A educação inclusiva e o debate em torno da Meta 4 do PNE

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Essa semana a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado irá discutir um dos pontos polêmicos do PNE (Plano Nacional de Educação), a Meta 4. Este dispositivo prevê a universalização da inclusão dos alunos com deficiência na rede regular de ensino, com idades entre 4 e 17 anos, mas deixando em aberto como ficarão os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb, às instituições que oferecem ensino especial, como as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais, as Apaes.

Para trazer luz ao debate, o Brasilianas.org desta segunda-feira, sob o comando de Luis Nassif, contou com a presença da jornalista integrante do Fórum Nacional de Educação Inclusiva, Meire Cavalcanti; da procuradora da República em São Paulo, Eugênia Augusta Gonzaga; do Rio, a coautora da Convenção sobre os direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, professora Izabel Maior; de Brasília, participação da coordenadora de Saúde e Psicóloga da Apae do Distrito Federal, Cecília Gomes Muraro Alecrim e, também, do Secretário Nacional da Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Antônio José Ferreira.

É preciso que se tenha claro os conceitos para educação inclusiva. Alguns defendem que o atendimento às crianças com deficiência deve se dar apenas em escolas  especiais ou, ainda, a defesa da tese de que a verdadeira inclusão ocorre na rede convencional, que deve ser obrigada a se preparar para receber os alunos. A discussão tomou conta dos fóruns especializados, mas o tema não está bem compreendido pela opinião pública em geral, sendo importante conhecer o que existe por trás de cada corrente de pensamento.

Izabel Maior explica que o fórum de debate, na ONU, na época formada por 192 países, houve discussão bem acalorada a respeito dos direitos da pessoa com deficiência, no período de 2002 a 2006, para que se pudesse chegar a uma conclusão. Este processo de inclusão é o principal ponto contido na Convenção, explica Izabel, tem como base as transformações que precisam ser feitas no ambiente, para que, então, “as pessoas com deficiência tenham um grau de acessibilidade maior e tenham, definitivamente, sua participação na sociedade”.

Cecília Gomes, afirma ser importante a participação das Apaes nesta discussão, pois que “sempre brigaram e continuam brigando pela inclusão”. Segundo Cecília, a luta da Apae, mais antiga do que esta discussão atual, é pela garantia desses direitos. Mas a Apae não luta pela inclusão radical, por entenderem que alguns alunos ainda precisam de um espaço mais individualizado e com alguns atendimentos necessários. Segundo ela, se pensarmos no sistema de ensino brasileiro, muitas escolas apresentam dificuldades em resolver problemas com alunos regulares e, com a inserção de alunos especiais a situação ficaria mais complicada. Esta situação tem feito com que escolas deixem de trabalhar com esses alunos, que ficam sem apoio ou voltam para as Apaes. “Inclusão radical é o modelo ideal, é o que a gente quer, mas não é o que atende às necessidades de todas as pessoas com deficiência”, diz Cecília.

A defesa do termo “preferencialmente” na Meta 4, para a Apae, conforme relata a psicóloga, é para que jovens com maior comprometimento possam utilizar esses espaços quando assim se fizer necessário. Para ela, a grande maioria se beneficia com a inclusão, preservando o espaço para aqueles que não possam ser atendidos com os recursos disponíveis nas escolas. Cada caso, para ela, é um caso, e analisando cada um é que se vai definir quem é que precisa de instituição e quem pode ir para escola regular.

A questão das Apaes e sua inserção no atendimento aos portadores de deficiência, Meire Cavalcanti concorda em um ponto, “é perigoso falar sobre quem pode ou não ser atendido nas escolas regulares”. Mas Meire também acha curioso achar que a inclusão para todos nas escolas possa ser considerado um direito radical, pois é cumprir a Constituição Federal, “tratar as pessoas nos seus direitos humanos é radical?, então eu sou”, diz ela. Para ela as instituições especializadas tiveram um papel histórico muito importante, na ausência do Estado provendo algum tipo de educação, de sociabilização e tirando esse sujeito da invisibilidade, “mas hoje nós temos uma política pública”, diz ela.

Meire afirma que, hoje, o papel das instituições é saber muito mais o que são as políticas públicas inclusivas, saber o que é que tem que ser oferecido dentro das escolas e agir em benefício das famílias, identificando onde os direitos estão sendo negados, ajudando a escola a construir uma educação inclusiva pois carregam isso dentro de sua própria experiência. “Eu não vejo que o papel das instituições é mais de escolarizar”, diz ela, “este tempo já passou”. A história que está sendo espalhada, de que as Apaes não vão atender mais, a assusta, pois a política de educação especial é o matricular o aluno especial em escola comum, sem o filtro de que uns podem ou não, pois pedagogo trabalha com a noção de que todos podem aprender e a escola é lugar de todo mundo, sendo que o atendimento especializado vai ocorrer no turno oposto da escola.

O representante da Secretaria Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência,  Antônio José Ferreira, afirma que estão acompanhando a discussão com bastante atenção, trabalhando na perspectiva de desenvolver a educação para as pessoas com deficiência, garantindo o que diz na Convenção com relação a seus direitos, que é o menor número possível de barreiras que possam impedir o desenvolvimento dessa pessoa. Antônio informa que o governo federal tem trabalhado na perspectiva de garantir tecnologia e recursos para que isso ocorra, além da capacitação de professores para melhor atendimento possível das crianças com deficiência. De 1998 a 2012, ano em que aconteceu o último censo escolar, de 44 mil crianças tem-se agora 620 mil crianças em escola regular.

A ONU, em suas discussões para a Convenção, contou com a presença da sociedade civil, e não foram especialistas ou diplomatas que deram o tom desses direitos. Izabel explica que a Convenção não é um ponto de partida, mas sim um ponto de chegada do movimento das pessoas com deficiência em sua evolução e ela veio para garantir, textualmente, os direitos de todas as pessoas com deficiência, inclusive “daqueles que necessitam de maior número de apoio”. “A Convenção não trabalha com classes de pessoas com deficiências, ela não admite tratar uns e outros de forma diferente, a percepção é de direitos humanos e isso não permite uma prescrição pela metade, ou as pessoas têm direito ou não tem”, diz Izabel, “e não existe a possibilidade de que deixemos à deriva ou num sistema paralelo um grupo de pessoas que necessitam de uma maior criatividade, de um maior investimento, da nossa capacidade de resolver os problemas”, afirma. “Então dizer que uns podem e outros não podem, então quem não está conseguindo resolver somos nós, a sociedade, e não as pessoas com deficiência que, durante muitos anos pagaram, sozinhas, o ônus de ter impedimentos ou no seu corpo ou na sua capacidade funcional”, diz Izabel, e conclui, “hoje o conceito de deficiência mudou, o conceito não está na pessoa, está nas barreiras que impedem esta participação e uma das barreiras é a nossa prepotência de achar que uns podem, que uns têm direito e que outros não tem”. Para Izabel nós temos que desconstruir as barreiras, pois todos têm capacidade e direito em mostrar suas habilidades e se desenvolver.

Já Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora da República em São Paulo, explica a diferença e as implicações da utilização dos termos “preferencialmente” ou “obrigatoriamente”.  Eugênia explica que, para toda criança o acesso à educação é obrigatório, ninguém pode ensinar o filho em casa ou apenas contratar serviços auxiliares para qualquer criança. “Para criança com deficiência também, só que historicamente essas crianças sempre foram atendidas à parte, segregadamente”, explica, “e hoje cresce no mundo inteiro esta bandeira de direitos humanos no sentido de que toda criança tem direito a este ambiente coletivo, a este ambiente escolar, a conviver com sua geração, toda a luta de ser contra o ‘preferencialmente’ é neste sentido”, conclui. “Nenhum pai tem o direito de escolher se vai deixar o filho em casa ou não, é uma questão de direito humano esse de toda criança ao ambiente escolar coletivo”, explica, sendo que os pais têm direito a escolher se o filho vai estudar em escola regular ou em escola regular mais o atendimento especial, “o que ele não pode é ele se dar o direito de segregar o seu filho”, conclui Eugênia.

Segundo Antônio, o governo brasileiro reconhece a importância das entidades filantrópicas e as apoia, mas ele trabalha com a perspectiva de que as escolas trabalham em rede: as regulares recebendo as crianças com deficiência, as especializadas trabalhando em outro turno, em uma corrente de fortalecimento deste ensino. O governo não vê como uma coisa possa inviabilizar outra, sendo importante que os dois modelos coexistam e trabalhem junto, em parceria.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Pois botem 1 aluno q nao fala na escola comum; é = a pôr no lixo

    Blábláblá fora da realidade me dá raiva. Nao há como dar a todos o mesmo sapato, os pés sao diferentes. 

    Quando pensam em escola inclusiva, as pessoas só pensam em crianças com Down ou com problemas motores. Só que a realidade é MUITO MAIS COMPLEXA. 

    Surdos, por ex., nao podem ser postos em turmas com ouvintes (podem estar na mesma escola, nao na mesma turma): ELES NAO SABEM PORTUGUÊS. Precisam ter aulas em LIBRAS. 

    Crianças com problemas de autismo GRAVE (que nao falam, ficam fazendo movimentos repetitivos sem propósito o tempo todo, nao concentram atençao, etc) tb nao podem, ou será uma tortura para elas. E uma perturbaçao para os outros. 

    Até mesmo cegos, que normalmente podem seguir aulas em comum com nao-cegos, precisam estar separados na alfabetizaçao, que terá que ser feita em braille. 

    Crianças com déficits cognitivos muito sérios tb nao podem, nao têm condiçoes de aprender os tipos de conteúdos escolares comuns. 

    Tenho um primo que nao fala, nao sustenta a própria cabeça, etc. Precisa aprender várias coisas, sim, que nao sao ensinadas em escolas comuns: como se vestir, amarrar os sapatos, tomar banho, etc. 

    Aí fica esse discurso genérico, todos têm direito, etc. Blá blá blá. 

     

     

    1. Voce tem razao. Mas a

      Voce tem razao. Mas a questao, a meu ver, é que as APAEs apesar de receberem muito dinheiro público nao oferecem vagas a todos que precisam. O Governo tem que atender esta demanda de uma forma ou de outra. Ou inclui todo mundo na escola normal de alguma forma ou entao vai ter que criar redes de escolas especiais.

      1. Há 2 pontos nesse seu comentário.

        O primeiro é nao haver vagas nas APAEs para todos os que precisam delas (e para os quais a escola regular nao serviria). Esse se resolve com a formaçao de redes de escolas especiais, ou até de núcleos para cuidados especiais dentro das escolas regulares (mas fora das turmas regulares). 

        Mas há outros casos para os quais as APAEs nao oferecem vaga por motivos diferentes: porque sao casos em que muito pouco, ou nada, se pode fazer… É triste, é duro, é muito difícil para os pais aceitarem, mas nao adianta querer que a realidade nao exista e seja outra. Se uma criança nao tem como nem controlar o corpo, ou nao fala (língua nenhuma, nem de sinais), ou nao tem como centrar a atençao, etc (nesse caso é possível fazer algo, mas nao propriamente de natureza escolar…), nao há o que fazer. Pôr nas escolas comuns só fará “depositá-las” lá, sem nenhum benefício para elas, e com prejuízo para os outros alunos e professores. 

        1. Sim.
          Mas ainda assim eu creio

          Sim.

          Mas ainda assim eu creio que o modelo APAE seja distorcido. Ainda que tenham muitos méritos, ficam como que uma privatizacao dentro do ensino publico. O poder público tem que de alguma forma prover as vagas a quem precisa. É responsabilidade do poder público e nao de entidades privatizadas como as APAEs. Elas nao deixarao de existir mas é justo que percam essa parcela da verba.

          1. Concordo em parte

            Concordo com a primeira parte do que vc diz: que o processo devia estar SOB CONTROLE do poder público, que pode, por ex., determinar que dados alunos sejam incluídos. 

            Mas, por isso mesmo, as APAES nao devem perder verbas, devem recebê-las e ter que prestar contas delas

  2. Delicado

    Nesse assunto deve prevalecer a sensibilidade e bom-senso. No mesmo local físico, sim, mas com acompanhamentos específicos e salas adequadas para as diversas deficiências. O convívio será bom. 

  3. A questao é complexa.
    Ao

    A questao é complexa.

    Ao mesmo tempo que defendo a educacao inclusiva por parte do setor público e garantindo a oferta para todos que precisarem, se as APAEs perderem esta verba muito provavelmente ficarao asfixiadas.

    O ideal talvez seja que haja um tempo de transicao. Um fundo que custeie as APAEs por um determinado periodo enquanto se conclui a inclusao no ensino regular.

  4. O problema focal são os recursos

    O tema da educação inclusiva é extremamente complexo porque se está falando de um universo. A classificação do que são necessidades educacionais especiais comporta um número enorme de tipos. Alguns são mais comuns outras são raras. Há os tipos que dificultam mas não comprometem as possibilidades de desenvolvimento cognitivo. Há casos de severos comprometimentos do desenvolvimento cognitivo. Há aqueles casos em que poucos recursos complementares são suficientes. Há os que requerem estruturas complexas de atendimento.

    Enfim. Eu desafio alguém a dizer que é especialista nisso. Se for honesto vai dizer que entende do atendimento de um ou dois tipos, no máximo três daqueles tipos mais comuns.

    O problema que se coloca na discussão do PNE é, na verdade a distribuição e controle dos recursos do Fundeb.

    Agora, se é reconhecido que todos tem o direito à educação e, portanto, os portadores de necessidades especiais devem ir para a escola, a inclusão é muito mais do que isso. É, principalmente, ter todos – absolutamente todos – na escola. E é isso que deve ser perseguido.

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