Das voltas que a vida dá

Ouvi de minha avó, que veio para São Paulo em 1922, a reboque do marido. Primogênito de cafeicultor abonado, vinha cuidar da casa de importação do pai. Apaixonado por música e mecânica, dedicou-se a voar em biplanos com estrutura de madeira, a tocar instrumentos e a pilotar motocicletas e carros, descuidando do sócio desonesto que falsificava os livros de contabilidade. 
Moravam na rua Barão de Itapetininga, perto do Largo do Paissandu, quando nasceu minha mãe, a segunda filha, em 1º de junho de 1924. A menina tinha pouco mais de um mês de vida quando Isidoro Dias Lopes, Juarez Távora e outros tenentes revoltaram-se e ocuparam a cidade. O QG dos revoltosos era no Largo Paissandu e minha avó passou a servir refeições aos oficiais em sua casa. 
Quando o governo federal resolveu bombardear São Paulo, o local passou a ser alvo preferencial: um obus chegou a atravessar o teto da casa antes de explodir na 24 de maio. Os oficiais revoltosos apiedaram-se da família aterrorizada e forneceram um carro com salvo conduto até Campinas, onde puseram os quatro no último trem da Mogiana sob seu controle. Foram parar em Ribeirão Preto e só uma semana depois conseguiram chegar a Catanduva. Minha mãe havia recém-completado o 2º mês de vida. 
Enfurecido com o filho que não lograra impedir a roubalheira do sócio (sem lembrar que ele mesmo o impedira de matá-lo quando descobriu o roubo), o cafeicultor imigrante bem-sucedido exilou-o em uma fazendola às margens do Ribeirão da Onça, estiolando suas paixões e seu talento. Obrigado a criar porcos, cuidar de bois e plantações, afogou as mágoas no álcool e amargurou a vida da mulher e das filhas.

Redação

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