Postado originalmente: http://klaxonsbc.com/2011/08/09/joe-strummer-poderia-estar-aqui/
Joe Strummer morreu em dezembro de 2002.
O Clash surgiu colado na ida dos Ramones a Londres em 1976 e na esteira dos Sex Pistols.
O nascer do punk.
Diferentes dos rapazes do Brooklin, Strummer saiu das pubs inglesas com claras idéias políticas na cabeça. A Inglaterra enfrentava uma dolorosa recessão que desembocaria na “Era Thatcher”, a caretice imperava, era preciso incendiar Londres com idéias e ações. Strummer atravessou uma década com o Clash.
Em 1986 Joe Strummer partiu para a carreira solo. Nunca deixou de escrever canções contra as perversas lógicas políticas e econômicas. O mundo dele não era o de consensos.
Strummer fez história, resisto a aceitar a analogia da Londres “incendiada” pensada por ele em 1976 com a de fato incendiada desde o último final de semana. Parece saída fácil, mas Strummer enxergou bem.
“All across the town, all across the night
Everybody’s driving with full headlights
Black or white turn it on, face the new religion
Everybody’s sitting ’round watching television!”
London is Burning
The Clash
Na noite de sábado, policiais abordaram e balearam em Tottenham no norte de Londres, Mark Duggan, um rapaz negro de 29 anos. A alegação foi que houve resistência e troca de tiros, o que resultou na morte de Duggan. A área é de afros-caribenhos, ponta do iceberg, desemprego, múltiplos problemas sociais. A família de Duggan recebeu informações desencontradas e contraditórias da polícia. A revolta seguiu em réstia da delegacia para os arredores do bairro e ganhou a noite.
Não, não é coincidência. Há 30 anos em Brixton, local com o perfil similar, estouraram várias revoltas contra o desemprego e recessão econômica. Os motivos eram os mesmos, os de fundo e os alegados oficiamente. O Clash assistiu e registrou tudo isso. Paul Simonon, que cresceu nas ruas de Brixton, compôs e cantou algum tempo antes das tais revoltas um desfecho óbvio:
When they kick at your front door, how you gonna come? With your hands on your head or on the trigger of your gun
…
You can crush us, you can bruise us But you’ll have to answer to, oh, the guns of Brixton
The Guns Of Brixton
The Clash
A revolta iniciada no sábado se espalhou por várias áreas de Londres, zona leste, sudoeste, centro e toma outras cidades da Inglaterra. Carros e ônibus depredados e incendiados, lojas invadidas e saqueadas, agressões. A desordem cria leituras, algumas de pronto, oportunistas.
A BBC destaca o “protagonismo” das redes sociais na “organização” da revolta. A primeira vítima são as redes sociais? Travem o twitter e esqueçam os motivos da revolta. As pessoas saem queimando carros e saqueando lojas por que são ruins e as gangues controlam tudo?
A versão virtuosa da polícia é que as revoltas são produto da repressão ao crime organizado, como um efeito colateral. A ação da polícia por mágica criou uma digressão na “convivência” com o crime organizado e num sangrento sábado eclodiu a reação? A recessão e crise são panos de fundo irrelevantes e a população composta por baderneiros teleguiados prontos para agir?
Ler a fundo não é justificar e glorificar, mas tentar entender sem soluções diluídas.
“London calling to the faraway towns Now that war is declared and battle come down London calling to the underworld”
London Calling
The Clash
O vice prefeito de Londres, ilustrado pelas fotos da imprensa, deu relevo aos roubos de tênisem lojas. Defato os tênis desapareceram das lojas saqueadas, e não só eles. A estagnação e os cortes de gastos públicos são meros detalhes, são cumulativos e não fere a lógica, a falta de tênis nos pés de pobres baderneiros e invejosos, sim. O vice alcaide determina a lógica. Quem for prudente que espere a farra especulativa se acomodar. Eles estão mesmo preparados para vandalizar a qualquer momento. Bárbaros!
A revolta deve seguir então o seu caminho de entropia? Negros matam negros, disputam o tráfico (a ponta dele), a marginalidade e se não morrem são presos, não há explosão, pois houve. E não foi por tênis, de longe se sabe. Apenas ande ao seu redor, não é necessário ir à zona norte de Londres.
“There ain’t no need for ya
Go straight to hell boys”
Straight to Hell
The Clash
Cameron, o primeiro ministro, assistiu da Toscana, sua capital em polvorosa, com vagareza reagiu. São apenas baderneiros à solta, dando motivos de sobra para fechar o cerco. O discurso ta pronto, lembra a música de outros punks, contemporâneos e expiradores do Clash, Sex Pistos em ” Holydays in The Sun”:
“A Cheap holiday in other peoples misery!”
Cameron voltará e vai fomentar os discursos que já conhecemos.
A polícia heróica será saudada e os homens e mulheres negros e brancos que quebraram a próxima cidade olímpica, pagarão em dobro o preço do acinte? Não se trata de sorrir sob os destroços e brandir em delírio os efeitos de uma lógica excludente. O resultado não cabe em explicações oficiais, tampouco em táticas revisionistas.
Qual o próximo ato? Como não associar as revoltas do Oriente a uma Londres imperial em chamas? Isolar as partes e traduzí-las ao sabor da conveniência?
Vamos esperar as palavras de Cameron?
“are ya takin over
or are ya takin orders?
are you goin backwards,
or are you goin forwards?”
White Riot
The Clash
Não há beleza em destruição, na morte, no caos. Por mais que saibamos que tudo isso tem uma origem bem evidente, não podemos aplaudir como vitória. A conta vem. É bem provável que seu desfecho em meio à supressão e ao acobertamento, será frustrante e doloroso. Mas o mundo se transforma e esta revolta que responde a novos tempos, não pode ser resumida e comparada ao que passou. Os punks, incluso Strummer, de alguma forma disseram isso. Pena, foram vistos apenas como subproduto da indústria cultural.
Strummer morreu, não pode ir às ruas fazer suas leituras e nos dar em canção sua crônica sobre esta Londres incendiada.
As ruas têm outros cronistas esperando para narrá-las no calor dos acontecimentos. Em Londres, Paris, Madrid, Damasco, Oslo, São Paulo …
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