A lei de Parkinson e o sistema elétrico do Brasil, por Luís Antônio Waack Bambace

Enquanto os vencedores do Nobel de Economia mostram a incapacidade do mercado se regular, nenhum governante vai fazer a tentativa suicida de enfrentar cartéis.

A privatização da Eletrobrás também significa a privatização da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). / Foto: Maria Hsu/Chesf

Por Luís Antônio Waack Bambace

Parkinson disse que todo recurso disponível a um grupo sem supervisão externa é totalmente usado, seja ou não necessário, um fato bem conhecido na gestão de tempo e duração de tarefas, que se aplica a tudo. A rede elétrica tem conforme o site da ONS potências instaladas de 109,3 GW de hidrelétricas, 16,8 GW de termelétricas a gás, 4,2 GW de termelétricas a óleo ou diesel, 3 de termelétricas a carvão, 15,3 de termelétricas a biomassa, 2,0 de termonucleares, 8,0 de solares e 25,1 de eólicas, um total de 184,0 GW, para 89,1 GW de pico de consumo.

Deve estar usando bem mais do que devia para atender a necessidade da população. Fora que a opção mais barata para garantir os picos são as reversíveis de custo abaixo de US$ 150/kW instalado, quando hidrelétricas, termelétricas a gás, eólicas e solares custam por kW instalado pela ordem US$ 1000, 500, 2000 a 5000, e 700 a 900 no nível doméstico e uns 20% a mais no nível de fornecimento a rede por exigência de maior confiabilidade.

No caso das solares sua potência nominal é com sol a pino, geram em média cerca de 60% disto de dia se o céu não tiver nuvens, e nada a noite. As hidráulicas têm energia garantida perto de sua potência nominal exceto em raros períodos de seca anormal.

Será que é o se povão paga, vamos arrancar o seu couro? Similar a tarifa de ônibus, onde parece que se busca tirar o máximo do mercado cativo, em vez de garantir mais mercado tirando os carros da rua com serviço bom e barato? Ônibus híbrido, nem pensar. É a parte do custo Brasil de que ninguém fala, pois favorece quem tem muito poder.

Mesmo em uma seca brava, 50% do potencial hidrelétrico e as termelétricas atenderiam o consumo de pico. Fora que construir itens de alto custo para atender o pico não é muito correto. Antes da Covid-19, o consumo médio era 55% do pico, hoje é 83%. Isto porque há muita geração solar própria não contabilizada na capacidade da rede em indústrias e moradias, há tarifas noturnas reduzidas, muito uso de aquecimento solar, até no Minha Casa Minha Vida, o que reduziu o consumo dos chuveiros.

Há muita ferramenta a bateria em uso por prestadores de serviço que são carregadas em horários de baixo consumo. Mesmo assim é estranho uma potência instalada de mais que o dobro do pico de consumo, fora a questão do mix ideal de meios de geração.

Ainda por cima, a capacidade insuficiente de regulação junto aos grandes centros de consumo complica a operação do sistema. Baseado em turbinas de Francis, que mudam no máximo 5% para mais ou para menos a capacidade de geração para uma dada cota da represa, o sistema combina máquinas de diferentes potências para equalizar demanda e geração. Aí, para ligar uma máquina de Itaipu há um complexo desligamento e varredura de níveis de muitas máquinas. Aí há apagões quando um raio cai na visada entre a torre de controle de Baurú e Itaipu, e o sistema descompensa porque uma máquina de Itaipu não liga. Ocorreu no governo FHC. A coordenação deve ocorrer em menos de 1/120 de segundo.

Com conversa entre computadores, hoje o problema é menor, mas a flutuação de tensão sobe se o tempo de resposta sobe. Painéis fotovoltaicos, fixos ou móveis, que recebem mais luz, entregam a rede uma energia proporcional a luz que incide neles, ou são desligados. Sendo pequenos permitem regulação de carga.

Termelétricas e usinas de turbinas Kaplan ou Pelton podem gerar qualquer nível de potência. Reversíveis baseadas em máquinas Francis como bomba e turbina também não ajudam muito a regular o sistema, mas as baseadas em turbina Pelton e bomba, sim.

Assim como a Henry Borden usa Pelton, as reversíveis em desníveis entre Mantiqueira e Vale do Paraíba, ou Serra do Mar e litoral, onde abundam pares de lagos um em cima outro em baixo, devem usar Pelton e ajudar a regular o sistema.

Há também reversíveis operando entre um aquífero subterrâneo e um lago de abastecimento de água potável. Quando uma represa descarrega no lago de outra, como há no Rio Tietê, dá para fazer o bombeamento reverso, para ter mais água na represa superior, e descer esta água durante o pico. Algo que se fez instalando canos e bombas em menos de um mês no apagão de 2001, aí o custo é menos de US$ 40/kW de potência instalada.

Para se ter mais energia assegurada, há mundo afora reversíveis casadas com eólicas e fotovoltaicas. Dois lagos de abastecimento de água potável permitem usinas reversíveis suprir alguns dias a falta de vento ou sol, com o sobe e desce da água. Aqui só há 3 reversíveis, Pedreira, Lages e Vergueiro, não chegam a 0,16 GW junto com o bombeamento reverso.

Os rios não podem ficar a seco e não se pode fechar uma barragem a menos que ela deságue num lago. Aliás com reduções de vazão em relação a vazão afluente da ordem de 5% já há acidentes sérios em afluentes entre sua última cachoeira e foz. A água é acelerada quando a cota na foz abaixa não só pela maior diferença de nível, como por redução da seção para ela passar. A água passando mais rápido em época de cheia pode derrubar pontes, barrancos das margens, danificar embarcadouros, como se deu no enchimento do lago de Itaipu.

Assim se não há demanda, a maioria das hidrelétricas tem de deixar a água passar sem gerar energia. Quando a demanda é alta, usam a água que chega mais um tanto de água estocada. A reversível permite aproveitar a água descartada pela hidrelétrica e armazenar energia em um reservatório mais alto para gerar nos horários de pico, descendo-a para um reservatório inferior. Isto reduz o consumo de água estocada e de outras fontes mais caras de energia nos horários de pico.

De 25 a 31 de março, a demanda interna total de energia na rede interligada na semana foi 74,5 GW segundo a ONS. Com cargas médias de 69,7% nas nossas hidrelétricas que não Itaipu, 10,51% em Itaipu, 2,69% nas nucleares, 6,15% nas termelétricas comuns, 10,53% nas eólicas, 0,53% nas solares. Ou seja, jogou-se muita água fora sem gerar energia, 30,3% da água das hidrelétricas inteiramente no nosso território e 89,47% da água que passou por Itaipu.

Esta água toda, usada em 3 horas de pico, garantiria a um custo irrisório, uma potência extra da ordem de 100 GW nos picos deste período, sem uso de combustível. Dá para ver que nosso sistema de energia não só é superdimensionado, como mal projetado, pois tem fugido do uso da solução mais barata para atender a população. Os ônibus vão pelo mesmo caminho.

Akerlof em seu Market for Lemons, Nobel de Economia de 2001, mostrou que a assimetria de informações torna rara qualquer regulação efetiva de alguma coisa exclusivamente por parte do mercado. Tarifas abusivas podem ser causadas pelo uso de reembolso de custos e prêmios proporcionais nos contratos destas áreas, que geram mais lucro ao operador quanto maiores forem seus custos comprovados. Esta condição está em muitas clausulas de reajuste de tarifas. Este tipo de prêmio é proibido para contratos entre órgãos públicos e concessionárias nos Estados Unidos. Afinal ele estimula ações das empresas em desacordo com o interesse público de um serviço bom e barato.

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O risco de um empreendimento é fixo, e o contrato divide o risco entre as partes, e pode até gerar novos riscos para o contratante. No contrato de preço fixo, o risco é todo do contratado, como isto pode haver falta de interessados, há contratos que progressivamente sobem o risco ao contratante e baixam o risco do contratado.

Os contratos de reembolso e prêmios fixos, reembolso e prêmios proporcionais, e reembolso e prêmios fixos e proporcionais, são péssimos para o contratante, que fica com todo o risco do empreendimento, e no caso de prêmios proporcionais assume riscos adicionais aos riscos do empreendimento que são gerados pela natureza do contrato.

Na época de poder excessivo dos reis, era de se esperar que qualquer coisa fora dos monopólios reais tivesse uma regulação melhor que tudo que estava sujeito a ganância de um rei megalomaníaco. Só que os reis megalomaníacos de hoje são os reis do milho, do café, da soja, do sabão em pó ou sei lá o que, que cartelizaram mercados específicos e agem igual aos reis de países no passado. Monopólio privado do emprego, implica em salário baixo como se verifica com o estudo dos valores de Shapley.

Enquanto os laureados com o Nobel de Economia de 2001, 2005, 2007, 2007, 2008, 2009, 2012 mostram claramente a incapacidade do mercado regular as coisas por si só, o que se propaga na mídia é o oposto. O peão não usa mais recursos do que o necessário porque o chefe está em cima, já o mercado precisa de alguma regulação, senão vai seguir a lei de Parkinson. Aí vem o quem o regula. O governo? Pouco provável se a sociedade não controla este governo.

Mas se houverem ONGs livres e debate público adequado, não sujeito a manipulação de opinião por parte de grupos de poder, até dá para haver leis que garantam alguma governança exercida nos grandes conglomerados do mercado. Que o digam os países Nórdicos, Austrália, Canadá e Nova Zelândia.

Por enquanto, abusa-se por aqui do fato de que uma mentira repetida a exaustão vira verdade para aqueles que sem acesso à instrução não podem entender a situação em profundidade e questioná-la. A questão é onde mais a Lei de Parkinson gera serviços ruins e caros, e que outras mentiras são propaladas por aí.

Devemos lembrar que nenhum governante vai fazer a tentativa suicida de enfrentar um cartel sozinho sem apoio de ninguém, só enfrentará um cartel com apoio suficiente, e a divulgação da informação correta, é o que gera este apoio.

Luís Antônio Waack Bambace é engenheiro mecânico e PhD em Aerodinâmica e Propulsão Energia.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem um ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

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