As histórias de Garrincha

Sugerido por jns

Da Trivela

Garrincha, 80 anos: as histórias incríveis da Alegria do Povo

Por Bruno Bonsanti e Leandro Stein
 
Nesta segunda-feira, faz 80 anos que nasceu, no interior do Rio de Janeiro, o homem que transformava um pequeno guardanapo em um latifúndio, como escreveu Armando Nogueira. Mané Garrincha desafiou uma legião de marcadores e transformou todos em Joões. Desafiou a deformidade do seu corpo e se eternizou como o Anjo das Pernas Tortas. Desafiou o álcool e perdeu. Morreu de cirrose, cinquenta anos depois de sair da barriga da mãe.
 
O que ficou para a história foram milhares de dribles, centenas de gols e uma dupla com Pelé que nunca perdeu uma partida pela seleção brasileira. O melhor jogador da Copa do Mundo de 1962 também era conhecido pela ingenuidade que contrastava com a extrema inteligência dentro de campo. Ele, porém, não era tão inocente quanto se pensava. As histórias que o retratam como um bobo tapado contém doses de exagero e de misticismo. Acontece com toda lenda.
 
Nos 80 anos do nascimento do mulherengo que tinha medo de agulha e que foi apelidado por caçar passarinhos, reunimos sete histórias deliciosas para lembrarmos que Garrincha não foi apenas o maior camisa sete da história, mas também um dos personagens mais interessantes que o futebol já viu.

 
“Didi, fala com ele para não fazer isso”

Garrincha e Nilton Santos

Desde o primeiro treino no Botafogo, em 1953, Nílton Santos sofria com Garrincha. Todos já ouviram detalhes de como o novato ponta-direita humilhou o experiente lateral esquerdo na primeira vez que se encontraram. Aliás, como o gol de Pelé na Javari, milhões de pessoas garantem que estavam em General Severiano assistindo. Na biografia que Ruy Castro escreveu sobre Mané, consta outra história em que a Enciclopédia do Futebol teve problemas pelo infortúnio de ter que enfrentar o colega de pernas tortas.
 
Nílton Santos tinha 33 anos na época da Copa do Mundo de 1958, mas essa era apenas a desculpa que Mendonça Falcão, presidente da Federação Paulista de Futebol, usava para tentar barrá-lo e colocar Oreco, do Corinthians, como titular. Bairrista e quase analfabeto, Falcão também tinha problemas pessoais com Nílton, que viu a sua vaga no time de Vicente Feola ameaçada. Por isso, resolveu treinar a sério contra Garrincha.
 
O problema é que querer parar Mané nunca bastou. Era necessária uma conjunção de fatores extraordinários. Nílton Santos achou que tivesse pegado o jeito de marcar Garrincha. Manteve o pé de apoio no gramado e aguardou o amigo tomar a iniciativa. Não funcionou, claro. Levou um, dois, três, quatro dribles e não aguentou mais. Precisou apelar.
 
“Didi, fala com ele para não fazer mais isso!”, implorou, praticamente. Didi, outro craque do Botafogo, foi tentar argumentar com Garrincha. “Poxa, Mané, não faz isso. O Nílton é do Botafogo e teu chapa”. O jogador percebeu que poderia prejudicar o companheiro e tentou maneirar. O problema é que Garrincha era instintivo. Não conseguia se segurar. E mais uma vez transformou um dos maiores laterais do futebol brasileiro em um João qualquer. Nílton Santos, então, partiu para a violência e deu alguns socos na barriga de Mané, que reclamou após o treino.
 
“O que deu em você? Olha a minha barriga. Está toda vermelha”. “Ou você sossega ou eu não jogo essa Copa do Mundo. Os homens estão querendo me botar na cerca. Vamos com calma”, pediu Nílton Santos, que garantiu a posição de titular em dois amistosos contra a Bulgária, no Maracanã e no Pacaembu, mas nunca descobriu a melhor forma de marcar Garrincha.
 
Mané humilhou na Copa e ainda foi leal
 
http://www.youtube.com/watch?v=ojLKzLuvni8
 
A partida mais célebre de Garrincha foi logo sua estreia na Copa de 1958. O Brasil corria o risco de ser eliminado pela União Soviética e Vicente Feola apostou no camisa 11 entre os titulares. Era a criatividade do ponta direita contra o cientificismo que era atribuído aos soviéticos. Antes do apito inicial, o técnico ordenou a Didi: “Lembre, o primeiro passe vai para Mané”. E, segundo Nelson Rodrigues, “a desintegração da defesa começou exatamente no primeiro momento em que Garrincha tocou a bola”.
 
Idealizador da Liga dos Campeões, o jornalista Gabriel Hanot definiu o início daquele jogo como ‘os três melhores minutos da história do futebol’. Neste curto intervalo, Garrincha e Pelé acertaram a trave de Lev Yashin, enquanto Didi lançou Vavá para abrir o placar.
 
Naquele dia, Mané eternizava o ‘joão’, o marcador que sabia muito bem o que ele faria, mas não se cansava de ser driblado. Boris Kuznetzov, o lateral esquerdo da seleção soviética, foi quem mais sofreu com aquele trançar infinito de pernas tortas.
 
Com 30 segundos de jogo, Kuznetzov já tinha sido ludibriado por Garrincha algumas vezes e ido ao chão – pouco antes de receber reforço de outros dois companheiros na marcação, igualmente enganados pela ginga. E a cena dos soviéticos tropeçando nas próprias pernas seria constante. Em uma delas, Mané colocou o pé sobre a bola e estendeu a mão para o defensor se levantar. Bastou o adversário ficar em pé novamente para que ele voltasse a correr. Uma humilhação gigantesca, tratada pelo craque como um lance de pelada.
 
Teve aquela vez que Garrincha criou o grito de olé
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Sabe quando a torcida começa a gritar “olé” ao ver um time muito superior ao adversário? A primeira vez que isso aconteceu foi em 1957, no México. Graças a Garrincha. João Saldanha, técnico do Botafogo na época, conta em seu livro Histórias do Futebol que Mané estava impossível em um amistoso contra o River Plate, no Estádio Universitário, parte da excursão do time carioca ao país. Quem mais sofria era Vairo.
 
“Toda vez que Mané parava na frente de Vairo, os espectadores mantinham-se no mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: ‘Ô ô ô ô ô ô-lê!’”, escreveu Saldanha. “Foi ali, naquele dia, que surgiu a gíria do ‘olé’. As agências telegráficas enviaram longas mensagens sobre o acontecimento e deram grande destaque ao ‘olé’. As notícias repercutiram bastante no Rio e a torcida carioca consagrou o ‘olé’”.
 
O jogo terminou empatado, mas Vairo não terminou o jogo. O técnico José Maria Minella, do River Plate, foi piedoso e substituiu o jogador, que saiu de campo dando risada. “Não tem o que fazer. Impossível”, disse, antes de acrescentar para o seu suplente. “Boa sorte, amigo. Antes, porém, te aconselho a escrever algo para sua mãe”.
 
Como escreveu Saldanha – tão craque com as palavras quanto Garrincha com a bola – é apropriado que Mané tenha inspirado esse grito. “Garrincha é o próprio ‘olé’ Dentro e fora de campo, jamais vi alguém tão desconcertante, tão driblador. É impossível adivinhar o lado por onde Mané vai sair da enrascada. Foi a coisa mais justa do mundo que Garrincha tivesse sido o inspirador do ‘olé’”.
 
Para onde foi o Mané?
Brazil's Garrincha, dribbles to past an unidentified Soviet Union player
Botafogo tinha dois amistosos em El Salvador. Contra a seleção local e contra o Independiente. O último jogo foi antecipado em um dia e, na véspera, um jogador não estava no hotel. João Saldanha, técnico, não sabia onde estava Mané Garrincha. Pegou um táxi, acompanhado do roupeiro Aloísio Birruma e do dirigente Renato Estelita e saiu pelas ruas para procurar o craque desaparecido.
 
Rodaram, rodaram e rodaram e nada de encontrar Mané. Aloísio viu um cartaz pendurado em um poste que anunciava um “Gran concurso de Bolero” naquela mesma noite. Era difícil imaginar Garrincha participando de um concurso de dança, mas, como as opções estavam se esgotando, a delegação do Botafogo foi para La Caverna ver se ele estava lá.
 
E não é que estava?. O público tomava conta da pista, extasiado com os movimentos de uma dupla singular: uma garota baixa, de um metro e meio, usando um vestido verde e um lenço amarelo e vermelho e o maior ponta direita da história. Renato não quis saber de nada. Invadiu a pista e mandou Mané entrar no táxi, deixando a pequena dançarina aturdida, sem saber o que estava acontecendo.
 
Por que diabos Mané Garrincha estava em um concurso de dança? A explicação, reproduzida no livro Histórias do Futebol, escrito por Saldanha, é simples: “O senhor (Renato) não me mandou ir representar a gente na Escola Brasil? Lá só tinha velha e ninguém quis ir. Eu fui e me chateei a tarde toda. Depois, fui ao cinema e voltei ao hotel. A garota me convidou para o concurso. Era dia livre e eu fui. Eu ia ganhar vinte dólares no concurso. Ainda tinha uma taça. A garota é o fino na dança e o papai aqui é o maior. O senhor estragou tudo”.
 
Todos entenderam que Mané não viu o aviso de que o jogo havia sido antecipado e não houve punição, mas Garrincha tinha outra preocupação: não queria que os companheiros tirassem sarro. Não deu muito certo. No café da manhã do dia seguinte, Édson chamou o colega de pernas tortas de “Cinderela” porque ele “tinha saído à meia-noite antes do baile acabar”.
 
E que fim levou a garota? Bom, ela apareceu no hotel e fez um escândalo até que Renato Estelita aceitasse pagar os vinte dólares, já que ela tinha certeza que seria campeã do concurso. Ao ver o chefe tirar a carteira do bolso, Mané emendou: “Seu Renato, também tenho direito a vinte dólares. Eu também ia ganhar o prêmio. O senhor viu como o pessoal aplaudia, né?”. Garrincha não ganhou os vinte dólares.
 
Tio Patinhas contra a rapa
 
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Amigo de Garrincha, o jornalista Sandro Moreyra foi um dos principais encarregados de listar os folclores do craque. Uma das anedotas mais célebres aconteceu em um jogo da Seleção. No intervalo, o técnico Vicente Feola foi orientar seus comandados. E se dirigiu ao ponta:
 
– Você, Mané, vai avançar mais pelo canto. Daí…
 
Quem disse que ele prestara atenção? Garrincha estava encostando em um canto, lendo um gibi. Foi a deixa para que Feola esbravejasse:
 
– Bem, então você faça o que quiser
 
O ponta foi fiel às ordens e fez o que quis para os brasileiros saírem com a vitória.
 
Comendo o prato errado
 
Garrincha estava longe do estrelato quando faleceu
 
Durante uma excursão à Europa, a Seleção precisou fazer escala em Paris. E, entre um voo e outro, os jogadores acabaram almoçando no próprio restaurante do aeroporto. Dentista da equipe, Mário Trigo foi ajudar os jogadores com o cardápio em francês. Mas Garrincha recusou qualquer intervenção:
 
– Doutor, deixa que eu mesmo peço.
 
– Como é que você vai pedir, se não conhece a língua?
 
– Deixa, doutor. É simples. Só preciso apontar o dedo para o prato que quiser.
 
Enquanto todos almoçavam, Garrincha esperava. E o impaciente Mané reclamou da demora da comida ao doutor, que foi verificar com os garçons o que tinha acontecido. Desfez-se o mistério. O que ele tinha pedido?
 
– Não o servimos porque ele indicou que quer comer o dono do restaurante, Monsieur Jean Paul.
 
O radinho da discórdia
Garrincha faria 77 anos nesta quinta-feira
Uma história de Garrincha que possui várias versões fala sobre a compra de um rádio na Copa de 1958. Segundo o dentista Mario Trigo, o massagista Mario Américo foi quem passou a perna em Mané. O jogador estava maravilhado com um radinho de pilha adquirido na Suécia, quando o massagista resolveu pregar a peça:
 
– Esse rádio não funcionará no Brasil, ele só fala sueco! Façamos o seguinte: você pagou 180 coroas, te dou 90 para diminuir seu prejuízo.
 
Garrincha caiu na lábia e foi reclamar com Trigo, com quem tinha ido à loja fazer a compra. O dentista desfez a confusão ao pegar 180 coroas com Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação, e trazer outro aparelho. Bom para o Mané, contente com o rádio poliglota.

 

Redação

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  1. Entrevista com a lenda dos gramados

    Uma vida repleta de vitórias e derrotas.

    Do blog do Wanderley Nogueira [ Publicado na Gazeta Esportiva de 11/09/1980 ]

    Nenhum jogador brasileiro, salvo Pelé, mereceu mais o paraíso do que ele. Nenhum jogador da sua categoria chegou tão perto do inferno.

    Garrincha saíra das paginas esportivas para as manchetes dos jornais de escândalo, encantados com a notícia de que ele deixara a mulher e as oito filhas em Pau Grande, para viver com a cantora Elza Soares. A mulher sueca não era esquecida e muito menos a Iraci, sempre disposta a tê-lo nos braços, nos momentos difíceis. As notícias sobre suas dívidas cresciam como só os rumores sabem crescer. Não bastava, assim, que Garrincha não tivesse nada. Era necessário que ele, quase derrotado, ainda ficasse devendo.

    As coisas melhoraram um pouco. Alguns verdadeiros amigos apareceram. Surgiu Vanderléa – viúva de Jorginho Carvoeiro – com quem Garrincha vive há três anos e uma nova e brilhante luz surgiu sobre a lenda Garrincha.

    Na verdade a vida de Garrincha é uma peregrinação que ainda não terminou. Mas como todo personagem principal de uma lenda, ele tem fé, esperança, amor e forças para continuar resistindo. É uma lenda.

    Com os cabelos grisalhos, pele queimada pelo sol de tanto correr atrás de uma bola – está jogando pelo Milionários, uma equipe de veteranos, onde ganha por partida 15 mil cruzeiros – e sentado num sofá gasto pelo tempo, Garrincha vai falando de sua vida:
    “Tenho 46 anos de idade, 17 anos como jogador profissional percorrendo o Botafogo, o Corinthians, o Flamengo e o Olaria”.

    “Nem lembro quantas vezes joguei por uma Seleção do Brasil. Sou desligado mesmo. Mas dois jogos ficaram marcados para mim: contra o Chile e contra a Rússia, mas a partida mais difícil foi mesmo contra a Hungria em 1958”.

    “Não foi difícil chegar ao Botafogo. Jogava bem lá em Pau Grande e surgiu o Arati e levou-me para o Botafogo. Antes, um senhor chamado Manoel, sócio do Vasco da Gama, que resolveu levar-me para treinar em São Cristóvão. Mas esqueci de levar as chuteiras e não pude treinar. Alguns dias antes fui tentar a sorte no Fluminense e como tinham muitos rapazes esperando por uma chance, também não pude passar por um teste”.

    “Bem, no primeiro treino no Botafogo fui marcado por um moço forte e elegante. Deitei e rolei. Então fiquei sabendo que o meu marcador tinha sido o Nilton Santos. Depois, tudo ficou mais fácil”.

    Uma partida entre Flamengo e Botafogo, no Maracanã, jamais será esquecida por Garrincha:  “Em 1962, marquei três gols e naquele jogo eu fiz tudo. Que coisa linda…”.

    O gol mais bonito também tornou-se inesquecível: “Foi contra a Inglaterra em 62. Recebi um passe do Didi, parei e meti de curva e matei o goleiro”.

    Em 1966 a maior decepção: “Deu tudo errado. Um time sem nenhuma organização. Quase 50 jogadores. Alguns foram crucificados, entre eles, eu. Foi uma mágoa muito grande.

    Com Garrincha, um ataque incrível: “Acho que comigo pela direita, Didi, Pelé, Vavá e Zagalo formou-se o melhor ataque de todos os tempos”.

    Os ponteiros estariam liquidados?

    “Que nada…gosto muito do Nilton Batata. Acho que um ponteiro tem que partir para a linha de fundo. Esse é o verdadeiro jogador. Cabe ao treinador aproveitá-lo assim. É um crime tentar alterar a nata característica de um atacante. Se eu tivesse que jogar hoje garanto que jogaria exatamente como eu joguei no passado. Deu certo e eu não seria burro de mudar o estilo”.

    Garrincha começa a contar capítulos de uma vida muito atribulada. Ganhou e perdeu muito dinheiro: “No Botafogo eu sempre fui um jogador que fiz péssimos contratos. Nunca recebi luvas no Botafogo. Somente em 1962, como bicampeão do mundo recebi luvas por um contrato de três anos. Eu sempre assinei contratos em branco. Queria mesmo era jogar…”.

    “Em 1963 fiquei sabendo do interesse do futebol italiano pelo meu futebol. Sonhava jogava no exterior. Mas o Botafogo pediu um milhão de dólares e a Itália admitia pagar setecentos mil dólares. Foi um sonho que não consegui realizar e perdi muito dinheiro”.

    “Quando eu era menino eu sonhava conhecer o México. Um dia o Botafogo foi jogar lá. Larguei as malas no hotel e vi tudo aquilo que estava acostumado a ver nos filmes. Existia tudo mesmo…”.

    “O dinheiro que eu arrecadei não foi bem aplicado. E assim perdi quase tudo. Comprei ações e elas caíram na cotação e é claro que fiquei mais pobre do que antes”.

    “E o que sobrou dei tudo para a minha mulher e para as minhas filhas. Não pensei em ficar com nada. Não era justo guardar alguma coisa…”.

    Nair, Iraci, Elza, o caso sueco, e Vanderléa. As mulheres da vida de Garrincha. Ele continua gostando de todas: “A Elza foi embora. Achei uma falta de respeito. Quando a gente gosta não abandona alguém. Eu gosto dos meus pássaros e não os abandono”.

    “Ela fugiu de mim. Temos um filho, que não vejo há três anos”.

    “Estou vivendo há três anos com a Vanderléa. No início do próximo ano nascerá um filho e neste momento sou feliz”.

    “Com a Nair não deu certo porque ela não caminhou comigo. Eu andei e ela estacionou. Foi melhor a separação. Surgiu a Elza e fiquei com ela por 16 anos seguidos”.

    “Quando era menino namorei com a Iraci. Quando fiquei moço voltei a encontrá-la. Temos dois filhos e está sempre disposta a receber-me quando tenho problemas. É muito boa”.

    “A sueca foi um caso rápido. Quando conquistamos a Copa do Mundo ela estava lá. Mantive um caso e temos um filho que está já na universidade. Não sei dela há muitos anos”.

    “Mas tenho que agradecer mesmo é a Vanderléa. Ela salvou-me. Saí de um verdadeiro buraco. Estava tomado pela bebida, sem forças para reagir. Ela agarrou no meu braço e começou a caminhar comigo. Estou recuperado e devo tudo a ela”.

    Perdeu todo o dinheiro arrecadado numa partida amistosa marcada exatamente para ajudá-lo: “A Elza resolveu comprar uma churrascaria”.

    “Tentei explicar que ela não poderia ficar na churrascaria e eu também não. Quem iria tomar conta?”

    “Mesmo assim comprei, paguei um milhão e duzentos mil cruzeiros e a churrascaria faliu. Perdi todo o meu dinheiro”.

    E a bebida?

    “Quando a Elza foi embora eu comecei a beber muito, muito mais. Apareceu a Vanderléa e tudo melhorou. Com ela chegou novamente a minha alegria”.

    “Sem ela eu teria morrido”.

    “Tenho 12 filhos. Um menino com a Iraci, outro com a Elza, outro na Suécia e espero que este que nascerá em janeiro seja menino. Tem que surgir um outro Garrincha”.

    E o desfile na Mangueira?

    “Foi bom. Chamou a atenção de muita gente. Depois do desfile apareceu muita gente tentando ajudar-me. Valeu”.

    E os falsos amigos?

    “Sempre existiram. A gente tem que aprender a conviver com isso. Procuro não fazer inimigo, mas às vezes isso é impossível”.

    Na opinião de Garrincha, excluindo Pelé, Zizinho foi o melhor jogador do futebol brasileiro: “Ele era um gênio, e muita gente acha isso”.

    Jogando pelo Milionários, Garrincha está ganhando muitos presentes: “No interior tenho encontrado muitos fazendeiros ricos e chego em casa com sacos de arroz e feijão”.

    Mané Garrincha gosta de Zagalo como técnico, enaltece Zezé Moreira, ainda confia em Coutinho e acha que Telê Santana entende mesmo de futebol. Sua seleção é a mesma do atual treinador da CBF apenas incluindo o ponteiro Nilton Batata.

    Este é o Garrincha, uma verdadeira lenda. Que continua ingênuo. Que ganhou um automóvel de presente e nem foi vê-lo preferindo vendê-lo pela metade do preço. Que saltou do trem e caiu num enorme buraco e que foi até mordido na Espanha por um desesperado marcador adversário. Que tem mágoa de Filpo Nunes na sua passagem pelo Corinthians e adora o técnico Osvaldo Brandão.

    Continua mais vivo do que nunca o Garrincha, lenda, gênio, mito.

    Volta a respirar o homem Mané que promete nunca mais beber, que quer mais filhos e ser feliz com Vanderléa. Uma vida intensa, dramática, engraçada, e marcada pela vontade de acertar

    1. Ele e a Elza Soares moraram

      Ele e a Elza Soares moraram na Ilha do Governador, onde nasci, me criei e minha família mora até hoje. Em frente à casa deles, no Moneró, havia um campinho onde a gente jogava bola, na vã esperança de que Garrincha pelo menos chegasse na varanda, “descobrisse” um de nós e levasse para o Botafogo.

      Algumas vezes vi Garrincha, ainda jogador do Botafogo, chegar na barbearia de Wilson, na Estrada do Dendê, com um copinho de cachaça na mão. Nada de cerveja, uísque ou outra coisa: com ele era cachaça mesmo.

      E no Maracanã, pobres de nós, rubro-negros. Jordan, lateral-esquerdo do Flamengo (acho que era também passista da Mangueira), tentava marcar o Mané pulando de um lado para outro; o demônio ficava parado, hinotizando e de repente (cadê ele?) já tinha saído pelo lado oposto ao pulo do lateral. Pior era o Coronel, do Vasco, que já entrava em campo de cabeça baixa porque era o joão predileto, segundo a lenda. Altair, do Fluminense, tentava marcar na base do carrinho, nunca deu certo.

      A Ilha do Governador, na minha época de garoto, era local de residência de muitos jogadores famosos. Sabará (ponta-direita do Vasco, cujo filho Tilico jogava uma bola medonha), Pinga (ponta-esquerda do Vasco, dono de um narigão indecente), Escurinho (ponta-esquerda do Fluminense, muito veloz, risonho, andava pela rua daquele jeito pisa-macio), Didi (morou um tempo na Ilha, acho que numa época em que separou da Guiomar, gostava muito de passear de bicicleta), Clóvis (quarto-zagueiro do Flu), Brito (Vasco e seleção) e outros. Sem contar o pioneiro, o grande Nilton Santos, nascido e criado lá, e a quem tive o prazer de encontrar aqui em Maceió há alguns anos, e dele recebi com dedicatória o livro-depoimento Minha Bola, Minha Vida.

      Recordações, lembranças…

  2. Licença para contar um causo …

    Licença para contar um causo:

    Assisti uma vez Sandro Moreyra contar uma história de um treino em General Severiano. O técnico (não me recordo o nome) reuniu os jogadores Didi, Garrincha, Quarentinha e Zagalo (ne época era como um “L” só) para treinar uma jogada. Falou para Garrincha que ele não precisaria chegar a um palmo da linha de fundo para cruzar. Que ele deveria, ao passar pelo marcador, cruzar da quina da grande área para pegar Quarentinha entrando de frente. Combinado. Começa o treino. Garrincha pega a bola dribla 38-39 que estavam na sua frente, vai até rente a linha de fundo e cruza. O treinador interrompe o treino e fala para Garrincha que o combinado era da quina da grande área. Segundo Sandro,  como Garrinha repetiu pela enésima vez a mesma jogada, o treino foi interrompido. O treinador coloca tres cadeiras em fila, distante um-dois metros uma da outra, sendo a última a um metro da linha de fundo justamente para marcar que antes dela ele deveria cruzar. Recomeça o treino, Garrinha recebe a bola, na corrida mete a bola por entre as pernas das tres cadeiras e cruza. O treinador entra em campo, joga as tres cadeiras para fora do campo, fala para Garrinha fazer o que bem entendesse que ele não estrava ali para perder tempo.

    P.S.- Meu pai, Vascaíno, ia a jogos do Botafogo só para ver Garrincha e Nilton Santos jogarem.

     

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