CFP e Marisa Lobo: uma luta de UFC

Falemos de polêmica e registremos as posições. Há quase duas semanas a (então?!) psicóloga Marisa Lobo teve o seu registro cassado pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná. Acusada de algo sobre o qual parece não se ter muito consenso, foram alegadas implicações como a promoção de terapias de reversão de orientação sexual (“cura gay”) e a interferência de convicções religiosas na prática profissional (Psicologia Cristã). Claramente o assunto toca de forma diferente aos diferentes grupos, tendo sido alvo de polêmica por envolver temas como preconceito (de orientação sexual e/ou religiosa), conduta ética, ciência, liberdade de expressão, direito… Enfim, uma grande salada de concepções que separadamente já elevam os tons de muitas conversas e tornam salas verdadeiros campos de batalha ideológico. Muita coisa poderia ser dita em razão dessa mistura de polêmicas, levando a uma discussão infindável de diversos assuntos. Nesse sentido, farei um recorte muito específico do assunto.

O primeiro se refere ao suposto jogo de neutralidade da ciência psicológica, alvo de acusações de ambas às partes (em tese, uns homofóbicos e outros “cristofóbicos”). A ideia original é que a Ciência, enquanto campo de saber humano deve ser abster de posições “subjetivas”, sendo alvo de métodos rigorosos e imparciais na produção de conhecimento. Balela. Qualquer sujeito que tenha tido o mínimo de formação epistemológica (estudo sobre o conhecimento humano) sabe que dificilmente o cientista, nesse caso, o profissional de psicologia, está neutro no seu posicionamento sobre os diversos assuntos do mundo e da sua prática profissional. Desde ponto de vista, tanto a Marisa Lobo, quanto o CRP assumem posições a partir de um conjunto de concepções de homem e de mundo.

Tá, mas se ambos tem uma influência (“não-científica”) na sua forma de agir, como decidir a correta ou a melhor? Quem tem razão nesse embate? Pergunta difícil de dar resposta incisiva, mas darei a minha (carregada dos meu próprio ideais e reflexões, tanto quanto os outros). A primeira pergunta que me faria é: a quem se destina os assuntos que são discutidos e a forma de atuação da Marisa Lobo nesta polêmica? Entendo que a toda a comunidade LGBT em primeira instância (a qual será alvo das técnicas empregadas). E o que majoritariamente a comunidade LGBT defende? Curiosamente o contrário do que é proposto pelo psicóloga Marisa Lobo. Mas e quanto aos “ex-gays” que foram supostamente beneficiados pela atuação desta profissional? Por serem minoria numérica não deveriam ser considerados? Bem, aqui esbarramos no primeiro impasse: não há qualquer comprovação científica de que a Psicologia ou qualquer outra ciência tenha obtido êxito na re-orientação sexual de qualquer ser humano (inclusive, recentemente, algumas clínicas que defendiam esse propósito fecharam e retrataram-se publicamente). Portanto sob a proteção desta ciência qualquer alegação neste sentido de “re-orientar” é charlatanismo. Depois alega-se que a resolução do Conselho Federal de Psicologia impede o atendimento de pessoas em sofrimento por causa de sua orientação sexual, o que é uma inverdade. Não pode-se atuar no sentido de alterar a orientação de alguém no mesmo sentido que não se altera a cor de pele de outro: porque é objetivamente (até o demonstrado empiricamente) impossível.

Agora que falamos para quem se fala essa discussão toda e o que se fala, podemos tratar de quem fala. Marisa Lobo é cristã, algo assumido por ela fortemente. Esse mesmo grupo entende que os comportamentos que não são os heteronormativos são considerados pecado e devem ser alvo de atuação para que o sujeito possa ser “liberto” disto. Esse é o mesmo grupo que nega os direitos civis de casamento e adoção a população LGBT, bem como veta e proíbe outros projetos como cartilhas educativas contra homofobia e projetos de criminalização desse mesmo problema. É no mínimo curioso que o único movimento no sentido de ajudar essa população seja no sentido de convertê-la a heterossexuais. É ainda mais curioso que não haja qualquer intenção no sentido contrário: porque não oferecemos aos heterossexuais a possibilidade de serem homossexuais? O James Franco ficaria feliz. Além disso porque as pessoas (em especial jovens) desejam por vezes mudar sua orientação sexual? Em geral, não é porque existe um grande sofrimento em desejar a pessoa do mesmo sexo, mas porque vivemos em uma sociedade que promove uma verdadeira cultura de ódio a estas pessoas destinando a elas espaços de violência e exclusão. Isso, a Marisa Lobo também não tem o objetivo de mudar. Ah essas vítimas, se não fossem elas não teríamos violência…

Não julgo ainda assim a legitimidade ou não da cassação do seu registro, visto que alega não usar suas crenças religiosas na sua prática profissional (ainda que pessoalmente esteja feliz com a decisão). Mas… Não. Ela não é uma defensora dos direitos humanos como alguns querem supor ou imaginar. Ela é defensora das ideias do grupo do qual faz parte. E não à toa é alvo de duras críticas por parte dos psicólogos e da população LGBT. Marisa Lobo, talvez padeça de um genuíno interesse em ajudar. Alega mesmo, que tem um número grande de amigos e conhecidos gays. Possivelmente sinal de que necessite estudar melhor três coisas: ciência, amizade e homofobia.

Johny Brito, colunista do blog O Trem

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador