O escândalo HSBC coloca em xeque a liberdade de expressão

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Carlos Castilho

Do Observatório da Imprensa
 

No Brasil, o megaescândalo de lavagem de dinheiro na sucursal suíça do banco inglês HSBC passou em brancas nuvens apesar haver suspeitas sobre oito mil correntistas brasileiros. Mas na Europa o tema está provocando conflitos entre profissionais nas redações e a direção de jornais importantes como Le Monde, na França, e Daily Telegraph, na Inglaterra.

No Monde, que foi um dos jornais líderes na investigação do escândalo, os donos criticaram duramente repórteres e editores sob a alegação de que o noticiário prejudicou interesses financeiros da empresa editora do matutino de tendência liberal. Pierre Bergé, um dos dois principais controladores da empresa editora do Le Mondeacusou a redação do jornal de “populismo barato” e incentivo aos “instintos mais baixos” das pessoas.

Bergé é um dos três milionários franceses que em 2010 compraram o Le Monde para evitar que o jornal fechasse. Os demais sócios – Mathieu Pigasse, presidente do banco de investimentos Lazzard e Xavier Nigel, magnata das telecomunicações – apoiaram as declarações do fundador do grupo Yves Saint Laurent. Pigasse chegou a classificar a cobertura do escândalo HSBC como um “macartismo fiscal”.

Mas os três milionários foram ainda mais longe na verbalização de suas queixas contra o jornalismo praticado pela redação do Le Monde ao afirmar candidamente que “não foi para isso que decidiram assumir o controle do jornal”. Pouco depois que Bergé, Pigasse e Nigel compraram o Le Monde, eles assinaram um acordo pelo qual garantiam total independência editorial para os jornalistas, mas agora estão arrependidos do trato feito.

No britânico Daily Telegraph, o seu principal comentarista político, Peter Oborne, renunciou ao cargo e pediu demissão do jornal acusando os seus proprietários de “fraudar os leitores” ao deliberadamente omitir informações relacionadas às denúncias de que o HSBC ajudou cerca de 100 mil clientes a lavar 180 bilhões de euros (pouco mais de meio trilhão de reais) em sua agência de Genebra, na Suíça.

Oborne vinha criticando a direção do jornal desde 2013, quando o HSBC suspendeu a publicidade no Telegraph depois de ser apontado pelo jornal como cúmplice de nebulosas transações financeiras no paraíso fiscal da ilha Jersey, controlada pelo Reino Unido, no canal da Mancha. O jornalista informou que, na época , um dos executivos do Telegraph lhe disse que o banco “era um cliente importante demais para ser ignorado”.

No Brasil, os jornais GloboFolha Estadão deram uma cobertura microscópica ao escândalo HSBC, como já comentou neste Observatório o colega Luciano Martins Costa. A situação mais embaraçosa é a da Folha de S.Paulo, que participou da investigação sobre o HSBC coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, mas preferiu a omissão quando o problema esbarrou nos interesses comerciais da imprensa.

O caso HSBC tornou-se exemplar não apenas pelo fato de resultar de um esforço coletivo de um grupo de jornais, numa rara atitude de colaboração mútua, mas principalmente porque colocou na ordem do dia a independência das redações diante dos interesses comerciais dos donos de empresas jornalísticas. Patrões e empregados foram colocados em campos opostos num tema crítico como a lavagem de dinheiro e as suas óbvias ligações com a corrupção.

A retórica da independência editorial e da liberdade de expressão nas redações ficaram seriamente arranhadas com a reação pública ou dissimulada de muitos donos de jornais que não tiveram dúvidas em colocar o dinheiro acima da informação na hora de enfrentar as consequências de divulgação de um escândalo envolvendo corrupção em escala planetária.

Os mesmos jornais que mergulharam fundo na investigação das denúncias de caixa 2 na Petrobras, agora “olham para o outro lado” quando se trata de um banco que gasta por ano meio bilhão de dólares em publicidade em todo o mundo.

A reação dos donos colocou os profissionais nas redações numa situação difícil, conforme Roy Greenslade, principal analista da mídia no jornal inglês The Guardian. Para ele, o caso HSBC colocou dramaticamente em evidência o aforismo de que a liberdade de expressão na imprensa só funciona para os seus donos. Com exceção do Guardian, que é controlado por uma fundação, nos demais grandes jornais do mundo o caso HSBC está sendo tratado com panos quentes. Peter Oborne é, por enquanto, o único profissional de renome mundial a hipotecar o seu emprego na defesa da liberdade de expressão nas redações. 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

13 Comentários

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  1. …aqui no Brasil…

    ..os “jornais” sabem que, se o gov cair, no próximo, a Petrobras gastará ainda MAIS  em publicidade..

    Agora, é quase um investimento (demoníaco) os jornais fazerem o que fazem, portanto..

    Como já outros disseram, o governo entrou numa hilária e “desgraçada” (na pior acepção possível) sinuca de bico. Ele, através da publicidade atual de suas estatais, financia sua própria derrocada.

     

  2. Reflexão

    Há um propósito subliminar quando se fala em liberdade de expressão no caso do HSBC. Como num jogo de poker há um blefe no ar.Em politica partidária tudo é possível. No mais, esta lista de correntistas nunca será divulgada na íntegra, o que suscitará infinitas especulações. Nada é impossível aos simpatizantes . Nesta escalada a imprensa corporativa está fazendo escola..

  3. A negação da mídia nacional e

    A negação da mídia nacional e internacional em divulgar a lista do HSBC é o maior escândalo da história do jornalismo de todos os tempos deixando claro que os interesses comerciais e econômicos de seus proprietários estão sempre à frente da verdade.

  4. Exatamente O escãndalo

    Exatamente O escãndalo desmascar o controle de informação de fundo econômico e (me desculpe, cara amigo Marx) ideológico1

  5. Não há dúvida que no caso

    Não há dúvida que no caso doThe Telegraph houve influência comercial ( tem empréstimos do HSBC), mas já lí várias defesas de que as estatais não anunciem em quem critica.

    Enfim, o interessante é que não existe certo ou errado, existe lado do Balcão.

    Sarney, Barbalho, Renan, Maluf em contraposição a Marina, Eduardo Campos, Gabeira, Lobão e agora Marta.

    Difícil é fazer a platéia confusa entender, por isso PT encolhe, fruto das próprias contradições.

     

  6. Silêncio dos Culpados

    A história de evasão fiscal, em escala planetária, promovida sob as as asas do HSBC esbarra nos dois princípios básicos e norteadores da grande mídia brasileira: (1) a defesa dos interesses corporativistas, ou seja, os dela própria; (2) a partidarização ou editorialização das notícias; em outras palavras, tvs, rádios , jornais e revistas funcionando como verdadeiros partidos de oposição ao governo federal. Trocando em miúdos, a cobertura do escândalo HSBC fere os interesses financeiros da mídia e está em desacordo com o alinhamento político que ela adota. Portanto, quem, nessa altura do campeonato, ainda nutria alguma esperança a respeito da Liberdade de Expressão da mídia brasileira, vá tirando o cavalinho da chuva. 

  7. Berzzoínni, siga o exemplo do HSBC.

    “Oborne vinha criticando a direção do jornal desde 2013, quando o HSBC suspendeu a publicidade no Telegraph depois de ser apontado pelo jornal como cúmplice de nebulosas transações financeiras no paraíso fiscal da ilha Jersey, controlada pelo Reino Unido, no canal da Mancha. O jornalista informou que, na época , um dos executivos do Telegraph lhe disse que o banco “era um cliente importante demais para ser ignorado”.”

    Na minha modesta opinião o dinheiro de publicidade é do HSBC e ele investe onde quer, mais; Ele pode muito bem fazer o uso dessa verba de forma discricionária, “forçando” os veículos favorecidos a aliviar-lhe a barra em situações como essa que agora vive.

    Os veículos é que tem que fazer por onde não ficar a merçê da verba publicitária do cliente a ponto de ter que renunciar a seus compromissos de “independencia”. É do jogo.

    Agora pergunto: Qual o peso enquanto anunciante do quarteto Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios e por que diabos eles continuam a cevar a mídia brasileira enquanto ela manipula a sociedade contra um governo legitimamente eleito? Por que o governo, atravéz do Minicom não determina a essa empresas seguirem o exemplo do HSBC? Será que tambem essa 4 empresas não são clientes importante demais para ser ignorados?

    Demorô

  8. Se o Brasil tivesse governo

    Se o Brasil tivesse governo com “G” maiúsculo, deveria ao final da investigação internacional e nacional sobre os ilícitos o HSBC, ordenar ao BC que “casse” as cartas de autorização para funcionamento do HSBC em território nacional.

    Nosso mercado financeiro não necessita do HSBC, assim como de outros “bancos bandidos” , e a atitude serviria de alerta para outros bancos.

  9. os beneméritos da hipocrisia

    primeiro pousam como salvadores de valores de suas sociedades, como beneméritos, mas no fundo são somente hipocritas!

    DEIXE OS NEO-LIBERAIS CUIDAR DE VOCÊ E LHES AVISARAO QUANDO VÃO SUGAR SUA ÚLTIMA GOTA DE SANGUE.

  10. Liberdade de imprensa? Não. O
    Liberdade de imprensa? Não. O que há é uma conspiração da imprensa para suprimir a liberdade do povo brasileiro de votar nos petistas. A imprensa quer transformar o Brasil num imenso curral eleitoral tucano de qualquer maneira, inclusive corrompendo os fundamentos do jornalismo e rasgando a CF/88. Assim como escondem os crimes dos tucanos, os jornalistas estão a um passo de começar a fazer listas de pessoas que serão degoladas em frente das câmeras por terroristas pagos pelos veículos de comunicação (exatamente como ocorria durante a ditadura).

  11. depois que os escandalos  do

    depois que os escandalos  do aeroporto do aócio e aquele

    da coca do amigo dele passaram “EM BRANCAS NUVENS”,

    tudo é possível para permitir  omissões e engavetamentos

    de denúncias contra a chamada casa grande,

     historicamente corrupta, patrimonialista,

    direitista feroz e voraz a fim de qualquer coisa

    para derrrocar o governo progressista.

    de vez em quando até aparecem uns robozinhos

    canalhas e vendidos defendendo coisas sem quaisquer justificativas,

    senão aquela de criminalizar e condenar por antecipação….

    por isso, comecei o comentário referindo-me ao aócio e

    ao senador amigo dele, para mostrar como é fácil desviar do

    assunto e achincalhar os outros sem justificativas como  nesse caso específico.

    mas,, venhamos e convenhamos, essa crítica ao  aócio justifia-se por si mesma.

     

     

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