informou que havia gravações que registravam diálogos entre a portaria e os moradores.

Foram apreendidas gravações de janeiro a março. O material foi submetido a perícia no Ministério Público, que atestou não ter ocorrido adulteração na prova.”

Resta esclarecer se o “início deste mês” é o mês de novembro. Pode ter sido erro de redação (jornalistas há tempos desaprenderam essa técnica elementar), ou de digitação, porque “este mês” seria novembro, e os jornalistas da Globo que “tiveram acesso” às planilhas trabalham sobre elas desde o início de outubro. Ou então “tiveram acesso” por outros meios que não o inquérito policial.

O fundamental, entretanto, é saber que só quando os policiais chegaram ao condomínio para apreender o livro de registros da portaria, o síndico lhes informou que havia gravações.

Porque os policiais nunca iriam desconfiar, não é?

E só então levaram as gravações.

“No início deste mês” (novembro? ou “daquele mês”, outubro?).

Importantíssimo esclarecer.

Mas, de um modo ou de outro, está evidente que as gravações não estão com a polícia “há muito tempo”, como disse o sr. Presidente.

Resta saber ainda que material é esse: apreenderam a máquina do condomínio ou apenas um CD?

Nada daquelas fotos que proliferam na imprensa com os policiais com cara de mau e óculos escuros saindo com computadores lacrados.

Haja perguntas sem resposta.

E parece que ninguém está muito interessado em responder.

Redação

3 Comentários

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  1. Nada obstante o Bolsonaro tenha afirmado publicamente que era preciso matar uns 30 mil esquerdistas, entre eles o FHC; que ‘enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo, pois se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas’, a Rede Bobo alimentava a ilusão de que ele era democrático.

    Olha um trecho do editorial do Jornal o Globo:

    “(…)
    Chamá-los de patifes, canalhas e porcos não diz nada deles, mas muito dos valores de quem profere insultos tão indignos. É preciso repudiar tal atitude do presidente da forma mais veemente possível e denunciá-la como a de UM HOMEM QUE, HOJE NÃO SE TEM MAIS ILUSÕES, NÃO COMUNGA DOS VALORES DEMOCRÁTICOS MAIS BÁSICOS. Não se esperem, contudo, reações no mesmo nível. Espere-se mais jornalismo. Espere-se a busca pela verdade, de forma destemida, que retrate os fatos como eles são, positivos ou negativos, inclusive sobre o governo. E que denuncie qualquer tentativa de cercear as liberdades de nossa democracia”.

    Pimenta nos olhos dos esquerdistas é refresco nos olhos do Clã Marinho e dos seus lambe-botas.

  2. A milícia no comando a tese das eleições de 2018. Conforme tudo que tem noticiado, a Polícia Civil e Ministério Público já tinham informações da ligação dos bolsonaros com o assassinato de Marielle e Anderson antes das eleições e calibraram o processo para não prejudicar a eleição da famiglia de melicianos.

  3. Bela análise… o óbvio nesse mundo de informações passa desapercebido… como, por exemplo, ninguém ter analisado o porqu^é de o MPF ter escolhido o nome ‘Januário’ para criarem seu contatos… uma marca registrada do MPF é a escolha dos nomes das operações.

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