Jornalismo investigativo perdeu lugar para o declaratório, avalia J. Carlos de Assis

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Economista e ex-repórter da Folha, J. Carlos de Assis fala ao GGN sobre o caso Delfin-Capemi, que lhe rendeu um Prêmio Esso nos anos 1980

Entrevista: Luis Nassif

Imagens e edição: Pedro Garbellini

Jornal GGN – Economista, ex-repórter da Folha de S. Paulo e vencedor de um Prêmio Esso graças a uma série de reportagens sobre o caso Delfin, José Carlos de Assis disse ao GGN que o jornalismo investigativo sofreu com o processo de “degradação” da imprensa e perdeu espaço para o chamado jornalismo declaratório. Hoje, os escândalos revelados em páginas de jornais contam, na maioria dos casos, com a mão amiga e interesseira de diversos atores, ao contrário do que ocorria há décadas, quando o jornalista cavava furos sozinho.

Para Assis, que também escreve ao GGN regularmente, os meios modernos de produção de notícia contêm elementos “deletérios” para a sociedade e para o próprio jornalismo. Como exemplos, ele citou a cobertura da Operação Lava Jato, com procuradores, juízes e policiais federais ocupando muito mais espaço na mídia do que os crimes e os investigados, além do noticiário econômico, viciado em ouvir agentes de mercado interessados no próprio lucro que, não raras vezes, topam distorcer dados em entrevistas que não apresentam contrapontos.

Autor do livro “Os sete mandatos do jornalismo investigativo”, Assis destacou que, no geral, para se fazer bom jornalismo, é necessário estar sempre subordinação à ética. No caso do jornalismo investigativo, a regra número um é ser discreto. “Você não chega a uma investigação para valer se não for discreto. Se abrir todas as bandeiras, não vai ter acesso às informações importantes”, comentou, em entrevista ao jornalista Luis Nassif, no final de setembro.

“O que eu aconselharia ao jovem repórter é: se você escolher o jornalismo investigativo e não simplesmente o jornalismo, a primeira coisa é a seguinte: investigue por conta própria. Não se satisfaça com o ‘fulano disse que’. (…) Hoje não tem propriamente jornalismo investigativo no Brasil. Você tem o jornalismo do ‘disse que’, o jornalismo declaratório. Veja a Lava Jato: tem juiz instrutor, procurador e polícia. Três poderes, e um quarto, que é a imprensa. Do outro lado, sozinho, o réu. É uma situação desequilibrada. Imagina se o cara é inocente.”

Para Assis, “A liberdade de expressão e de imprensa é a arma do cidadão. Não devem ser usadas como forma de injúria, difamação e calúnia. A imprensa não é para o dono de jornal, ela é para o cidadão! O cidadão se defende através da liberdade de imprensa. Não existe isso de se passar a palavra final para a polícia, a Procuradoria ou o juiz. Até sentença de primeira instância pode ser questionada.”

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Critérios e interesses

O segundo mandamento do bom jornalismo investigativo é ter critério para saber distinguir o que é notícia relevante do que não é. “Você tem que ter capacidade de avaliar o campo no qual está trabalhando para, sobretudo, não cometer nenhum tipo de injustiça. Afinal, o jornalista individual vale muito pouco, mas a imprensa como um todo vale muito. No momento em que você coloca no jornal uma denúncia, aquilo é irreversível”, apontou.
Outro elemento apontado por Assis é o cuidado com os interesses. “Em economia, o que acontece hoje é a coisa mais deletéria que tem na imprensa brasileira, que é a informação econômica dada pelo assessor de banco. A assessor de banco tem interesse envolvido. Não faz sentido você ouvir um diretor de banco para falar de câmbio, juros, controle fiscal. Eles ganham dinheiro com isso. Tem gente que manipula”, exclamou.
Mais um mandamento: nada de heroísmo. “Você contamina a matéria com suas próprias vaidades. No jornalismo, é impossível a neutralidade absoluta, mas quanto mais parcial você for, melhor é a qualidade do seu trabalho. Para isso, é fundamental você não bancar o artista.”

Os casos Delfin e Capemi

No início dos anos 1980, quando começou a batalha pela redemocratização, um dos capítulos centrais da história, mas pouco conhecida, foi a série de reportagens na Folha de S. Paulo sobre o escândalo Capemi. “Era a primeira vez que o estamento militar como um todo havia sido apanhado em uma denúncia grave de corrupção”, destacou Luis Nassif. Precedendo aqueles fatos, entretanto, vem o caso Delfin, que rendeu a José Carlos de Assis um Prêmio Esso na categoria reportagem, ainda naquela década.

O caso Delfin foi um caso de crime financeiro de grande repecurssão. Assis revelou em seu espaço na Folha que o conglomerado financeiro de crédito imobiliário dirigido por Ronald Levinsohn possuia uma dívida bilionária com o Banco Nacional de Habitação e havia negociado a dívida de maneira irregular. Pouco tempo após a divulgação da reportagem, o grupo foi levado à falência por causa da retirada em massa de fundos de clientes que ficaram com medo de terem seus rendimentos desfalcados para cobrir a dívida.

Para tentar tirar a atenção da mídia sobre o Grupo Delfin, Levinsohn teria entregado à revista Veja o relatório de uma apuração feita por um jornalista morto após se meter em uma negociata com grupo de militares possivelmente ligados ao general Newton Cruz. O documento revelava esquema de corrupção na Capemi, uma instituição que trabalhava com previdência privada e que se aventurou no ramo do agronegócio antes de quebrar.

O assunto é retratado no livro de José Carlos de Assis, que levantou a tese de que Levinsohn teve acesso ao relatório divulgado pela Veja porque era dono de um imóvel ocupado pelo jornalista Alexandre von Baumgarten, autor do relatório divulgado por Veja, que desapareceu talvez por ter criado uma relação de “chantagem” com os militares influentes na Capemi. Para não divulgar as informações que obtinha sobre a instituição, Baumgarten teria negociado financiamento estatal para ressuscitar a revista O Cruzeiro, alinhada com a ditadura.

“No meu ponto de vista, não era Newton Cruz [o culpado pela morte de Baumgarten]; [o desaparecimento] tem a ver com esquema de chantagem envolvendo o projeto Tucuruí. Essa história eu rememoro um pouco no livro, porque é um escândalo investigado sem nenhuma contribuição da polícia, Ministério Público, juízes de Direito. Isso é jornalismo investigativo”, indicou Assis.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=ivnmGI3HNJQ height:394

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. que pese o talento

    que pese o talento jornalíxtico em tela, agora compreendo o porquê das opiniões do jornalista (pensei que fosse economista formado pela ufrj)

  2. tal qual a lava jato, pois no

    tal qual a lava jato, pois no final CapemiDelfin nenhum corrupto pegou nada, mas milhares perderam emprego e dinheiro

  3. Manutenção cultural de crime no espaço democrático de direito.
    É como se fosse apenas uma pessoa que escreve a todos esses veículos de informação e “jornalismo”. E quando escondem informações, em qualquer um deles, cometem crime de informação, pois o estado e a sociedade têm, ambos, a obrigação do esclarecimento amplo para melhor qualidade de reflexão do indivíduo, mais racional e verdadeiramente autônomo. Isso é de interesse público, cidadãos verdadeiramente críticos e participativos, esclarecidos e ativos. Isso só pressiona à qualidade da própria administração pública, a consequência é progressista e positiva à sociedade. Essa é a base para boas escolhas e base para crescimento e amadurecimento de nossa democracia, qualquer pessoa com um mínimo de bom senso admite isso. O que não se pode admitir é exatamente a parcialidade da velha mídia familiar. Esconder informação é adulterar propositadamente a realidade, e sempre a favor de outros interesses que não o de amplo esclarecimento, que é obrigatório por se tratar de concessão pública. A consequência é prejudicial ao amplo esclarecimento. O estado, através da concessão à tv, não participa isento na garantia da amplitude de visão da realidade, e sustenta uma distorção manipuladora e prejudicial aos interesses comuns e do próprio indivíduo, na medida que este paga seus impostos e tem direito à informação, e tem direito, também, às escolhas que irão equilibrar as relações socias. Escolhas vindas, repito, da amplitude da visão sobre a realidade, e não propositadamente facetada. Agora, cadê os juízes? Sim, deve-se perguntar, afinal, quê juiz que se levantará contra isso? Me refiro ao tipo de juiz, sim, ou seja, o que manterá culturalmente esses crimes desavergonhados e canalhas, leniente, ou algum que, tendo verdadeiro brio republicano, se levante contra?

    Será que estão todos os juízes e desembargadores cegos? E, outra: Quanto eles ganham por mês? Quais os seus salários? A sociedade está atenta aos seus custos, juízes e desembargadores, e também muito atenta a que tipo de benefício trazem, a conta está pesada e nem um pouco agradável.

     

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