Taiguara: a voz mais censurada pela ditadura, por Carlos Motta


Foto: Reprodução

Por Carlos Motta

A ditadura militar instaurada no Brasil em 1964 e que caiu de podre 20 anos depois perseguiu implacavelmente inúmeros artistas que ousaram se opor a ela – ou simplesmente adotaram uma liberdade estética fora dos padrões oficiais. Na música popular, os casos mais notórios são os de Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.

Nenhum cantor e compositor, porém, foi tão perseguido quanto o talentosíssimo Taiguara, que nos anos 60 e 70 do século passado foi figura constante nos festivais de música e paradas de sucesso, com as suas canções e voz despudoradamente românticas – ao mesmo tempo em que, em seus shows e entrevistas, dizia cobras e lagartos do regime que suprimia as liberdades do povo brasileiro.

A jornalista Janes Rocha, que escreveu um livro sobre o artista, levantou 81 composições de Taiguara vetadas pela censura.

Dois discos, “Imyra, Tayra, Ipy” e “Let the children hear the music”, gravado em Londres, foram inteiramente proibidos depois de lançados.​

A barra era muito pesada naqueles tempos de “Brasil, ame-o ou deixe-o”…

Taiguara morreu em 1996. Doze anos antes, lançou uma obra-prima, o disco “Canções de Amor e Liberdade”, absolutamente político, um grito de revolta, um testemunho de um grande artista sobre uma época que envergonha a espécie humana.

É um disco de rara coerência, com melodias calcadas em ritmos regionais, letras que soam como lindos poemas libertário e arranjos criativos.

Uma das faixas, “Voz do Leste”, tem a participação da excelente dupla sertaneja Cacique e Pajé. “Anita”, um bolero, é dedicada à filha de Luís Carlos Prestes, o eterno “Cavaleiro da Esperança”; o clássico “Índia” ressurge com a letra original traduzida; “Estrela Vermelha”, com melodia do avô de Taiguara Graciliano Silva, é de um lirismo emocionante…

Que falta faz um Taiguara neste Brasil Novo!

https://www.youtube.com/watch?v=1tfWmF6eHY0&t=64s width:700 height:394

Voz do Leste

Sou Voz Operária do Tatuapé

Canto enquanto enfrento o batente co’a mão

Trabalho no ritmo desse Chamamé

Meu pouco Salário faz minha ilusão

Sou voz operária do Tatuapé

Vivo como posso e me deixa o patrão

E enquanto respira dessa chaminé

Meu povo se vira e não vê solução

No teatro da vergonha

aonde a verdade não se diz

Tem quem representa a massa,

quem ri da desgraça

E quem banca o infeliz

Tem até burguês que sonha

que entra em cena e engana a atriz

Tem quem sustenta a trapaça

e depois que fracassa

amordaça o país

Tem quem sustenta a trapaça

E depois que fracassa,

Amordaça o país

Já meu drama é o da cegonha…

quase morre o meu guri…

Sobra pr’o Leste a fumaça

e a peste ameaça

O ar do Piqueri

Pior que a matança medonha

é o desemprego pra engolir…

Seja no peito ou na raça,

esse teatro devasso

Alguém tem que proibir…

Seja no palco ou na praça

Essas peças sem graça

vão ter que sair.

(sair de cartaz…)

Sou voz operária…

Redação

9 Comentários

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  1. Que saudades!

    Comecei a gostar do Taiguara no início da adolescência, quase na infância.

    Primeiro me apaixonei pelas belas canções de amor, depois me toquei sobre o significado das de protesto, e gostei mais ainda. Até hoje sei várias de cor e ainda guardo alguns discos, é um dos meus cantores favoritos.

    Muito bem lembrado, Carlos Motta! Obrigada por este encontro, estava mesmo com saudades. Pena que as novas gerações não o conhecem. Pena mesmo…

  2. Grata lembrança
     

    de quem se foi tão prematuramente.

    Mãe comprou o primeiro bolachão, do qual não abro mão, embora nem tenha mais como ouvi-lo.

  3. Taiguara

    Grande Compositor,Cantor que tive oportunidade de ouvi-lo em Florianópolis.Gênio do naipe de Belchior.

    E depois de falecido ouvi o Pai tocando bandoneon em Porto Alegre na Casa Mario Quintana em Porto Alegre.

    Muita Falta.

  4. TAIGUARA, O SONHO DE LIBERDADE

    TAIGUARA.

    O SONHO DE LIBERDADE – QUE AS CRIANÇAS CANTEM LIVRES

    Nosso povo sempre sonhou em ser livre.

    O Hino à Proclamação da República, que havia sido feito, na verdade, para ser o Hino Nacional, mostrava, com toda ênfase, em versos fortes, este sentimento que habitava o seio de nossa Nação: “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós…”

    Todavia, mesmo depois da proclamação da República, tivemos pouco tempo de democracia, tênue e frágil, tempo do coronelismo da elite agro-exportadora, época em que o povo votava a descoberto, vigiado, e as mulheres nem tinham este direito.             

    Na primeira República, também chamada de República da Oligarquia, imperava o liberalismo, que fragilizava o Estado e concedia total liberdade social, econômica e política ao setor privado, esmagando o trabalhador.

    A libertação dos escravos deu abrigo à escravidão do trabalhador, sem legislação que o protegesse, restando sem horário de trabalho, sem férias, sem descanso semanal, sem o mínimo de remuneração para sobrevivência própria e de sua família. Sem nada, sem garantia alguma, sem futuro!     

    A chamada primeira República teve vida efêmera e, com a crise de 1929, trouxe-nos o Estado Novo brasileiro, introduzindo a ditadura de Getúlio, como reação ao declínio do liberalismo no mundo e ao avanço do comunismo. Para tanto, basicamente Getúlio promoveu mudanças sociais, máxime com introdução das leis trabalhistas. Porém, também legou-nos a censura, a ausência e agressão à liberdade diante um poder ditatorial.             

    Com o fim da 2ª guerra mundial, a queda de Hitler e a derrubada de quase todos os estados novos, o período ditatorial no Brasil finalizou, oportunizando a convocação de uma Assembléia Constituinte, que resultou na Constituição Federal de 1946, uma das mais bem elaboradas em todos os tempos.

    E ela, a nova Constituição, marca o início da 2ª República, a verdadeira alvorada de um estado democrático, onde o povo governa e a liberdade é o dogma que se devia respeitar. Naquele momento, com mais fervor, o País passou a acreditar que, com a democracia, íamo-nos tornar livres, fazer valer a vontade coletiva, dentro da legalidade.

    Porém, a trégua demorou pouco e, logo, em 1964, com a ditadura militar, o sonho novamente se desmoronou e passamos por 21 anos de trevas, onde o ir e vir só era possível para alienados ou ignorantes, também aos cidadãos fragilizados e impotentes diante do reino da vontade de poucos.

    Voltamos neste período negro da história de nossa República a sentir o gosto amargo do silêncio, sob as penas da lei do suserano, até a nova República em 1985.

    Neste período – regime militar – (1964/1985), aqueles que se atreviam a protestar, a contrariar o poder ditatorial, clamando pela democracia, eram presos, inclusive muitos deles torturados. Houve mortes e desaparecidos. Outros se auto-exilaram ou fugiram para países que lhes deram abrigo e proteção. Entre eles, políticos, jornalistas, cientistas, professores, estudantes, liberais, artistas e soldados de nossa Pátria.

    Taiguara Chalar da Silva, nascido no Uruguai, filho de músico, o maestro Ubirajara Silva, mas que, aos quatro anos de idade, veio residir no Brasil, tornou-se um brasileiro por vontade e escolha própria, um ser humano que amou demais o Brasil e a liberdade.

    Na década de 60, estudava Direito,quando desistiu para se dedicar exclusivamente à Música, tornando-se um artista extraordinário. Taiguara não foi somente um cantor. Era também um grande músico, um pianista e compositor maravilhoso.

    Ele chegava ao sublime quando, no piano, cantava e tocava as músicas que compôs, onde desfrutava a liberdade que ela, a música, proporciona ao ser humano.

    “In veritas”, falar sobre a música é descrever a liberdade. Nela não há limites para a imaginação, para a criação, para o revelar o que mais intimamente vai no interior, no coração do compositor, seja nas notas musicas, seja nas letras que descrevem o desejo mais forte de liberdade!

    Por isto, Taiguara foi o artista mais censurado pela ditadura. Mais de cem músicas de sua lavra foram contidas na sua divulgação.

    Pressionado pelos donos do Poder, embora considerado um dos símbolos da resistência à censura, não teve outra saída que não se auto-exilar, buscando segurança até que o pesadelo passasse, até que as trevas se dissipassem, até, como ele cantou, o amanhecer, com os raios brilhantes do sol, anunciando a liberdade.             

    Para ilustrar esse primeiro texto sobre Taiguara, um dos mais importantes compositores de nossa música, escolhemos a sua composição que mais reflete o seu sonhar pela liberdade!

    E não só a música, mas as letras desta música têm um significado maravilhoso, escondido no seu coração!

         QUE AS CRIANÇAS CANTEM LIVRES

    O tempo passa e atravessa as avenidas
    E o fruto cresce, pesa e enverga o velho pé.
    E o vento forte quebra as telhas e vidraças
    E o livro sábio deixa em branco o que não é.

    Pode não ser essa mulher o que te falta
    Pode não ser esse calor o que faz mal
    Pode não ser essa gravata o que sufoca
    Ou essa falta de dinheiro que é fatal

    Vê como um fogo brando funde um ferro duro
    Vê como o asfalto é teu jardim se você crê
    Que há sol nascente avermelhando o céu escuro
    Chamando os homens pro seu tempo de viver

    E que as crianças cantem livres sobre os muros
    E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor
    E que o passado abra os presentes pro futuro
    Que não dormiu e preparou o amanhecer…

    E há um vídeo, no Youtube, onde Taiguara interpreta esta música e, além de mostrar um pouco de seu drama, nele revela o ser humano altamente sensível e que nos emociona intensamente.         

     

    https://www.youtube.com/watch?v=wrWSACrF7hE

     

  5. Adoro Taiguara…ouço sempre suas canções! Agora, Sr Carlos Mota, sua truculência de opinião é que precisa ser revista! O que houve em 64 todos sabemos teve os seus motivos! Era uma guerra. De uma lado aqueles que queriam um país comunista e do outro os que defenderam e evitaram que isso acontecesse. Houve excessos? E qual é a guerra em que eles não ocorrem? O regime não caiu de podre 20 anos depois como vc escreveu! A abertura politica foi uma natural consequência da situação! Tinha que ter fim o que começou 20 anos antes pois havia cumprido sua missão! Hoje, o país atravessa novos tempos e ainda assim sofremos por descalabros e escândalos causados por pessoas que naquela época eram heróis…Tipo Chê Guevara, idolatrado por muitos, mas que não passava de um assassino frio e racista! As gerações vão amadurecendo, mas precisam saber das verdades como elas foram e não as manipuladas por aqueles que se apropriaram das informações e as distorceram conforme seu bel prazer. O período militar foi ruim? Depende do ponto de vista! Será que um Brasil comunista seria melhor? Diante de realidades recentes de países sob esse regime as nossas referencias são as piores, logo, o período militar, embora difícil, foi necessário. Espero que por expressar minha opinião, pois vivi os anos do regime (tenho 58 anos), e não sou como muitos doutrinados em escolas e faculdades e talvez seja por isso que posso opinar sem levantar bandeiras, mas analisando os fatos com lógica. Abs.

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