Matéria publicada originalmente em 29/4/2020
Jornal GGN – O levantamento abaixo, sobre o caso Queiroz, ou inquérito das “rachadinhas”, foi feito pelo GGN usando reportagens de veículos da imprensa, petições e informações oficiais do Ministério Público do Rio de Janeiro, do Ministério Público Federal, e reclamações movidas pela defesa de Flávio Bolsonaro.
O levantamento confirma que o MP-RJ tinha em mãos dados do Coaf sobre as movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz muito antes da eleição presidencial que deu vitória a Jair Bolsonaro, e decidiu não utilizá-las politicamente.
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Quando o escândalo veio à tona, em dezembro de 2018, o MP-RJ já tinha pelo menos dois relatórios parciais do Coaf, mas apenas um foi divulgado à imprensa naquele momento.
Acompanhe a linha do tempo:
JAN/2018: Setor de inteligência do MP-RJ recebe o relatório “RIF 27746”, “encaminhando espontaneamente pelo Coaf”, sobre movimentações financeiras suspeitas de Fabrício Queiroz e outras dezenas de assessores e ex-assessores da Alerj. Diz o MP-RJ que, “em geral”, a análise compreendia o período de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. As transações de Queiroz nesse intervalo somaram 1,2 milhão de reais.
O Coaf segmentou os suspeitos em 22 grupos, de acordo com o gabinete em que estavam lotados e outros critérios. Queiroz ficou no grupo 20.
MAR/2018: O GAOCRIM (Grupo de Atribuição Originária Criminal da Procuradoria-Geral de Justiça) recebe o relatório do setor de inteligência e desmembra em várias investigações seguindo o critério de divisão do Coaf. O procurador-geral de Justiça é José Eduardo Gussem.
JUL/2018: No dia 30 de julho de 2018, o MP-RJ instaura oficialmente o PIC (procedimento investigatório criminal) nº
2018.00452470, especificamente sobre Fabrício Queiroz e outros assessores ligados ao ex-deputado Flávio Bolsonaro.
[Nos meses seguintes, foi solicitado ao Coaf mais informações sobre o grupo 20, e chegaram mais 3 relatórios: RIF 34670, RIF 38484, RIF 39127.]*
AGO/2018: O relatório do Coaf “RIF 34670” chegou ao MP-RJ no começo de agosto. Ele diz respeito a movimentações dos assessores de Flávio realizadas entre novembro de 2017 a junho de 2018.
OUT/2018: Em 15 de outubro, durante o segundo turno da corrida presidencial, Queiroz pede demissão do gabinete de Flávio. Outros assessores são exonerados, inclusive mulheres ligadas a Adriano Nóbrega, suspeito de integrar o Escritório do Crime, um grupo de milicianos que praticam assassinato por encomenda. Eles são investigados por participação na execução de Marielle Franco.
Em 16 de outubro de 2018, a força-tarefa do MPF que cuida da Lava Jato solicita ao juiz Marcelo Bretas a deflagração da operação Furna da Onça. A ação é autorizada em 25 de outubro. (Mas, por causa do período eleitoral, que proíbe prisões, a fase ostensiva só foi executada em 8 de novembro.)
NOV/2018: Jair Bolsonaro, já eleito, anuncia como prioridade a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça, que já estava reservado para o ex-juiz da Lava Jato em Curitiba, Sergio Moro.
Em 8 de novembro, a Furna da Onça é deflagrada. Dezenas de deputados estaduais são presos por suposta participação em esquema do governo Cabral. O relatório do Coaf foi usado pela força-tarefa, mas Flávio Bolsonaro não está entre os investigados.
Em 22 de novembro, o MP-RJ expede notificação para ouvir Queiroz em 4 de dezembro.
DEZ/2018: Estadão revela, em 6 de dezembro, o nome de Queiroz no relatório do Coaf. No meio das movimentações que somaram 1,2 milhão de reais está um cheque até hoje mal explicado de R$ 24 mil para a primeira-dama da República, Michelle Bolsonaro.
Ao longo de dezembro, Queiroz e outros assessores não comparecem aos depoimentos agendados pelo MP.
Em 14 de dezembro, MP pede relatório ampliado ao Coaf, com dados fiscais de abril de 2007 a dezembro de 2018, atingindo também Flávio Bolsonaro. Ao mesmo tempo, solicita à ALERJ informações de pagamentos e outras verbas devidas aos servidores, pelo mesmo período de análise.
Ainda em dezembro, Flávio reclama na Justiça que ele já era senador eleito quando o MP-RJ pediu um relatório ampliado ao Coaf. Ele foi diplomado em 18 de dezembro. [Mais tarde o ministro Marco Aurélio Mello responderia que não existe “elevador processual” neste caso, ou seja, Flávio não tem direito a foro apenas porque foi eleito. A Suprema Corte entende que o foro é pertinente aos fatos investigados.]
Queiroz encerra o ano com uma entrevista ao SBT, onde afirma que o dinheiro incompatível com sua renda de assessor e ex-policial era fruto, então, de venda de carros.
JAN/2019: Flávio aparece na mídia dizendo que não tem conhecimento das atividades de seus assessores. Em 16 de janeiro 2020, o ministro Luiz Fux, de plantão no recesso do Supremo, suspende a investigação a pedido de Flávio. A relatoria da ação é de Marco Aurélio.
Em 22 de janeiro é deflagrada a Operação Intocáveis contra um grupo de milicianos da comunidade de Rio das Pedras. As mensagens apreendidas no celular de Adriano Nóbrega e sua esposa, ex-assessora de Flávio, são anexadas ao PIC do caso Queiroz.
Em 25 de janeiro, advogados acionam o Conselho Nacional do Ministério Público contra o procurador-geral José Eduardo Gussem, que foi flagrado almoçando com um jornalista da GloboNews.
Antes do mandato de deputado de Flávio terminar, em 31 de janeiro de 2019, Gussem transfere o caso Queiroz para a 24ª Promotoria de Investigação Penal, mas o promotor titular, Cláudio Calo Souza, se declarou impedido depois de ter se encontrado com Flávio Bolsonaro em 30 de novembro de 2018. O processo é enviado ao “promotor de Justiça tabelar”, que solicitou apoio do GAECC, que vem conduzindo as investigações desde o começo.
FEV/2019: O GAECC descobre investigação do MP-RJ, sobre a evolução patrimonial suspeita de Flávio, que foi arquivada por falta de provas. Pede o desarquivamento. Gussem autoriza e as informações são somadas ao PIC da “rachadinha”, que ampliou agora o escopo da investigação para apurar também os negócios imobiliários do ex-deputado. A decisão ocorre depois que Flávio diz à imprensa que parte do dinheiro sacado em espécie por Queiroz era pagamento pela venda de um imóvel no Rio.
Alegando sigilo no processo, o MP-RJ não confirmou ao GGN quando Flávio aparece oficialmente como investigado no processo, mas há informações, em petição do próprio MP-RJ à Justiça, dando conta de que é neste momento, quando o PIC é aditado para somar o inquérito desarquivado por Gussem. A petição é de abril de 2019.
MAR/2019: Flávio reclama que deveria ter sido informado que era alvo do PIC da rachadinha desde o começo. O MP-RJ diz que o CNMP arquivou reclamações contra Gussem.
ABRIL/2019: MP-RJ pede à Justiça uma série de diligências, incluindo a quebra de sigilo telemático e fiscal de Flávio, seus assessores, sócio e outras empresas ligadas a ele, para investigar rachadinha e negócios imobiliários. Alexandre Ferreira Dias Santini, sócio de Flávio em uma loja de chocolates na Barra da Tijuca, também é alvo da medida.
DEZ/2019: O pedido é autorizado pelo juiz Flávio Itabaiana em dezembro de 2019, depois de uma série de recursos tentados pela defesa do senador em tribunais superiores, e do próprio STF suspender a investigação, por alguns meses, até decidir que o Coaf pode compartilhar informações com o Ministério Público sem decisão judicial.
JAN/2020: O sócio Alexandre consegue um habeas corpus no TJ-RJ para suspender a investigação contra si (não vale para a loja nem outras empresas), porque seu nome não figurava no rol de investigados do MPF quando a busca e apreensão foi autorizada, em dezembro de 2019. A investigação contra Flávio continua.
(*) Nota da redação: No total, o GGN identificou menção a 5 relatórios do Coaf, dois deles acessados antes da eleição de 2018. Não há confirmação se todos chegaram antes do relatório ampliado solicitado ao Coaf (período de 2007 a 2018), incluindo Flávio Bolsonaro.
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“o MP-RJ (…) decidiu não utilizá-las politicamente” ?
“o MP-RJ (…) politicamente decidiu não utilizá-las”, pois não ?
Julgar um presidente atrai muita atenção, prestígio, fama, e muitas vantagens. Quem iria se interessar por um candidato derrotado nas eleições? Tudo muito bem premeditado.