Democracia e Fake News, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Democracia e Fake News, por Fábio de Oliveira Ribeiro

No início do vídeo em que comenta as Fake News, Luis Nassif diz que o fenômeno existe desde que o mundo é mundo. Ele tem toda razão.

Por volta do ano 450 a.C. os cidadãos de Téos (Jônia, Ásia Menor) aprovaram uma série de Medidas contra os inimigos públicos. Destas merece destaque o seguinte fragmento:

“Não vou conspirar ou revoltar-me ou instigar a dissensão e a divisão. Não vou perseguir ninguém ou confiscar o bem ou prender ou matar, a menos que a pessoa seja condenada por pelo menos duzentos cidadãos de Téos, de acordo com as leis…” (Leis da Grécia Antiga, Ilias Arnaoutoglou, Odysseus, São Paulo, 2003, p. 98) 

Por volta do ano 40 a.C. Júlio César escreveu seu famoso relato sobre a Guerra Civil. Dele podemos destacar um fragmento bastante significativo que se encontra no Livro Segundo:

“Nonnulla etiam ab iis qui diligentiores uideri uolebant fingebantur.”

“Algumas notícias eram fruto da imaginação mesmo daqueles que queriam passar por mais bem informados.” (Bellum Civile, Caio Júlio Cesar, tradução de Antonio da Silveira Mendonça, Estação Liberdade, São Paulo, 1999 p. 170 e 171)

A produção e circulação de boatos, portanto, existe desde que o mundo é mundo. A preocupação com a veracidade da informação não é nova. Os boatos podem afetar de maneira negativa os interesses daqueles que desejam estabilizar ou controlar politicamente uma sociedade (Lei de Téos) ou vencer uma guerra civil (Júlio César).

A solução encontrada pelos antigos e desejada por alguns na atualidade (repressão e censura) não é compatível com o regime democrático. A liberdade de consciência e de expressão permite inclusive a divulgação das chamadas Fake News. Além disso, a própria imprensa tradicional, que agora diz pretender combater o fenômeno, também está fadada a produzir e colocar em circulação informações inverídicas (caso da Escola Base), distorcidas (edição maliciosa do debate Lula x Collor para prejudicar o petista; a Ficha Falsa de Dilma Rousseff divulgada pela Folha de São Paulo, etc…) ou inventadas (o Triplex atribuído a Lula é propriedade da construtora e foi dado por ela em garantia a CEF).

Mentir é algo repreensível. O autor de uma mentira que cause prejuízo material ou moral a alguém pode e deve ser responsabilizado na forma da legislação em vigor. Impedir alguém de mentir, porém, é algo que não pode ocorrer. A responsabilidade do mentiroso nasce com o prejuízo e não com o próprio ato de mentir. Além disso, se a imprensa puder produzir Fake News (e nós já vimos que os jornais, revistas e telejornais fazem isso involuntária e/ou deliberadamente) e os cidadãos foram impedidos de mentir o resultado não será menos insegurança democrática e sim mais despotismo.

O consenso fabricado pela imprensa não estabiliza a sociedade. O que ele faz é congelar as estruturas de poder de maneira a manter intacta uma estrutura social baseada na divisão clara entre aqueles que tem poder (dinheiro, influência política e capacidade de produzir e divulgar Fake News) e aqueles que são impotentes (para se defender da agenda da classe dominante, do Estado e das mentiras divulgadas pela imprensa).

Num Estado laico, democrático e plural o direito de colocar informações em circulação não pode pertencer exclusivamente ao Estado (como no nazifascismo), à uma religião (estados teocráticos como Israel e Irã) ou às empresas de comunicação (caso do neoliberalismo). Ninguém pode presumir que os cidadãos serão incapazes de escolher o que devem ou não devem pensar sobre este ou aquele assunto. A volonté générale não deve ser identificada com a vontade de um grupo de pessoas de capturar e comandar o mercado de opiniões para impor sua agenda particular como se ela fosse a única agenda pública passível de ser debatida e atendida pelo Estado.

A democracia é um regime político estável justamente porque admite a existência de tensões políticas e sociais que devem ser objeto de negociações permanentes. Ela retira sua força da instabilidade e pressupõe a livre circulação de notícias, opiniões e, inclusive, de Fake News. Tentar silenciar os adversários não é uma forma de assegurar o regime democrático e sim de destruí-lo suprimindo aquilo ele tem de mais característico: o direito de instigar a dissensão e da divisão para manter viva a sociedade e a economia mediante a repactuação constante das relações entre as classes sociais e os partidos políticos que as representam.   

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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