A biografia de Sergio Cabral sobre Pixinguinha

Por Carlos Henrique Machado

Lembro-me como se fosse hoje, se não me engano, entre 1975/76, estava chegando em uma faculdade para tocar para o grêmio, com o grupo do qual participava, e vi no painel de avisos, um lindo cartaz da Funarte divulgando o concurso de biografias sobre Pixinguinha. Então, dois alunos conversando, um perguntou ao outro, Pixinguinha, o que é Pixinguinha? E riram… E a resposta, sei lá! Isso é coisa do governo. Mas logo depois, em uma sala quente, apinhada de alunos, tocamos “Carinhoso” que nem fazia parte do nosso repertório, mas decidimos tocar para falar aos alunos e, principalmente aos dois que estavam na sala, quem era Pixinguinha.

A biografia de Sergio Cabral foi a vencedora e a de Marília Barbosa se não me engano ficou em segundo lugar. Cabral fez um texto mais romanceado que Marília, mas aproximou mais a sociedade de Pixinguinha que já vivia um agudo esquecimento.

Era um momento complicado para o choro, uma invasão quase absoluta de músicas estrangeiras e um ataque bastante preconceituoso de um grupo de “sofisticados” que tinha voz e vez nas principais colunas e oráculos da modernidade e, logicamente, imperava no Brasil que as harmonias dissonantes detinham o valor absoluto, o que se estendeu por um longo tempo.

O choro, por sua vez, manteve-se num certo ostracismo até que algumas medidas, como o Concurso de Conjuntos de Choro, “Sarau” show de Paulinho da Viola e seu disco “Memórias Chorando; o disco de Chico Buarque “Meus Caros Amigos”, O festival da Band “Brasileirinho” e os livros de Sergio Cabral e Marília Barbosa mexeram significativamente no xadrez da música brasileira.

Os Carioquinhas gravaram pela Som Livre com um repertório riquíssimo carregado do genial Luiz Americano, algumas belas composições contemporâneas como “Chora Bandolim” de Luiz Otavio Braga “Os Carioquinhas no Choro” de Altamiro Carrilho e “Ansiedade” de Rossini Ferreira, esta última vencedora do festival Brasileirinho. O conjunto “Galo Preto” gravou pela RCA-Vitor, aonde gravaram a inédita de Anacleto de Medeiros, “Medrosa”, outra belíssima composição de Luiz Otavio Braga, “Cheio de Afeto” e, como ponto alto, a gravação “De Coração a Coração” de Jacob do Bandolim. Dois belíssimos trabalhos de jovens com autoridade de arriscar um novo repertório com lindos e independentes arranjos lançados por dois selos de peso. Para melhorar, a abertura do Jornal Hoje utilizou durante um tempo a gravação de “Gadu Namorando” de Lalau e Alcir Pires Vermelho (os carioquinhas) e, nesse mesmo período, a gravação de “O Boêmio” de Anacleto de Medeiros e Catulo da Paixão Cearense, com Del Rian e Época de Ouro.

Naquele período foi fundamental que o livro de Sergio Cabral fosse mais romanceado mesmo, pois a linguagem menos técnica que o livro de Marília, possibilitou um melhor entendimento sobre a relação das músicas de Pixinguinha com o universo da música brasileira. Cabral usou uma linguagem palatável, sobretudo para uma classe média que estava meio desmemoriada com o choque de “modernidade” que os valores absolutos da bossa nova ou da música estrangeira que havia emplacado nos principais meios de difusão. Não se ouvia choro em hipótese nenhuma em rádios comerciais. O choro só era ouvido em rádios comerciais alternativas que, nas madrugadas, abriam um espaço para o choro em meio a uma grande de músicas sertanejas. A rádio Mec aos domingos ainda oferecia uma programação mais ampla de choro, porém, era tudo muito pontual.

Mas Cabral comprou algumas furadas informações, como foi o caso do grande flautista Eugênio Martins, chamado por Pixinguinha de “Príncipe da Flauta” que, além de ser o primeiro flauta da Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, tocou com feras como Garoto e também participou do disco “Pixinguinha 70”. Pois bem, Sergio Cabral comprou uma história que nunca existiu, a de que Eugênio Martins, anunciado somente como flautista de orquestra, havia recebido de alguem a partitura do choro “Um a Zero” de Pixinguinha, que levou para casa e devolvido dias depois dizendo… “Não consigo tocas essa música, é muito difícil”. Isso foi um belo furo, quase uma anedota, pois tive a honra de tocar e conviver com Eugênio Martins e de vê-lo tocar uma música de sua autoria chamada “Menos de Um Minuto”, aonde ele executava alucinadamente o choro e, como era uma pessoa muito espirituosa e divertida, pedia para a platéia marcar no relógio a sua execução, primeira, segunda e, novamente a primeira parte, durava em média 54 segundos, levando o público ao delírio e, em seguida, dava uma chacoteada em Sergio Cabral dizendo… Vou agora tocar uma música que, segundo o jornalista Sergio Cabral, eu não sei tocar… Desculpe-me, senhores e senhoras, e mandava bala!. Eugênio não só tocava magistralmente o “Um a Zero”, mas quebrava tudo, não havia quem não se hipnotizasse com a técnica impecável e um leque de improvisações absolutamente extraordinário. Eugênio fazia um carnaval com o “Um a Zero”, fazendo inclusive citações a alguns trechos do choro-valsa “Primeiro Amor” de Patápio Silva.

Mas enfim, mesmo com essas escorregadelas que geraram muitas outras histórias como esta, a narrativa de Cabral tem uma propriedade fundamental de trazer a poesia da música brasileira para o universo da sociedade sobretudo a imagem de Pixinguinha. Nisso, ele é indiscutivelmente um craque e a música brasileira deve isso a Cabral. Ele sabe como ninguém ser um belo contador de histórias e atrair para a nossa música mentes e corações.E isso, na verdade, faz parte do ambiente do choro, sobretudo das rodas.

Luis Nassif

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