Como Marina surgiu na vida de Caymmi

Do Portal Luís Nassif

O elegante Dorival

Noutro dia, dispus um artigo do poeta Manuel Bandeira sobre Sinhô, presente no primeiro número da Revista da Música Popular, editada por Lúcio Rangel. Há algumas preciosidades que, aos poucos, registrarei.

Em entrevista feita por Paulo Mendes Campos, Dorival Caymmi fala sobre jazz e música erudita, pintura e… da sua música. A abertura é preciosa e uma radiografia do homem que parece simples. Parece.

“Dizer que Dorival Caymmi é um rapaz simples seria um lugar-comum de reportagem e uma inverdade. Caymmi não é de poses mas também não é simples. O modo com que fala, sua tortura para exprimir o que pensa, e se definir, suas irritações contra isso ou aquilo mostram um homem subjetivo, de funcionamento complicado.”

Caymmi se mostra um homem sofisticado e antenado. É amigo de Jorge Amado, conversa sobre pintura com “Pancetti, Portinari, Burle Marx, Di Cavalcanti, Bruno Giorgi, Gobis, Manoel Martins…”. Seus pintores de preferência são Giotto, Masaccio, Utrillo, Cézanne, Gauguin,Tintoretto, Matisse, Guignard, Pancetti, Clovis Graciano…

Caymmi, além de compor, pintava, conhecia pintura: “[…] eu acompanhei toda essa querela entre abstracionismo e figurativismo. Mas não cheguei à posição definitiva. Sou um lírico em pintura, gosto da harmonia das cores. Por outro lado, não posso me desprender da forma. Meu ideal seria uma pintura que correspondesse em vozes às harmonias de uma fuga de Bach.”

Caymmi diz não ler muito, mas leu Victor Hugo, quando jovem. Gosta dos romances regionalistas: Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos. Gosta de Érico Veríssimo e admira Garcia Lorca, Drummond, Bandeira, Jorge Guillén e Pablo Neruda. Lendo pouco, leu mais que muita gente.

Quando tinha doze anos, ficou doente de impaludismo. De cama, “tinha que ouvir o dia inteiro a vitrola de um homem que morava na minha rua.” Não se conforma de não ter tido uma boa educação musical. Admira Villa-Lobos, Bach, Haydn, Handel e Mozart. Dentre os jazzistas, tem predileção por Jelly Roll Morton, Louis Armstrong e Fats Waller. Diz não gostar do bebop (era o ritmo da moda, em 1955, quando foi feita a entrevista). Credita ao relativo “analfabetismo” musical o fato de ter virado o compositor que era: “Quando arranjei um violão, fui descobrindo um mundo novo na sonoridade. Como não aprendi música, descobrindo-a por mim mesmo, em companhia de um grande amigo, tive uma vantagem: fui levado por isso mesmo a inventar um pouco de música. Foi o que me fez compositor”.

“A título de publicidade, costumo dizer em entrevistas que componho ao violão. Não é verdade. Acredito que todos como eu, que não sabe música, compõe imaginando a linha melódica, confrontando semelhanças com outras canções, pesando a força lírica, procurando as palavras. Faço minhas músicas em geral andando na rua, nos lugares em que posso falar sozinho, nos lugares em que haja muita gente e onde eu sinta uma certa indiferença pela minha pessoa.”

Caymmi conta, como exemplo, de como nasceu Marina. Uma vez, ao sair de casa, seu filho Dorivalzinho (deve ser o Dori) disse-lhe com a cara zangada: “Estou de mal.” “Na rua, essa frase ficou martelando na minha cabeça: ‘Estou de mal, estou de mal, estou de mal…’. Enquanto ia à rádio, comprava umas coisas, andava nas ruas, a melodia e a letra foram se compondo em minha cabeça. No fim do dia, a música estava pronta.”

Obs: a entrevista foi publicada na edição nº 4 da Revista da Música Popular, em janeiro de 1955.

Ouça uma gravação, acho que pouco conhecida, do cearense (um amigo conterrâneo lembrou-me desse detalhe) e pianista erudito Jacques Klein, tocando Marina.

Dorival canta Marina.

Luis Nassif

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