Esquerda brasileira é muito ruim na internet, diz Javier Toret

Jornal GGN – Javier Toret Medina, ativista digital que foi uma das lideranças do movimento 15M nas redes e que também coordenou a campanha na internet de Ada Colau, prefeita de Barcelona, fala sobre a discussão política na rede e também compara o movimento espanhol contra as política de austeridade, em 2011, com as mobilizações brasileiras em junho de 2013. 

“Analisando os gráficos do Twitter sobre as mobilizações de junho, só aparece a direita. Das manifestações que ocorreram desde 2011, Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Espanha, Turquia, Hong Kong, Paris, o único lugar onde os gráficos mostram a direita na liderança das redes é o Brasil”, diz Toret, afirmando também que os movimentos de esquerda no Brasil “são muito ruins” na internet. 

Como exemplo, ele cita o Movimento Passe Livre, um dos principais desencadeadores dos movimentos de 2013, não tinha um perfil no Twitter para expressar suas posições. Já os movimentos espanhóis  se preocuparam em pautar diariamente a comunicação da mobilização. 

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Do Sul 21

Esquerda brasileira perdeu as ruas porque é ruim na internet, diz ativista digital espanhol

Luís Eduardo Gomes

Convocadas por diversos movimentos sociais com atuação na internet, em 15 de maio de 2011, milhares de pessoas ocuparam a praça Puerta del Sol, em Madri, em protesto contra as políticas de austeridade impostas pelo governo espanhol. Após o ato, um grupo de pessoas decidiu passar a noite acampado no local, mas foi violentamente reprimido pela polícia. Vídeos da ação policial viralizaram na internet e novos protestos foram convocados para o dia seguinte, espalhando-se rapidamente pelas principais cidades da Espanha. Surgia assim o movimento 15M, também conhecido como Os Indignados, que nos anos seguintes realizaria grandes mobilizações de massa e daria origem a partidos que mudariam o cenário político espanhol, sendo o principal deles o Podemos, responsável por ameaçar a histórica alternância do poder entre apenas dois partidos, o PP (centro-direita) e o PSOE (centro-esquerda).

Por trás do 15M, estavam uma série de ativistas digitais e intelectuais que, sem espaço na mídia tradicional, aproveitaram as redes sociais para conquistar espaço e dar um sentido para as mobilizações de massa. Um deles, Javier Toret Medina, passou por Porto Alegre na última semana, onde participou de reuniões com a pré-candidata à prefeitura de Porto Alegre Luciana Genro (PSOL) e conversou com o Sul21.

Toret explica que o 15M surge em um contexto de efervescência de discussão política na rede que vinha desde a crise econômica de 2008, que gerou a explosão do desemprego de jovens, e também contra a chamada Lei Sinde, que levava o nome da ex-ministra da cultura Ángeles González-Sinde e regulamentou o download de arquivos na internet. “Criou-se uma massa crítica na internet”, explica.

Somado a isso, também havia as recentes revoluções que ficaram conhecidas como Primavera Árabe e tiveram início na Tunísia, em 2010, e se caracterizavam por grandes mobilizações de massa sendo convocadas e divulgadas primordialmente por redes sociais.

Quando explodiu o movimento do 15M, esse caldo já existente fez com que as mobilizações populares rapidamente ganhassem uma grande dimensão, mesmo não sendo noticiadas pela mídia tradicional. “As pessoas estavam conectadas, porque queriam saber como tinham sido as outras manifestações, se tinham sido grandes. Quando saiu a Acampada Sol [acampamento na praça de Madri], todo mundo estava olhando os streams e o Twitter. No momento em que despejaram as pessoas à noite, os vídeos virais do despejo “bombaram”. Então, as pessoas convocaram [nova manifestação] para o dia seguinte. A solidariedade ante o despejo e o ato legítimo que era estar lá fez crescer o movimento”, explica Toret.

 

Ao mesmo tempo em que as mobilizações tomavam as ruas, também ganhavam força páginas e perfis nas redes sociais dos movimentos que estavam organizando as manifestações. A página Democracia Real Já, da qual Toret fazia parte, era uma das responsáveis por passar informações e fazer uma espécie de “controle da narrativa”. Outra era o perfil Acampada Sol, que transmitia ao vivo por streaming os atos. “Lembro que, no dia que reocuparam a praça, as pessoas começaram a cantar: ‘Ha em-pe-za-do la revolución‘ [Começou a revolução, em tradução livre]. Vendo o streaming, ficamos todos loucos. Vamos ocupar todas as praças!”

Através desse processo de retroalimentação entre rua e rede, mais de 8,5 milhões de pessoas participaram de alguma forma dos movimentos do 15M, segundo Javier, o que abriu a oportunidade para a mudança da cultura política na Espanha. “Já não acreditávamos no bipartidarismo. Eles não nos representam”, diz Toret. “As pessoas odeiam os partidos. Eu também, apesar de ter montado três”, brinca.

Também foi aberta porta para novas lideranças entrarem na esfera institucional, gestadas a partir das pautas do 15M. “Havia uma crise muito grande das instituições. Partidos e sindicatos existentes perderam muita popularidade, com índices de 10%, 15% e 20% [de aprovação]”, diz Toret. Por outro lado, após os atos, as plataformas e movimentos vinculados ao 15M gozavam de 70% e 75% de aprovação.

O primeiro partido que tentou reivindicar o DNA do 15M foi o Partido X, que carregava uma aura de ciberativismo que remetia ao Anonymus e aos partidos piratas de outros países da Europa. Posteriormente, surgiu o Podemos, ocupando uma posição à esquerda do tradicional PSOE e que logo em sua primeira eleição para o Parlamento Europeu elegeu cinco eurodeputados. “Uma força que não existia três meses antes”, diz. “O Podemos, em seis meses, era a primeira força em intenção de votos. Mas o que aconteceu? O poder reagiu. Os bancos diziam: ‘precisamos de um Podemos de direita’. As empresas apoiaram o partido Ciudadanos. Colocaram muita grana”, afirma, referindo-se ao Ciudadanos, outro partido que surgiu nos últimos anos e hoje é a quarta força política da Espanha.

Em junho de 2013, o Brasil também teve protestos semelhantes ao movimento dos indignados. Apesar de, inicialmente, serem consideradas mobilizações à esquerda do governo do PT, as jornadas de junho, pelo menos até agora, não conseguiram fazer a transição de suas pautas das ruas para o campo político. Ao contrário, gradativamente, as ruas foram sendo disputadas e ganhas por movimentos conservadores e de direita.

Um dos motivos que explicaria o efeito seria a falta de organização na internet. Diferentemente da Espanha, a narrativa das redes sobre as manifestações não foram controladas por quem as estava organizando nas ruas. “Analisando os gráficos do Twitter sobre as mobilizações de junho, só aparece a direita. Das manifestações que ocorreram desde 2011, Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Espanha, Turquia, Hong Kong, Paris, o único lugar onde os gráficos mostram a direita na liderança das redes é o Brasil”, afirma Toret. “Também porque os movimentos de esquerda daqui são inúteis na internet. São muito ruins”, dispara.

Como problema de atuação nas redes, Toret cita, por exemplo, que o Movimento Passe Livre, que pode ser identificado como o principal desencadeador das mobilizações, sequer tinha um perfil no Twitter para expressar suas posições ou ao menos criar hashtags para difundir os atos. “Se só tivessem perfil, sem ter tuitado, teriam milhares de seguidores. Mas renunciaram. A direita pensou: ‘perfeito’”, afirma.

Por outro lado, Toret diz que os movimentos que compunham o 15M tinham a preocupação de pautar diariamente a comunicação da mobilização e colocavam nessa tarefa os melhores ativistas digitais, o que incluía ele próprio. Também eram movimentos que carregavam a bandeira dos “sem partido”, mas existiam cabeças por trás e lideranças coletivas, segundo Toret. “Os perfis mais importantes foram uma escola para os demais”, afirma.

Da Espanha para a eleição de Porto Alegre

De ativista, Toret se transformou em um dos principais analistas de atividade política nas redes sociais de se país, com um relevante trabalho em análise e investigação de dados. Ele coordenou as redes sociais da vitoriosa campanha Ada Colau para prefeita de Barcelona, em 2015.

Uma das principais caras novas da política espanhola que surgiu na esteira do 15M, Ada Colau tinha uma trajetória de ativismo social a partir do início do século, mas sem ligação com partidos. Mesmo assim, logo em sua primeira eleição, como líder de uma coligação de partidos de esquerda, a Barcelona en Comú (BC), da qual o Podemos era o partido mais forte, conseguiu a vitória.

“Tivemos uma rede de ativistas digitais muito boa e trabalhamos muito para que a nossa base digital tivesse força na campanha. Cada ativista era um meio de comunicação. Nós tivemos cinco vezes mais menções e retuítes do que a segunda força em Barcelona. Tivemos 53 horas de trending topic em Barcelona e 47 na Espanha. O segundo partido de Barcelona teve uma hora”, diz Javier.

Surgida na onda do movimento 15M e com apoio de seus ativistas digitais, esta nova coligação de esquerda já controla sete prefeituras, incluindo Barcelona e a capital Madri, e, nas últimas eleições gerais, realizadas em junho, obteve 71 deputados – ainda insuficiente para assumir o governo da Espanha, mas capaz de se consolidar como uma força a ser ouvida no Parlamento espanhol.

Apesar de serem gestões novas, os governos de esquerda de Barcelona e Madri tem como uma das principais políticas a ampliação da participação popular pela internet. “São plataformas de democracia em rede e democracia digital que permitem que as pessoas façam propostas, possam debater e votar. No caso de Madri, precisa ter apoio de 2% do censo, 50 mil assinaturas, para que vá diretamente à votação no conselho municipal [equivalente à Câmara de Vereadores] e o governo de Madri assume o compromisso de apoiar essas propostas”, explica Toret.

Já em Barcelona, segundo Toret, o novo Plano Diretor da cidade está sendo moldado a partir de discussões em uma plataforma digital, tendo tido a participação de mais de 20 mil pessoas online e de 10 mil em audiências presenciais.

São estas experiências digitais, tanto em termos eleitorais quanto de gestão democratizada – um conceito que ele chama de tecnopolítica -, que Toret está trazendo para ajudar na campanha de Luciana Genro em Porto Alegre.

Redação

17 Comentários

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  1. Esse cara pode entender de

    Esse cara pode entender de Internet, mas não sabe nada de Brasil . . . . ora ora, o Passe Livre é direita ou esquerda ??? . . .

    1. Também acho, ele está dando

      Também acho, ele está dando palpite sem conhecer nada aqui. Não sabe que a esquerda aqui tem preferência pelo Facebook e acha os 140 caracteres do Twitter brochante.

  2. Concordo plenamente. Sem

    Concordo plenamente. Sem falar profissionalmente em campanhas politicas organizadas foi impressionante o total alheamento com campanhas de difamações dos dois presidentes eleitos pelo PT. Ficaram 10 anos propagando que o filho do Lula era dono da Friboi antes que a família tomasse alguma providência. Depois espalharam que a filha da Dilma era dona da Havan. Recentemente foi o preço do feijão atribuido a Dilma. Essa gente parece viver em outro planeta, onde não existe rede social. Será que não dá para pagar uma pessoa ou empresa para captar o que está sendo difundido?

    Outro absurdo cometidos pelos dois ex-presidentes foi o desprezo com os blogs progressistas. A Dilma, enquanto no poder, parecia nunca ter lido o conteúdo dos blogs. Só se importava com a grande imprensa, que acabou por derrubá-la.

  3. Menas. Essa advertencia sobre

    Menas. Essa advertencia sobre o uso da rede é muito boa e oportuna, mas esse “porque” está mal colocado. A esquerda nao perdeu as ruas PORQUE é ruim na internet. Não apenas, pelo menos, pelo menos. Colau lidera faz tempo um movimento importante e enraizado de luta contra as hipotecas de casas, um drama de familias espanholas.  Alias, as lideranças do Podemos (que não surgiram da ‘onda’ do 15M) exploraram muito mais, com sucesso, um meio “velho”, a TV, um programa de entrevistas e talk-show criado a partir da TV do bairro de Vallecas.

  4. Movimento Passe Livre de esquerda?
    A pauta do MPL era atacar o Haddad e quebrar tudo que visse pela frente. Desde quando isso é esquerda? Existem há anos, viram n aumentos da tarifa de.metro e ônibus e nunca fizeram nada, aí o Haddad assume e eles decidem incendiar São Paulo? Isso é esquerda?

  5. “MPL não tinha um perfil no Twitter para expressar suas posições

    Claro, né seu Javier, os meninos do MPL são “horizontais”, não têm líderes, lideranças, são um coletivo, todas as decisões são extraídas do coletivo (nisso que dá ler Bakunin pela metade aos 13 anos de idade). Daí a PM assassina do Alckmin pedia um roteiro, um trajeto da passeata, daí os horizontais respondiam que era impossível, não podiam fornecer “porque era decidido na hora por todos”, na frente do Teatro Municipal. Daí, como a Prefeitura é logo ali na esquina, os horizontais iam lá pra frente quebrar tudo. Paporra, viu. 

    1. Posso estar enganado, mas se

      Posso estar enganado, mas se o cara de mascara nas primeiras quatros fotos é o que quebrou o vidro da prefeitura em uma das primeiras passeatas contra o aumento da passagem de ônibus, ficou determinado depois, que ele é filho de dono de empresa de ônibus e obviamente o fez pra tumultuar os protestos. 99% da violência  vem da direita.

       

       

       

  6. Quando a gente lê de forma

    Quando a gente lê de forma incessante palavras como ” Yankee, CIA, FBI ”  ………… quando a gente lê de forma incessante a defesa do que ocorreu na Venezuela ………..

    Não há como concordar que a esquerda é manca e se prendeem discusinhos bem bodos 

  7. Ele ignora o papel da dona

    Ele ignora o papel da dona Globo nesta história toda.

    Ele ignora que o PT e a esquerda em geral foram massacrados desde 2006 com o mensalão, cujo ápicve se iniciou em 2012 com a AP470.

    Ele ignora que a acenssão da direita é um fenômeno mundial (o que dizer da vitória do Brexit?).

  8. Tirando Paris…….

     Os demais citados “movimentos” geraram o que ?

     A Primavera Arabe muitas mortes, a guerra civil siria, um golpe militar no Egito, na própria Espanha na ultima eleição o PODEMOS caiu de votação, e a direita conservadora subiu, na Turquia o Erdogan aumentou sua semi-ditadura, em HK a China deixou, para contentar a comunidade ongueira internacional, até partir para cima dos “movimentos” e cala-los, já o “Occupy Wall Street ” está sendo utilizado pelos marqueteiros de Trump.

  9. Tudo bem que a Dilma achava

    Tudo bem que a Dilma achava que Twitter era coisa pra adolescentes. Também o PT demorou pra investir na internet. Vários militantes enviaram projetos pro partido e praticamente foram vedados. Com muita luta, alguns criaram o MAV, depois encampado, mas sem seguimento, era praticamente nas eleições. A desativação do Muda Mais foi um tremendo tiro no pé também. Acrescente-se a isso a tal mídia técnica que dava grana ao PIG e asfixiava financeiramente os blogs.

    Por outro lado, só isto não explica o que aconteceu no Brasil. 

    Acho que ele entende bastante de redes sociais, mas está mal informado sobre nossa realidade.

    Dificil vencer um consórcio jurídico-midiàtico que há anos faz uma campanha contra a esquerda.

    Uso o Twitter para garimpar artigos e postar nas outras redes. É muito dinâmico, está tudo lá.

  10. Também acho como já disseram. . .

    Também acho como já disseram que esse cara não entende muito de Brasil. A esquerda brasileira é muito superior à direita na internet, isso é facilmente visível, principalmente no facebook.  Os blogs de esquerda no Brasil também são muito superiores aos de esquerda. Os ativistas de esquerda são muito mais ativos, muito mais criativos e mais inteligentes que os ativistas de direita na internet. Acho mesmo que hoje a grande força da esquerda brasileira é o ativismo na internet.

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