DCM conta como funcionava a empresa de fachada da Globo

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Diário do Centro do Mundo

EXCLUSIVO: Nas Ilhas Virgens, nosso enviado conta como funcionava a empresa de fachada da Globo
 

Em uma nova reportagem da série sobre a compra dos direitos da Copa do Mundo de 2002 pela Globo, o jornalista Joaquim de Carvalho foi às Ilhas Virgens contar in loco como funcionava a empresa de fachada. Joaquim esteve no paraíso fiscal e visitou a suposta sede. As demais matérias podem ser encontradas aqui.

O "endereço" da "Empire": empresa da Globo nunca funcionou aqui

O “endereço” da “Empire” nas Ilhas Virgens: empresa “era só no papel”, diz advogado

O dia amanhece com galos cantando em pleno centro de Road Town, capital das Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, onde, em 2001, a Rede Globo comprou uma empresa por cerca de 220 milhões de dólares. O que poderia haver de tão valioso no Caribe para que a Rede Globo fizesse um investimento deste porte?

O esconderijo para um tesouro é a resposta mais apropriada. Exatamente como no tempo dos piratas, que por sinal fizeram história por aqui, como o lendário Barba Negra. E para piratas no passado, assim como para sonegadores de impostos, corruptos, traficantes de drogas e de armas no presente, o melhor lugar do mundo é onde se pode guardar a riqueza ilícita longe dos olhos das autoridades. Um paraíso. Isso é Ilhas Virgens.

Quem conhece bem os meandros deste paraíso fiscal é o advogado brasileiro Marcelo Ruiz, que desde 2011 trabalha para um escritório de recuperação de ativos instalado no centro financeiro de Road Town. Seu trabalho é descobrir quem está por trás das empresas abertas no país, que integra a Coroa Britânica, e repassar os dados para os escritórios das nações onde correm processos — Cayman, Suíça ou Brasil, por exemplo.

Ele, evidentemente, não trabalha sozinho. Além dos advogados de todos os continentes que dividem com ele um andar inteiro no edifício Fleming House, onde está uma das maiores empresas de telefonia móvel do país, a Lime, ele trabalha com a Kroll e outras empresas de investigação formada por ex-agentes da CIA, Scotland Yard e FBI.

“Essas empresas trabalham para a gente como suporte. Mas quem repatria são os advogados”, diz. Tudo com base na lei. No passado, era quase impossível chegar aos crimiminosos. Mas a justiça no mundo inteiro tem reconhecido o direito da vítima de identificar seus algozes e reparar o dano, inclusive o financeiro – caso de acionista lesado, ex-esposa passada para trás na partilha e nós, o povo, no caso da sonegação ou da corrupção.

“Havendo um processo judicial, mesmo que em outro país, a justiça reconhece o direito de quebrar o sigilo da empresa sob sua jurisdição”, explica Marcelo.

Foi assim que escritórios parceiros da banca onde Marcelo trabalha repatriaram o dinheiro da corrupção no caso do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, e do ex-prefeito Paulo Maluf, de São Paulo.

Marcelo não entra em detalhes por conta de cláusulas de confidencialidade, mas admite que seu escritório trabalhou no caso em que Ricardo Teixeira foi acusado de receber propina para favorecer emissoras de telvisão na venda dos direitos de transmissão da Copa do Mundo. O suborno foi depositado numa conta de empresa aberta nas Ilhas Virgens Britânicas. Ricardo Teixeira fez acordo com a Justiça na Suíça, sede da Fifa, pagou multa milionária e se safou de uma condenação. Mas teve que se afastar do futebol profissional, e vive num autoexílio na Flórida, Estados Unidos.

Road Town não é a única coincidência que une a Globo a Ricardo Teixeira. Assim como o ex-presidente da CBF e dirigente da Fifa, a Globo também buscou refúgio naquele paraíso fiscal. Em junho de 1999, através de outra empresa offshore, a Globo abriu a Empire Investment Group Ltd., com capital de aproximadamente 220 milhões de dólares.

Em 2001, a Globo comprou, através de sua matriz brasileira, a mesma empresa. Informou ao Fisco que buscava expansão no mercado internscional de TV, e omitiu o fato de que a empresa já era dela. Mais tarde, quando investigou a Globo, a Receita Federal descobriu a fraude.

O auditor fiscal Alberto Zile escreveu: “As operações arroladas dão a clara ideia de que vários atos praticados pela fiscalizada estavam completamente dissociados de uma racional organização empresarial e, consequentemente, de que a aquisição da sociedade empresarial nas Ilhas Virgens Britânicas foi apenas um disfarce de uma aquisição dos direitos de transmissão,  por meio de televisão, da competição desportiva de futebol internacional, com intuito de fugir da tributação”.

A Empire era titular dos direitos de transmissão, comprados por outra offshore da Globo junto a uma intemediária da Fifa, a ISL. A Empire, apesar de possuir um bem tão valioso como o direito de transmissão da Copa do Mundo, funcionava sem sede própria nas Ilhas Virgens.

A Empire dividia o mesmo endereço da Ernst & Young Trust Corporation, com a qual compartilhava também a caixa postal. “Com essas informações, não resta dúvida, a Empire era só papel, não tinha atividade nenhuma”, diz o advogado brasileiro que trabalha em Road Town desvendando o que há por trás das offshores.

Quando cheguei a Road Town, através de um barco que faz a travessia de Saint Thomas, nas Ilhas Virgens Americanas, onde tem um aeroporto maior, fui procurar a Empire. “Nunca ouvi falar”, disse o funcionário de uma empresa de informática no térreo do prédio onde funcionava a Ernst & Young.

“Já prestei serviço para muitas empresas daqui, mas nunca soube que existisse essa empresa Empire. Duzentos e vinte milhões de dólares? É muito dinheiro…”, comenta o taxista Roy George, um dos poucos que aceitam se identificar num assunto “muito delicado”, como observa o dono de uma empresa vizinha da Empire.

A Ernst & Young dividia a mesma caixa postal com a Empire

A Ernst & Young dividia a mesma caixa postal com a Empire

Os documentos de fundação da Empire trazem apenas a assinatura de uma procuradora autorizada, Nancy E. A. Grant, e de uma testemunha, Hellen Gunn Sullivan. Eu procurei as duas, primeiro no antigo escritório da Ernst & Young, no Jayla Place. “Eles se mudaram”, informou a gerente da Appleby, empresa que também administra offshore (legal, como informa em seu site), que agora ocupa a metade do terceiro andar do edifício antes sede da EY.

A Ernest & Young foi para outro endereço, mais distante do centro, no luxuoso prédio Ritter House, ao lado da marina The Moorings. “Não conheço nenhuma delas”, diz a advogada que nasceu em Santo Domingo, República Dominicana, que me atendeu em pé, na recepção do escritório. Ao ser informada do assunto, fez questão de esclarecer: «Em Road Town, não administramos mais offshore. Somos uma empresa de contabilidade.»

É um fato. A EY transferiu todas as suas atividades de trust (administração por relação de confiança) para as Bahamas, e vendeu seus ativos (as empresas de papel) para a Tricor, que funciona no prédio do First Caribbean Bank. Carol, a gerente inglesa da Tricor,  demonstrou incômodo quando me apresentei como jornalista brsileiro.

“O que você faz aqui?”, questionou, para em seguida dizer que Nancy, a procuradora da Empire (leia-se Globo), era sua antecessora na gerência da empresa. “Ela voltou para a Inglaterra, mas mesmo que estivesse aqui não poderia dar informação. Essas informações são fechadas”, disse.

Certamente, ela não sabe que a propriedade da Empire deixou de ser segredo quando o auditor Alberto Zile, a partir de uma denúncia vinda do exterior, vasculhou os documentos da Globo e descobriu que a Empire foi criada pela própria empresa brasileira. Segundo a Receita, o objetivo era sonegar impostos, o mesmo objetivo de milhares de empresas que se instalam por aqui.

Nas Ilhas Virgens Britânicas, os agentes fiduciários silenciam, mas o galo canta por toda parte, e é comum ver galinhas e pintinhos pelas praças e ao redor das mesas dos restaurantes à espera de que alguém jogue comida. É que a ave vive livre como os pombos no Brasil, embora os moradores gostem da carne no prato. Mas comem apenas o que compram no supermercado.

“Muitos séculos atrás, os espanhóis trouxeram as galinhas, e elas foram crescendo, crescendo, e nós gostamos de vê-las por aí”, conta o taxista Roy George, que tem curso superior. O filipino Gilberto Fabian se surpreendeu quando chegou ao país para trabalhar um ano atrás e viu tantas galinhas pela rua. “Em Manila, não ficava uma viva. O povo lá tem fome”, afirma

As Ilhas Virgens Britânicas têm uma das rendas per capita mais altas do mundo — quase 40 mil dólares por ano, salário mínimo de 2 500 dólares –, graças a uma economia impulsionada pela natureza bela e exuberante e ao suporte nos negócios financeiros. O segredo é a razão do sucesso do mercado financeiro.

Empresas instaladas aqui pagam taxas anuais, que garantem boa receita ao governo, mas não são nada se comparado ao que pagariam de impostos em seus países de origem. Este é um dos motivos da instalação de mais de quinhentas mil empresas, o dobro do número de habitantes.

Existem empresas que se instalam em Road Town, ainda que só existam no papel, e agem dentro da lei em seus países de origens, mas para a Receita Federal não foi este o caso da Globo. Não foram também as praias de água cristalina nem a floresta verde esmeralda que a fizeram aportar por aqui. Ilhas Virgens Britânicas se apresentam como Nature’s Little Secrets. Ou Segredinhos da Natureza. É um slogan que explica alguma coisa.

Um país cujo slogan apropriado é "Segredinhos da Natureza"

Um país cujo slogan apropriado é “Segredinhos da Natureza”

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

25 Comentários

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  1. Pois é…

    Enquanto isso a gente rala prá ver o leão tungar 27%, e como não bastasse, tem gente que acha que é pouco. Se a receita fizesse o serviço direito, quem sabe…

  2. Bem se vê que quem escreveu a

    Bem se vê que quem escreveu a materia não tem a menor noção do tema. Empresas off shore são expressões virtuais, graficas, elas não tem endereço fisico, numa sala tem MIL empresas, o manejo é feito em Genebra, Nova York ou Londres, ninguem vai as Ilhas Virgens Britanicas abrir uma empresa ou ir lá para ver se ela existe. A off shore existe numa  tela de computador, não tem nada lá nas Ilhas Virgens. Esses assuntos quando caem na mão de leigos é uma m….

      1. Pelo que sei a Receita AUTUOU

        Pelo que sei a Receita AUTUOU a Globo, isso não significa que sonegou e sim que a Receita tem uma interpretação

        diferente daquela do contribuinte. SONEGAR é quando o contribuinte ESCONDE e não contabiliza uma transação,

        uma empresa do tamanho da Globo não tem condições de “”ESCONDER” transações de milhões de dolares, isso é na pratica impossivel. O que deve ter acontecido e acontece com praticamente todas as empresas médias e grandes do Brasil é uma autuação por divergencia de entendimento, o contribuinte acha que não devia pagar imposto e a Receita acha que devia, existem trilhões de Reais de autuações andando nas Delegacias de Julgamento (1ª Instancia administrativa)

        Conselhos de Contribuintes (2ª Instancia adm), Conselho Recursal (3ª Instancia), depois começam as Instancias Judiciais (4).

    1. .

      A questão, AA, é que a matéria não trata da existência física ou virtual da empresa, mas justamente do objetivo de utilizar o expediente de criar off shores para sonegar e esconder dinheiro sujo.

      A forma empregada ou a localização geográfica para o golpe é apenas um detalhe.

      1. Hoje em dia a Receita Federal

        Hoje em dia a Receita Federal do Brasil está super aparelhada e tem acordos internacionais de cooperação para controlar toda e qualquer operação de empresas brasileiras com paraisos fiscais. Acontece que 99% dessas operações são ABSOLUTAMENTE LEGAIS desde que declaradas e todas as empresas declaram porque isso não custa nada e protege de riscos, ninguem envia ou recebe milhões de dolares em malas, todas as transações forex são via Banco Central, com registro e IOF pago. O grosso de investimentos estrangeiros no Brasil vem de paraisos fiscais, grandes empresas multinacionais controlam suas subsidiarias aqui via Ilhas Virgens, Cayman ou Bermudas. Isso pode ser feito e é feito com todos os registros e impostos pagos, os paraisos ACEITOS pela Receita são os que aceitam controles ou tem acordos de bitributação. Pode ser que algumas operações sejam discutiveis, mesmo registradas e contabilizadas e ai a Receita autua,

        deve ser o caso da Globo.

  3. Bom , se a receita federal

    Bom , se a receita federal descobriu a sonegação em 2002 , gerou um processo na procuradoria da fazenda , pergunta-se :  a Globo pagou a divida a vista ? , houve parcelamento ?. Em 2014 o governo abriu o refis para parcelamento de dividas da receita ,para pessoas físicas e jurídicas , outra pergunta:  a globo entrou neste refis ? . Garanto que um bom jornalista independente e de boas fontes conseguiria clarear tudo , não é muito dificil.

    1. A GLOBO não pagou e nem

      A GLOBO não pagou e nem entrou no Refis porque a divida está sob recurso administrativo, se perder ainda tem o recurso judicial, isso leva anos, mas para recorrer tem que dar garantia ao Fisco, pode ser deposito ou fiança.

      Eu não sou a favor da Globo, muito pelo contrario,  vi porque fui obrigado um capitulo da novela IMPERIO, só esse lixo justifica lacrar a Globo aberta por 15 dias e ainda temos que aturar outros lixos como Faustão, Huck, etc.

      Mas eu sou contra o Besteirol, pensamentos desconexos e sem logica, nenhuma grande empresa paga de cara autuação da Receita, nem as estatais, há direito de recorrer da autuação e todas grandes empresas abertas são obrigadas a recorrer até o fim de autuações fiscais, se não o fizerem os acionistas podem processar a Diretoria.

  4. muitos até dispensam paraisos fiscais…

    melhor lugar para se proteger ou ocultar  identidades e tramóias financeiras é na Globo mesmo

    digo isto porque nunca vi qualquer um dos seus protegidos ser denunciado e julgado

    se alguém tem conhecimento da existência de algum, por favor, coloque aqui que eu retiro o que coloquei

     

  5. tratando-se de dar 10 para se livrar de 1000…

    se existe realmente, proteção tem alcance nacional

    e se bobear até funcionários públicos duplos, os com duas fontes de renda

    1. só no meu circulo de amizades…

      conheço 3 que ganham 10 e vivem com 1000

      e confessam abertamente e ainda me chamam de otário por seguir vítima de bitributação, já por mais de 10 anos, acreditando que a justiça superior e suprema vão reconhecer e acompanhar a decisão de primeira instância

      próprio juiz que decidiu favoravelmente já morreu de tanto esperar por justiça

  6. Da Série ‘Vaso Ruim Não Quebra’

    Três momentos de Princípios Editoriais:

    Desde a década de 1950 sempre ao lado do povo brasileiro….

     

    Segundo: 1º de abril de 1964 – Editorial:  Ressurge a Democracia!

    Os democratas podem ser vistos nas imagena abaixo…..

     

    E terceiro,  janeiro de 2014: contra o aumento “abusivo” do salário mínimo…

    Os malefícios da indexação do salário mínimo

    Editorial , 12/01/2014

    (clique no título para abrir o link)

  7. A rede globo como todo o

    A rede globo como todo o moralista é hipócrita, esse câncer precisa ser extirpado da vida nacional para o país viver sua democracia na plenitude.

  8. Todo discurso é como se ter

    Todo discurso é como se ter conta em paraíso fiscal foi por bandidagem, quando até o STF, caso Ducda, reconehce que poser usar isso para pagar contas de campnha, sem que haja qualqurer imoraldiade de fato. Assim como, grandes escpecialistas como Dirceu que presta assessoria para grandes grupos pelo mundo não pode receber tudo em conta aqui, pois o leão iria comer tudo

  9. EI

    Esta é outra?

    http://www.empireinvestments.eu/en/

    Welcome to EMPIRE INVESTMENTS GROUP LTD

    Company EMPIRE INVESTMENTS GROUP LTD welcomes you to its new website. Our goal is to bring you comprehensive information on the activities of our company, investment opportunities and possibilities, and we offer services in investment and financial advice.

    We hope you will find all necessary information to us for you to become a professional partner.

  10. O outro lado do muro

    A versão que ninguém aqui acredita:

    FOLHA – 04/07/2013 

    http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/07/1305953-fisco-multa-globo-em-r-274-milhoes-por-direitos-da-copa-de-2002.shtml

    ……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………..

    “Por meio de sua assessoria, a Globo Comunicação e Participações, que controla a TV Globo, informou que não existe pendência tributária da empresa com a Receita referente à aquisição dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.

    “Os impostos devidos foram integralmente pagos e todos os procedimentos deram-se de acordo com as legislações aplicáveis”, diz a empresa em nota.

    “A empresa discute a cobrança de tributos nas instâncias responsáveis, como é direito de todos os contribuintes, sempre seguindo os procedimentos previstos em lei. Nenhuma das cobranças discutidas atualmente refere-se à aquisição de direitos de Copas do Mundo.”

    A Folha enviou perguntas à emissora, pedindo esclarecimentos sobre o pagamento, a situação cadastral da empresa e a suposta irregularidade na compra dos direitos da Copa de 2002.

    A Globo não quis comentar porque a “publicação de documentos relativos à sua situação tributária configura quebra de seu sigilo fiscal”. 

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