Organizações do Litoral Norte cobram mais rigor do Ibama no licenciamento da Etapa 3 do Pré-sal, por Matê da Luz

Organizações do Litoral Norte cobram mais rigor do Ibama no licenciamento da Etapa 3 do Pré-sal

por Matê da Luz

Uma das mudanças mais eficazes que vir morar numa cidade de praia trouxe pra minha vida é o contato com a cultura caiçara de forma extremamente mais realista. Uma cultura que abraça causas de maneira verdadeira e profunda, que deseja manter o meio-ambiente como fonte vital e que, de forma mais organizada, aos meus olhos, do que nas grandes cidades, traz a população que deseja participar para dentro do diálogo. Tudo isso mais a troca de intomações que, por aqui, voa inclusive nos limites além-internet, visto que acabamos conversando muito com pessoas e tipos diversos, e eis que chega a solicitação de uma amiga para que utilizasse este espaço para divulgar para um número maior de pessoas o que anda acontecendo no litoral quando o assunto é Petróleo e Pré-sal. 

Compartilho, então, aqui, a matéria que foi brilhantemente escrita pela Renata Takahashi, do Jornal Informar Ubatuba, um dos principais veículos independentes da região e, profundamente, desejo que mais esta questão possa ser elucidada pelas autoridades, estas que devem caminhar de mãos dadas com os desejos dos cidadãos – mesmo que não saibamos o que é isso há tempos e, tampouco, exista movimento algum nesta direção. 

A matéria está neste link também, com mais fotos da audiência pública. Vale conferir. 

Organizações do Litoral Norte cobram mais rigor do Ibama no licenciamento da Etapa 3 do Pré-sal

Ministério Público, Fundação Florestal, comunidades tradicionais do Litoral Norte, pescadores, ambientalistas e o público em geral ainda têm uma série de dúvidas e objeções ao Projeto de Produção e Escoamento de Petróleo e Gás Natural no Polo Pré-sal da Bacia de Santos – Etapa 3. Isso ficou evidente na última terça-feira (20), quando aconteceu no Teatro Mario Covas, em Caraguatatuba (SP), audiência pública promovida pelo Ibama sobre a Etapa 3 do megaprojeto. A audiência começou às 18 horas com o auditório quase cheio (393 pessoas, segundo a Petrobras) e se estendeu até duas horas da madrugada do dia 21, já com poucas pessoas presentes.

O prolongamento da audiência e os apelos para que outras sejam realizadas, inclusive em Ubatuba, ocorre porque questões importantes foram deixadas de fora do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), elaborados por uma empresa privada de engenharia. Além disso, entidades representativas de povos indígenas, quilombolas e caiçaras reclamam que os povos não foram consultados na forma da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As desconfianças aumentam pelo fato de a Petrobras não ter cumprido integralmente todas as condicionantes exigidas pelo Ibama nas etapas anteriores.

A mesa contou com a presença de representantes do Ibama e da Mineral Engenharia, empresa que elaborou o estudo de impacto ambiental. O evento teve também a participação de representantes da sociedade civil, como pescadores, e dos poderes públicos, além de organizações não governamentais do litoral norte paulista.

O Ministério Público Federal pediu que haja uma audiência por município do litoral norte. Assim, no entendimento do MPF, além de Caraguatatuba, deveriam sediar ao menos uma audiência desta Etapa os municípios de Ubatuba, São Sebastião e Ilhabela. O Ibama se comprometeu a realizar pelo menos mais uma audiência pública sobre a Etapa 3 na região, ainda sem data e local definidos.

Promovida pelo Ibama, por meio da Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Marinhos e Costeiros, a audiência é destinada a expor à comunidade informações sobre as obras e atividades potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental e o respectivo Estudo de Impacto Ambiental- ElA, dirimindo dúvidas e recolhendo críticas e sugestões para subsidiar a decisão quanto ao seu licenciamento.

A justificativa da Petrobras para realizar o Etapa 3 é o avanço na produção de petróleo e gás natural no Brasil, aumentando significativamente a oferta de derivados de petróleo e gás natural para consumo no país.

VOZES DE UBATUBA

Morador de Ubatuba, Santiago Bernardes perguntou porque as comunidades tradicionais não são efetivamente inseridas no processo do empreendimento do Pré-sal com caráter decisório. “Nosso entendimento inicial é que, conforme apresentado pela consultoria, não há uma interferência direta sobre as comunidades tradicionais, mas independente disso elas estão caracterizadas e fazem parte do estudo de impacto ambiental entregue ao Ibama. Adicionalmente, advindo do licenciamento da Etapa 1 do Pré-sal, o Ibama exigiu a implantação do Projeto de Caracterização de Territórios Tradicionais. Foi emitido o termo de referência pelo Ibama quanto à caracterização dos territórios tradicionais, de forma que neste momento a Petrobras procede a contratação de uma empresa para executar esses serviços”, afirmou Marcos Vinícius de Mello, da Petrobras.

Na opinião da moradora do quilombo da Caçandoca, Neide Antunes de Sá, no caso do Pré-sal, ocorreu descumprimento da Convenção 169 da OIT. Segundo a Convenção, os governos devem consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. 

DOCUMENTOS PROTOCOLADOS

Além da participação com perguntas orais e escritas durante o evento, a sociedade civil das quatro cidades do Litoral Norte apresentaram documentos à mesa, mediante protocolo. Eles serão anexados, para exame, ao processo técnico-administrativo de licenciamento em análise no Ibama, devendo ser citados no relatório-síntese da Audiência Pública.

A reportagem teve acesso a alguns documentos protocolados por moradores de Ubatuba. Veja quem assina esses documentos e quais foram as reivindicações levadas ao Ibama:

Povos e comunidades tradicionais – Assinado pela Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e pela Comissão Nacional de Fortalecimento das Resex e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM), o documento de 1 página reivindica a “realização de Consulta Livre, Prévia e Informada pelo IBAMA aos povos tradicionais da área de influência da Bacia de Santos sobre o Projeto da Etapa 3 do Pré-sal da Petrobras”.

Segundo esse documento, até o momento nenhum estudo de impacto ambiental do Pré-sal trouxe a identificação e caracterização dos territórios tradicionais, bem como dos impactos sobre o meio ambiente de que dependem para sobreviver. “E mesmo assim o IBAMA autorizou a Etapa 1 e 2 de um dos maiores empreendimentos de petróleo e todos os outros associados em nossos territórios. O mesmo vem se repetindo na Etapa 3, nos condenando a invisibilidade e à morte de nosso modo de vida que muito tem a contribuir com uma sociedade mais justa, saudável e sustentável”, diz o documento. Para finalizar, as organizações signatárias exigem providências contra o que chamam de “etnocídio projetado em 30 etapas”.

Progresso de Nhande juka pa va’e rã (O Progresso da Morte) – O documento é assinado por 16 organizações: Fórum de Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas e Caiçaras de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT), Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, Fórum de Cultura do Litoral Norte, Fórum Contra a Privatização da Baía da Ilha Grande, Associação Amigos e Remadores da Canoa Caiçara (AARCA), Comitê da Salvaguarda do Fandango Caiçara, Coletivo Caiçara de São Sebastião, Associação de Comunidades Remanescentes de Quilombo do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ), Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC), Comissão Nacional de Fortalecimento das Resex e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Verde Cidadania, Sociedade Angrense de Proteção Ecológica (SAPÊ), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Instituto de Educação de Angra dos Reis/ Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF).

O documento defende que a região de influência do Pré-sal é ocupada historicamente por caiçaras, pescadores artesanais, extrativistas, quilombolas e indígenas, que estabelecem uma relação equilibrada com a natureza por meio de práticas e saberes de um modo de vida que está ameaçado pela expansão da cadeia de petróleo. “Os megaempreendimentos são para nós e nossas futuras gerações o ‘Progresso de Nhande juka pa va’e rã’ [o progresso da morte, em Guarani], destruindo o meio ambiente e privatizando bens comuns”, opinam os movimentos sociais signatários. 

O texto possui três páginas com manifestações sobre o Estudo de Impacto Ambiental do Projeto Etapa 3 da Petrobras. As organizações apontam oito complementações que consideram necessárias ao estudo. Além disso, cobram a execução imediata das condicionantes da Etapa 1 do Pré-sal referente ao Projeto Piloto de Caracterização dos Territórios Tradicionais Caiçaras, Quilombolas e Indígenas de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Exigem ainda a ampliação do Projeto de Caracterização dos Territórios Tradicionais para toda área de influência da Bacia de Santos.

Pesca artesanal – Assinado por Jerri Eduardo Moraes, da Colônia de Pescadores Z10, e entregue com anexo contendo mais de 70 assinaturas, o documento de 6 páginas é uma manifestação das comunidades pesqueiras de Ubatuba sobre o licenciamento ambiental do Projeto Etapa 3 do Pré-sal.

São diversas queixas. Segundo o texto, “as comunidades receberam apenas um exemplar do RIMA, e muitas nem isso receberam. No RIMA consta a data de outubro de 2017, e as comunidades receberam o documento em fevereiro de 2018, ou seja, apenas um mês antes da Audiência Pública.”

Outra crítica é que os planos de emergência e contingência deveriam envolver os pescadores para que fossem tomadas providências mais rápidas e efetivas quando ocorre um vazamento.

Outra reclamação é que seja feito o controle do tráfego de embarcação no canal de São Sebastião. “O tráfego de embarcações que se dirigem ao Terminal Almirante Barroso (Tebar) tem que entrar no licenciamento do Etapa 3.”

O texto afirma também que o licenciamento por partes não leva em conta o todo, a soma de todos os impactos que são causados pelos empreendimentos da indústria de petróleo e gás. “Os processos de licenciamento repartidos em etapas fragiliza o processo e a possibilidade de se avaliarem de fato todos os impactos previstos para uma região. Esse formato favorece apenas os empreendedores e dificulta a possibilidade de proteção das comunidades presentes nas áreas de influência dos empreendimentos.”

Segundo o documento, esses e outros questionamentos e manifestações surgiram a partir de reuniões realizadas em fevereiro e março em Ubatuba pelo Projeto de Educação Ambiental (PEA), medida mitigadora exigida pelo IBAMA. 
 

CMDRP – O documento com dez páginas, também protocolado na audiência, é uma ‘Carta de Manifestação’ do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Pesqueiro (CMDRP), com apoio dos demais conselhos municipais de Ubatuba. O texto critica a própria forma como foi preparada a audiência pública. “Entendemos que não houve prazo suficiente para que as populações que serão alvos dos impactos diretos e indiretos pudessem ter informações a respeito dos empreendimentos do Etapa 3.”

Entre as diversas solicitações, o texto pede a revisão da análise do impacto sobre a atividade pesqueira e análise do impacto sobre a maricultura em Ubatuba. A carta afirma ainda que foram observadas “graves e importantes falhas nas análises e uso de dados incorretos” no relatório da Mineral.

Manguezais – Documento assinado pela proprietária de terras em Ubatuba, Marcia Sisla, em nome da empresa Terra&Mar, manifesta que “se faz urgente garantir maior controle social das decisões e andamentos do Pré-sal em toda Bacia de Santos”.

O documento solicita, entre outras coisas, a inclusão de todos os manguezais de Ubatuba no Estudo de Impacto Ambiental, para que sejam desenvolvidas ações de “prevenção e reparação de acidentes, valoração, programas, projetos, análises de poluição, monitoramentos, estudos, educação ambiental, compensações e mitigações”.

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Considerando as respectivas Áreas de Estudo e de Influência delimitadas no EIA, 23 Unidades de Conservação administradas pela Fundação Florestal serão afetadas pelo empreendimento. 

Por isso, por meio de documento técnico oficial, a Fundação Florestal (FF) encaminhou ao Ibama suas considerações a respeito do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental da Etapa 3 do Pré-sal. O documento possui 49 páginas e é assinado pela Coordenadora do Grupo de Trabalho de Análise do EIA/RIMA – Pré-sal Etapa 3 da Fundação Florestal.

Entre outras questões, a FF defende que “para uma avaliação adequada dos impactos potenciais sobre a pesca, faz-se necessária a apresentação de estudos que relacionem não somente o risco do óleo afetar as áreas utilizadas pela pesca, mas também as áreas utilizadas pelos recursos pesqueiros que são alvo da pesca artesanal.”

Sobre as espécies exóticas, o órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo acredita ser “fundamental acrescentar as Unidades de Conservação do Estado de São Paulo como potenciais de serem impactadas por espécies exóticas tanto via transporte dos FPSOSs [navios-plataforma que podem produzir, armazenar e transferir petróleo e gás] quanto pelas embarcações de apoio.”

Outra solicitação da FF é a revisão da Área de Influência do Meio Socioeconômico apresentada no EIA, de modo a incluir o município de Cananeia como parte integrante da mesma.

‘VIÁVEL’

Durante sua apresentação na Audiência Pública, o representante da Mineral apresentou alguns impactos negativos do empreendimento no meio físico e biótico, como a contribuição para o efeito estufa, perturbação no nécton (animais que se movem livremente na coluna d’água como peixes e mamíferos marinhos) e perturbação nas aves marinhas. Entre os impactos negativos no meio socioeconômico foram citadas a geração de expectativas, interferência na atividade pesqueira artesanal e interferência no uso, ocupação e valor do solo. 

Apesar de reconhecer os impactos efetivos que serão provocados pelo empreendimento, além dos diversos impactos potenciais, a empresa Mineral Engenharia e Meio Ambiente, contratada pela Petrobras para fazer o estudo de impacto, concluiu que o Projeto Etapa 3 do Pré-sal “é ambientalmente viável”. A decisão final cabe ao Ibama.

Clique aqui para ver a apresentação da Petrobras e aqui para a da Mineral Engenharia.

Clique aqui para ler o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) relativo às Atividades de Produção e Escoamento de Petróleo e Gás Natural do Polo Pré-sal da Bacia de Santos – Etapa 3.

 

 

Mariana A. Nassif

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