A cana que não vai ao posto, vai ao porto

Nosso jornalismo investigativo, que é capaz de apurar tudo e mais um pouco quando se trata de alguns escândalos políticos, “passa batido” quando o assunto é economia.

Ontem a Folha de S. Paulo publicou matéria dizendo que o Brasil tinha deixado de produzir 4,7 bilhões de litros de etanol. Segundo o jornal, seca, geada, floração e canaviais velhos foram os motivos da redução da produção, de 16,4 bilhões de litros até outubro do ano passado, para 11,6 bilhões este ano, no mesmo período.

A palavra açúcar nem sequer é mencionada no texto.

Ora, a cana que produz um, produz o outro. É uma questão de decisão sobre o destino da moagem.

Houve quebra de safra, sim, como o setor sucroalcooleiro afirma. Dizem ter sido de 17% em relação ao ano passado.

Mas o que não dizem é que a cana disponível foi destinada preferencialmente à produção de açúcar.

Até os dados fornecidos pelas próprias usinas revelam isso. Ano passado, até o final de outubro, segundo a associação das usinas paulistas, a fabricação de açúcar utilizou 45% da cana e a de etanol, 55%. Este ano, também segundo os usineiros, foram 48,5% para o açúcar e 51,5% para o etanol.Em 2009, na mesma época, eram 44% contra 56% para o etanol.

Pode-se argumentar que é um pequeno aumento e que as perdas do etanol sejam por conta da perta de qualidade da cana, medida num índice chamado de “Açúcares Totais Recuperáveis” (ATR). Mas, a crer nos comunicados dos próprios usineiros, não é essa a razão.

Este ano, dizem eles, “a concentração de ATR atingiu 137,83 kg por tonelada de cana-de-açúcar, 2,70% inferior aos 141,66 kg obtidos na safra anterior no mesmo período”. Nada dramático, considerando que em 2009 era de 132,6 kg por tonelada.

E aí a gente vai ao ponto: a produção de açúcar não caiu, a não ser residualmente. Segundo os produtores, 4,5% menos que em igual período de 2010 (29,23 milhões de toneladas, contra 30,54 milhões). Bem menos que os 29% de queda na produção de etanol hidratado e que os 20% menos que o volume total de etano (hiratado + anidro).

Repito, estes são os dados dos usineiros, que já fazem reevelações importantes.

O curioso, porém, é que o Brasil continuou exportando açúcar exatamente nas mesmas quantidades. Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as exportações de açúcar brasileiro não se alteraram do ano passado para este ano: de 16,56 milhões de toneladas ante 16,77 milhões de toneladas em 2010, uma variação só de 1%.

Mas os ganhos das usinas exportando, ah, este foi mais do que doce: 30% a mais que em 2010: US$ 9,402 bilhões contra US$ 7,28 bilhões do ano anterior.

Dá para entender porque a cana virou açúcar e foi parar no porto em lugar de virar etanol e ir para o posto?

Este é o setor que se diz descapitalizado e precisando de ajuda?

A verdade é que a disponibilidade de etanol combustível brasileira passou a depender da volatilidade do mercado mundial de açúcar.

É só acompanhar a cotação do preço do açúcar no gráfico. Entre outubro de 2006, quando o produto custava 11,51 centavos de dólar por libra-peso, para outubro de 2008, antes da crise mundial, quando estava a 11,7 centavos de dólar, a oscilação foi discreta – máxima de 14 centavos e mínima de 9,1 centavos.

Depois, virou um “deus nos acuda”: começou 2009 a 12.24 centavos e ficou por aí enquanto a crise mundial afundava as economias centrais. Elas foram se recuperando e o açúcar terminou 2010 a 28 centavos de dólar por libra. Hoje, está a 26 centavos, depois de ter atingido 29,5 centavos há três meses.

Esta é a crise do etanol. Que não vai ser resolvida senão de duas formas. A primeira, que pode até acontecer em razão da crise europeia, é a queda do preço do açúcar. A outra, é o controle pelo Estado do destino da produção de cana, com o estabelecimento de cotas de exportação de açúcar.

O resto é só press-release.

Por: Fernando Brito

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador