Há uma história de um repórter que entrevistou Jim Morrison (vocalista da banda The Doors) depois que ele havia gravado “Dionysus”: “Mr. Morrison, você está tentando imitar Dionísio?”, perguntou o repórter que teria ouvido a seguinte resposta: “Não. Eu sou Dionísio!”
Do rock progressivo ao hardcore, do punk ao psicodélico, do glam rock ao heavy metal existiria um traço comum que uniria todos os subgêneros que explodiram na história do rock and roll: um especial tipo de introspecção onde músicos e fãs sentir-se-iam como iniciados em algum tipo de escola de mistérios e a audição e performance musicais seriam como ritos religiosos onde seria recriada a sensação de transcendência para entrar em um mundo diferente, cheio de mistério e perigo.
O rock and roll seria uma expressão renovada de mistérios antigos profundamente enraizados na cultura contemporânea, como os de Orfeu, Cibele, Átis, Isis, Mitra, Druidas e toda uma miríade de escolas antigas herméticas. Essa é a premissa do livro “The Secret History of Rock ‘n’ Roll” de Christopher Knowles, escritor e editor de comic books e pesquisador sobre simbologias na cultura pop, com diversos trabalhos publicados nessa área.
As conexões entre ocultismo e o rock são bem conhecidas e já se tornaram lugar-comum nas lendas que envolvem astros pop: Ozzy Osbourne e as referências ao mago Aleister Crowley em suas músicas, símbolos ocultistas associados a cada integrante do Led Zeppelin nas capas dos seus discos, etc., isso sem falar nos famosos boatos de mensagens subliminares com evocação ao demônio que poderiam ser ouvidas se o disco fosse girado no sentido inverso…
Mas o que Christopher Knowles propõe é algo bem diferente: primeiro, o autor vê semelhanças entre o rock e os ritos religiosos de muitas seitas iniciáticas da antiguidade:
“O que os Mistérios podiam oferecer que outros cultos do passado não fizeram? Quase exatamente o que o rock and roll pode oferecer, milhares de anos mais tarde: bebidas, drogas e sexo. A música alta. Selvagem pirotecnia. A sensação de transcendência, deixando sua mente e seu corpo e entrar num mundo diferente, cheio de mistério e perigo. A ligação pessoal com algo profundo, estranho, e incrivelmente atemporal. Uma oportunidade para escapar da monotonia da vida diária de chatices e quebrar todas as regras da sociedade educada. Um lugar para se vestir com trajes selvagens e dançar e beber e viajar a noite toda.”
Knowles descreve essencialmente o que poderia ser considerado um “antigo delírio”: música alta e drogas incluídas. Em sua busca, o autor cita autoridades antigas, como Heródoto, Diodoro da Sicília, Estrabão e Plutarco tentando demonstrar a evidência de sua tese desde os tempos antigos, reunindo muitos elementos importantes das escolas de mistérios e doutrinas.
Em segundo lugar, Knowles propõe a hipótese do sincromisticismo de que a prática artística e toda a indústria cultural canalizariam e dariam vazão a Formas-Pensamento e arquétipos poderosos do vasto material do psiquismo da humanidade. De certa maneira, músicos e artistas seriam como médiuns:
“Quase todos os artistas que foram aqui discutidos canalizaram os arquétipos antigos e estavam completamente alheios ao que eles estavam trazendo para o mundo.”
David Bowie: lia e relia livros |
E em terceiro lugar, a constatação de que muitos artistas dentro do rock fazem referências ao ocultismo não apenas como tática mercadológica para estimular lendas e boatos, mas são assumidamente praticantes e estudiosos de filosofias herméticas e mistérios antigos.
Um dos exemplos lembrados por Knowles é o de David Bowie de que nas suas viagens pelo mundo dentro das suas turnês, sempre levava consigo uma enorme biblioteca de textos ocultos que lia e relia constantemente.
Aliás, sobre isso Valdir Montanari em seu livro “Rock Progressivo” (Papirus, 1985) relata que no início da década de 1970 músicos como Peter Gabriel (Gênesis), Robert Fripp (King Crimson), Peter Hammill (Van Der Graaf Generator) e o próprio David Bowie reuniam-se constantemente formando um grupo de estudos de textos ocultistas. O resultado era perceptível nas letras de suas músicas como a épica batalha entre o bem e o mal contada na suíte “Supper is ready” do álbum “Foxtrot” do Gênesis ou as reflexões gnósticas de David Bowie na longa música “The Width of a Circle”.
Saindo do rock art de Bowie e Gênesis, mesmo em bandas de um subgênero marcado pela crueza como o punk rock, muitos integrantes estreitaram suas ligações com o ocultismo como o caso do vocalista e compositor Jaz Coleman que abandonou a banda Killing Joke em 1982 para se dedicar aos estudos herméticos na Islândia.