Exclusivo: “Bolsonaro me acusa, mas eu nunca sequer fui indiciado”, diz Carlos Gabas, do Consórcio Nordeste

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Em entrevista ao GGN, Carlos Gabas explica investigação sobre a compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste e anuncia processo contra Bolsonaro

Ex-ministro da Previdência de governos petistas e atual secretário-executivo do Consórcio Nordeste, Carlos Gabas concedeu na manhã desta sexta (28) uma entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, do GGN, onde explica o que aconteceu com a compra de 300 respiradores chineses pelos governadores nordestinos durante a pandemia de Covid-19.

Os 300 respiradores adquiridos em abril de 2020 da empresa HempCare custaram 48 milhões de reais ao Consórcio que reúne os 9 estados nordestinos, mas os equipamentos jamais chegaram aos hospitais. A compra foi efetuada na falta de articulação do governo federal para garantir equipamentos e insumos necessários ao enfrentamento da pandemia. Mediante indícios de fraude, o caso foi levado às autoridades por Gabas.

Candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL) tem citado Carlos Gabas e o nome do governador da Bahia, Rui Costa (presidente do Consórcio Nordeste), em entrevistas e debates eleitorais. “Ele me cita como única forma de atingir o governo do presidente Lula”, diz o secretário.

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Bolsonaro afirma que os governadores aliados a Lula, via Consórcio, desviaram quase 50 milhões de reais da Saúde para comprar os respiradores prometidos por uma “casa de maconha”, que deu calote na entrega. Bolsonaro argumenta ainda que este teria sido o único caso de corrupção durante a pandemia, e que a CPI no Senado “blindou” Gabas e Costa.

“O Bolsonaro me acusa mas eu nunca sequer fui ouvido [pelos investigadores], nem indiciado, nem mesmo como testemunha”, disse Gabas sobre a investigação que tramita há pelo menos dois anos sem conclusão.

Cercados, empresários desenrolaram um script que atinge o PT

De acordo com as investigações da Polícia Federal, a Hempcare contratou uma empresa de Araraquara, a Biogeoenergy, para ajudar na entrega dos respiradores em atraso. A segunda empresa embolsou o dinheiro e também não cumpriu o contrato.

Cercados pela investigação, os donos das duas empresas supreendentemente tiveram os bens desbloqueados e passaram a relatar um suposto pagamento de 12 milhões de reais em “comissão” a dois homens (Fernando Galante e Cleber Isaac) que seriam “influentes” junto ao Consórcio.

“Eu fui à polícia, denunciei, fiz o boletim de ocorrência, relatei os fatos. A denúncia gerou investigação autorizada pela Justiça Federal. Grampearam o telefone dos empresários e constaram que era fraude. Prenderam os empresários, que disseram que o dinheiro foi enviado para os EUA e que iriam devolver. No quarto dia de prisão, eles estavam assinando procuração para repatriar o dinheiro. O Ministério Público da Bahia entrou com petição pedindo a soltura dos presos e o desbloqueio dos bens. Nunca entendemos o porquê disso”, comentou Gabas.

Governadores compraram respiradores no “desespero”

Para entender por que os governadores compraram 300 respiradores de uma empresa que também vende produtos a base de cannabis medicinal, é preciso voltar ao início da pandemia.

No início de 2020, o mundo assistia em pânico ao colapso do sistema de saúde na Europa, sobretudo na Itália, diante da disseminação em massa do coronavírus.

“Nós temos que entender o seguinte: estávamos numa situação totalmente fora de padrão. Ou compra agora, ou não compra mais. Era disputa por um equipamento que estava fora do mercado e os governadores estavam preocupados em salvar vidas.”

O Consórcio Nordeste imediatamente pediu uma reunião com Bolsonaro, para avisar que não estavam preparados para enfrentar a crise sanitária. Bolsonaro deu de ombros e jogou a responsabilidade para o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que admitiu que realmente não havia insumos e equipamentos em solo nacional, e que seria necessário importar. “Vocês se virem”.

O Consórcio comprou então o primeiro lote de respiradores, 750 unidades fabricados pela China. Antes de chegar ao Brasil, o avião fez escala nos Estados Unidos. E o então presidente Donald Trump decidiu ficar com os equipamentos alegando “interesse nacional”.

Após uma reunião de governadores nordestinos com representantes da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), órgão vinculado à OMS (Organização Mundial da Saúde), ficou patente que a dinâmica do mercado internacional havia mudado.

“O Jarbas Barbosa, que era diretor da OPAS, disse o seguinte: ‘não estamos conseguindo comprar respiradores. Toda a produção de respiradores havia sido comprada por EUA, Alemanha, Inglaterra, Itália, França. O que existe hoje de respirador está na mão de representantes comerciais. E aí está o risco. Esses representantes passaram a cobrar pagamento antecipado dos governos, o que não está na lei. O governo federal, reconhecendo isso, criou uma medida provisória alterando a lei e recepcionando: no caso de equipamento para a pandemia, poderia pagar adiantado. (…) Esses atravessadores começaram a leiloar equipamentos, vender e não entregar”, comentou Gabas, lembrando que mais de 10 estados brasileiros tomaram calote.

O Consórcio Nordeste chegou a comprar outros 750 ventiladores que ficaram presos na Califórnia, porque o representante comercial decidiu entregar a encomenda para outro comprador que pagou mais caro.

“E depois compramos esses 300 respiradores chineses, que a empresa apresentou um contrato falso para nós, dizendo que tinha respiradores a pronta-entrega. A pessoa não entregou. Passou uma semana, não entregou. Falei com o governador [Rui Costa] e disse que estava cheirando a sacanagem. Ele disse: ‘denuncie imediatamente’.”

O processo em andamento

Após a Justiça determinar o desbloqueio de bens e a liberdade dos empresários, o Consórcio Nordeste precisou se mobilizar para reaver o dinheiro investido. “O processo segue na Justiça. Uma parte do dinheiro já voltou para os cofres públicos. 73% do valor do Rio Grande do Norte já foi depositado na conta. Os estados entraram junto na ação. Pedimos de novo bloqueio dos bens. Agora, a quadrilha foi desbaratada.”

Sobre a acusação de que pessoas “influentes” junto ao PT teriam recebido propina dos empresários que conseguiram o contrato, Gabas diz que a investigação vai mostrar a verdade.

“É simples, segue o dinheiro. Foram depositados 48 milhões na conta dela [dona da Hempcare]. Se o dinheiro saiu da conta dela para outras contas, bloqueia tudo e faz devolver. O processo segue na Justiça. O Bolsonaro me acusa mas eu nunca sequer fui ouvido, nem indiciado, nem como testemunha porque o início do processo fui eu quem fiz. É meu relato na polícia.”

Ao GGN, Carlos Gabas afirmou que está com um processo pronto contra as calúnias proferidas por Bolsonaro.

“Eu vou acionar o Bolsonaro na Justiça. Eu quero impor a ele um castigo. Estou procurando uma associação de pessoas que estão usando cannabis para tratamento médico, que é muito caro, e o dinheiro da ação eu vou comprar em cannabis para atender pacientes que precisam.”

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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