Folha de S. Paulo publica matéria isenta sobre privatização do Metrô

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Especialistas são unânimes quando afirmam que a privatização do transporte sobre trilhos não irá isentar Poder Público de custos

“Interesses políticos e ideológicos, senhor governador, é querer vender São Paulo para atender aos interesses de bilionários que querem lucrar com o transporte público”. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Conhecida por seu editorial comprometido com as privatizações desde a década de 1990, auge da política pública neoliberal, a Folha de S. Paulo, em sua versão impressa desta quinta-feira (5), surpreendeu e em matéria isenta tratou a respeito da transferência total do transporte público sobre trilhos da capital paulista para empresas privadas.

A matéria assinada pelo jornalista Tulio Kruse mostrou aquilo que os críticos das privatizações vêm apontando: praticamente todas as capitais do mundo, como Londres, Tóquio, Nova York, Cidade do México e Santiago, esse tipo de transporte é público com algumas parcerias público-privadas, as chamadas PPPs. Buenos Aires é a única que privatizou seu sistema. 

O assunto é tema central da greve deflagrada nesta terça-feira (3) pelos trabalhadores e trabalhadoras do Metrô, CPTM e Sabesp, empresa que também está no programa de privatizações para São Paulo estipulado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e apoiado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que atacaram a greve defendendo as privatizações. 

A reportagem da Folha ouviu especialistas que apontaram problemas e dificuldades na privatização do transporte público sobre trilhos. A necessidade do Poder Público subsidiar a operação seria o principal entrave. Isso porque a cobrança pelas passagens é insuficiente para custear a operação diária, o que, no mínimo, teria de ser compensado com aumentos no valor delas. 

No custo estão os salários, a manutenção de trilhos, vagões e locomotivas, além de investimentos nesta cadeia. Publicidades internas e arrendamentos de espaços se mostram insuficientes para viabilizar a operação. A matéria mostra que contratos do Metrô com as empresas que operam as linhas 4 amarela e 5 lilás, por exemplo, preveem remuneração extra por passageiro, além do bilhete. 

Poder Público e os custos

Conforme os especialistas ouvidos pela reportagem, o Poder Público não se livraria dos custos ao repassar a operação para o setor privado, conforme alardeiam, com entusiasmo suspeito, os defensores da privatização. Ocorre que o investimento público continuará ocorrendo mesmo que de forma indireta, e até mesmo direta: quem custeará a expansão da malha? 

A reportagem cita o especialista Sérgio Lazzarini, professor do Insper e da Ivey Bussiness School na Western University, do Canadá. Em um de seus livros, o professor explica que “o setor privado, com o objetivo de lucros e mais flexibilidade para alocar seus recursos, tende a ser operacionalmente eficiente, em termos gerais. Mas tem a necessidade de qualidade no serviço”. 

O contrato seria, para Lazzarini, o espaço para se desenhar bons negócios para o setor público, devendo garantir investimento em qualidade e preços acessíveis para a população mais pobre. Um balanço que, para o professor, é bastante difícil de ser atingido levando a problemas posteriores na prestação do serviço, além de custos ao Poder Público mesmo com a privatização. 

Para o diretor de mobilidade urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, ouvido pela Folha, os governos precisam debater novas fontes de financiamento para o transporte público. Para ele, se trata de um setor não rentável, ou seja, não é possível achar que o déficit é culpa do sistema e que a privatização irá saná-lo sem custos ao Poder Público.              

Linha 9: resultados da privatização 

Para os funcionários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, a CPTM, e da Companhia de Saneamento de São Paulo, a Sabesp, a greve serviu para comunicar a sociedade que eles são contra a ideia do governador de repassar ambas companhias para o setor privado. Tarcísio tomou a greve como ilegal: o local correto para expressar a opinião seria nas audiências públicas.

Além disso, o governador usou a greve para propagandear a privatização: em meio às dificuldades de locomoção geradas pela greve, Tarcísio declarou que a Linha 9-Esmeralda da CPTM, em Osasco, estava em pleno funcionamento porque foi privatizada, ou seja, a população deixaria de sofrer com paralisações e greves com os transportes públicos sobre trilhos em mãos privadas.   

Menos de 24 horas depois da declaração de Tarcísio, o teto da Linha 9-Esmeralda da CPTM desabou, durante a tarde desta quarta-feira (4). O evento trouxe à tona uma quantidade constrangedora de problemas da linha aos defensores da privatização, entre eles o próprio governador, que se calou diante do caos e políticos de seu entorno falaram em sabotagem.   

Para se ter uma ideia do tamanho da encrenca, o Ministério Público de São Paulo decidiu voltar a investigar as falhas na operação da Linha 9, alvo de constantes interrupções no funcionamento. Os casos já motivaram um acordo a prever o pagamento de 150 milhões de reais em indenização aos cofres públicos. A única sabotagem possível de se atestar parece ser a privatização.  

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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