É preciso falar sobre responsabilidades, por Luis Felipe Miguel

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É preciso falar sobre responsabilidades

por Luis Felipe Miguel

À esquerda, costumamos ser – corretamente – muito sensíveis à produção social dos comportamentos. A violência, por exemplo, não é o reflexo de uma natureza violenta, mas o fruto de determinadas circunstâncias, de determinados estímulos, de um ambiente social que a promove.

Não há natureza humana fora da sociedade humana, dizia o velho Marx. Por isso, a tarefa é mudar a sociedade.

Mas chega um ponto em que cada pessoa é responsável por seus atos. A pessoa é fruto das circunstâncias, okay, mas tendo se tornado quem é torna-se responsável por aquilo que faz.

Ou o ilustre cabo eleitoral do Coiso, Guilherme de Pádua, não é responsável pelo assassinato que um dia ajudou a cometer?

O mesmo vale para escolhas eleitorais. Sim, há muita manipulação, caixa dois, informação falsa. Mas quem vota nele tem, sim, responsabilidade por aquilo que está fazendo ao Brasil.

Nessa altura do campeonato, quantos eleitores realmente não têm condições de colocar em dúvida as mentiras do bolsonarismo? Quantos não foram expostos a uma única contestação do kit gay, da mamadeira de piroca, das urnas venezuelanas etc.? As pessoas estão optando por acreditar naquilo que lhes parece conveniente.

O próprio Coiso se revela sem muitos disfarces. Ele esconde seu programa de governo, é verdade, e por isso não participa de debates. Mas não se preocupa em esconder sua misoginia, sua homofobia, seu racismo, seu desprezo pela democracia. Não se preocupa em esconder que seu projeto para o Brasil é um banho de sangue.

É possível discutir como essa mentalidade está tão enraizada, como o discurso de ódio e incitação à violência se faz tão popular. Mas não podemos negar que cada eleitor dele é responsável. É cúmplice da barbárie.

Luis Felipe Miguel – Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades. Pesquisador do CNPq. Autor de diversos livros, entre eles Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Feminismo e política: uma introdução (com Flávia Biroli; Boitempo, 2014).

Luis Felipe Miguel

4 Comentários

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  1. Grande verdade!

    Depois não vale falar como os habitantes de Munique levados a visitar Dachau no 2º semestre 1945: “eu não sabia…”

    De Dachau dá para ver a aglomeração de Munique…

  2. Como muitos já foram

    Como muitos já foram cúmplices da ditadura militar, os italianos de Mussolini e os Alemães de Hittler.

    Mais cúmlices ainda são as lideranças econômicas, políticas e religiosas que apoiam Bolsonaro. A grande mídia, os burocratas do judiciários, empresários, pastores evangélicos e os políticos oportunistas terão que ser responsabilizados e cobrados por usar de seu prestígio social e capacidade de influência para empurrar o Brasil para o abismo em que estamos caindo.

  3. Catarse ou destruição

    Concordo. Não podemos paternalizar ninguém, nem a nós nem aos outros. Não é saudável para o amadurecimento moral individual, nem coletivo. 

    O que percebi nas poucas interações que tive com eleitores do ratonazi, entre os que não eram reacionários agressivos e orgulhosos de sua truculência, foi uma falsa simplicidade, um cinismo de gente sonsa que nesses momentos assume sua alienação porque acha que fazer parte de uma maioria ou de uma “nova modinha” não exige responsabilidade individual pelos seus atos. Como nos casos de catarse violenta em linchamentos ou grandes enfrentamentos liderados por palavras de ordem e a  fachada de uma emoção supostamente nobre a ser defendida – como nas torcidas organizadas de futebol que o utilizam como pretexto para seus atos criminosos -, um tipo de sociopatia tão disfarçada que passa despercebida. Mas não se engane, sempre esteve latente mas dispersa, e o trabalho psicométrico terrorista industrializado pelo Bannon, de óbvia inspiração nos líderes nazistas e fascistas, apenas tratou de identificar, mobilizar e organizar através do conhecimento da manipulação psicológica de massas – perto desse comportamento de manada raivosa, o cão de Pavlov é um experimento inocente e até ingênuo. 

    Este período deplorável da história brasileira será material farto para gerações de jornalistas – descobrirem e recontarem os bastidores da Grande Fraude do século XXI, o neofascismo pós-capitalista – e para estudiosos do comportamento humano. 

    Repito aqui o que disse numa catarse cidadã que tive numa livraria em São Paulo (onde entrei apenas para xeretar os livros, que o dinheiro anda curto e o preço dos livros, pela hora da morte): precisamos urgentemente de exercitar o Teatro do Oprimido nas escolas, locais de trabalho, interações cotidianas, relações familiares e sociais. Há muitas diferenças e conflitos abafados, de classe, de gênero, de etnia e raça, de origens culturais e visões de mundo. Nada disso pode ser deixado para uma imprensa corrupta e para a indústria do entretenimento, que é parte da máquina capitalista, resolver ou metabolizar socialmente. Dá nessa mixórdia que cheira a enxofre. Já disse o grande Jung, e acho que serve para as sociedades porque representam o inconsciente coletivamente, algo como que o que não se enfrenta, retorna (procurando a revista onde li a frase, que não encontrei, vejo o anúncio do livro “Purificar e Destruir – usos políticos dos massacres e dos genocídios”, de Jacques Sémelin, com a seguinte frase de um entrevista para o jornal da Globélica: “A instrução não torna o homem (sic, ser humano) melhor, e sim mais eficaz. O homem (sic, ser humano) instruído, se seu coração é mal concebido, se ele transborda ódio, será ainda mais malfeitor.” in revista Mente e Cérebro, número 207, pág. 73). Sincronias sinistras. Venceremos com amor. 

    Mãos à obra que temos um país para reconstruir e um povo para defender. 

     

    Sampa/SP, 22/10/2018 – 20:20 (alterado às 20:26 e 20:32). 

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