Lula devolve o Brasil à normalidade democrática, publica El Pais

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

"A democracia recuperou o pulso e reina a normalidade institucional, após as convulsões de quatro anos do ultradireitista Jair Bolsonaro."

Reprodução manchete de El Pais Internacional

O presidente Lula “devolveu o Brasil à normalidade democrática”, após “os quatro anos de convulsões do ultradireitista Jair Bolsonaro”, e “a democracia mais popular da América Latina se transformou em uma espécie de oásis de estabilidade” diante do terremoto vivenciado hoje nos países vizinhos do continente.

Essa é a análise publicada no jornal latino-americano El Pais, versão inglês e espanhol, e disseminada para agências do mundo inteiro, sobre o primeiro ano do governo Lula no Brasil. Leia a tradução do Jornal GGN:

Lula devolve o Brasil à normalidade democrática após a montanha russa do mandato de Bolsonaro

A melhora da economia dá asas ao presidente, que completa um ano no poder este 1º de janeiro e prioriza a luta contra a fome, a pobreza, o investimento em obras públicas e a proteção ao meio ambiente

Do El Pais Mundo

Por NAIARA GALARRAGA GORTÁZAR

O presidente Lula não é perfeito, mas cumpriu a principal missão que prometeu ao eleitorado. Quando este Ano Novo completa um ano desde que Luiz Inácio Lula da Silva, de 78 anos, retornou à Presidência do Brasil no auge de uma extraordinária ressurreição política, o país está instalado no sossego. A democracia recuperou o pulso e reina a normalidade institucional, após as convulsões de quatro anos do ultradireitista Jair Bolsonaro. Este terceiro mandato de Lula arrancou com uma tentativa de golpe bolsonarista do passado 8 de janeiro —e neutralizado em horas— e terminou com uma tímida reforma tributária que é histórica, porque a modificação do sistema de injustiça de impostos se tramitava há mais de três décadas. A luta contra a fome —15% da população vai dormir de barrigas vazias—, contra a pobreza e a proteção da Amazônia são, de novo, a prioridade do governo de Lula. No momento, seu antecessor está inoperante.

A economia brasileira deu ao mandatário veterano mais alegria do que a política exterior. O Brasil foi recebido com os braços abertos em sua volta aos fóruns internacionais, a melhor das cifras de desmatamento foi aplaudida, mas o efeito bumerangue das intenções mediadoras na Ucrânia demonstrou o trabalho que é obter sucessos diplomáticos, em um mundo que é muito mais complexo que em sua etapa anterior no poder, a princípios do século.

De portas abertas, a democracia mais popular da América Latina se transformou em uma espécie de oásis de estabilidade diante do terremoto que o ultraliberal Javier Milei impôs na Argentina, o clima inesperado de uma guerra no Essequibo pelos cálculos políticos de Nicolás Maduro na Venezuela, os vaivéns constitucionais no Chile e a deriva autoritária de Nayib Bukele em El Salvador.

O presidente brasileiro dedicou este ano a fazer a realidade de seu lema, Reconstruir o Brasil, depois dos estragos causados ​​à democracia, às instituições, ao equilíbrio de poderes e ao meio ambiente de seu antecessor. Parte de seus eleitores elegeram Lula precisamente por isso, para salvar a democracia diante dos embates do bolsonarismo, mais do que por um apoio fechado a suas posturas e propostas.

Sua principal conquista é que o debate político brasileiro volta a girar em torno dos grandes problemas socioeconômicos e das dificuldades de lograr os apoios suficientes para aprovar leis, não em torno do humor nos quarteis, da criminalização do adversário ou de teorias conspiratórias.

“O efeito comparativo é de duração limitada”, escreveu neste domingo na Folha de S.Paulo o analista Bruno Boghossian. “Não planejar um golpe, não ameaçar os tribunais, não malgastar vacinas, não destruir a reputação do país conta muito, mas é insuficiente”, advertiu.

A falta de uma maioria parlamentar é o grande obstáculo para que agora o mesmo enfrente o presidente e sua equipe. O líder da esquerda brasileira ganhou as eleições à frente de uma ampla coalizão forjada para salvar a democracia e preside um gabinete que inclui a direita. As eleições municipais de 2024 darão a ideia de como é a correlação de forças políticas em um Brasil que saiu da disputas presidenciais dividido em dois.

Bolsonaro, de 68 anos, saiu politicamente rachado, ainda que perdeu o pleito por pouco. Em junho, juízes o inabilitaram para concorrer às eleições durante 8 anos, o que o retira das próximas eleições presidenciais. O motivo não é sua gestão da pandemia, nem tampouco a suposta incitação golpista, mas o abuso de poder por deslegitimar o sistema eleitoral como chefe de Estado. Nos últimos meses nos EUA, Bolsonaro não protagonizou nenhum ato multitudinario. Seus mais fiéis apoiadores estão convocando mobilizações na próxima semana, em razão do aniversário do ataque violento às sedes da Presidência, do Supremo Tribunal e do Congresso, em Brasília. O bolsonarismo mais extremo confia que a vitória de Milei na Argentina e um hipotético triunfo eleitoral de Donald Trump trará novos impulsos.

De todas as maneiras, o ex-presidente brasileiro tem ainda um amplo leque de ações judiciais abertas contra ele, incluindo uma em que o Tribunal Supremo o investiga por motivar uma tentativa de golpe que parecia inspirada nos ataques do Capitólio, em Washington. Os principais acusados estão sendo condenados a longas penas de prisão pelo Tribunal Supremo. Lula, que duas semanas após a tentativa de golpe destituiu o chefe do Exército, tentou aceitar sua tensa relação com os militares com investimentos na indústria de Defesa.

O Lula de 2023 se parece muito com o Lula de 2003, embora com décadas a mais de experiência, incluindo sua prisão. De volta ao Palácio do Planalto, foram reformulados, atualizados e relançados os programas que há décadas cumpriram sua promessa de incluir os pobres no Orçamento. As ajudas contra a pobreza pelo Bolsa Família, cujas quantias Bolsonaro aumentou espetacularmente durante a pandemia e Lula manteve, são essenciais para que milhões de famílias vivam dignamente, e a diferença com o mandato anterior é que para receber o auxílio, é obrigatório vacinar os filhos e certificar-se de que vão para a escola; pela primeira vez em muito tempo, o salário mínimo aumentou mais do que a inflação. O governo lançou um programa de gigantesco de investimentos públicos no valor de 320 bilhões de dólares para reativar a atividade econômica e as cotas para impulsionar o ingresso dos mais pobres e dos afro-brasileiros na universidade foram ampliadas.

O momento mais simbólico da grande festa popular em que Lula transformou a sua posse, em 1º de janeiro de 2023, foi quando ele subiu a rampa do palácio presidencial acompanhado de sua esposa, Janja, e de um grupo de cidadãos brasileiros pertencentes a coletivos infrarrepresentados no poder político, como as mulheres, os negros, os pobres, os indígenas e os portadores de deficiência.

Ainda que iniciou o seu mandato presumindo que um terço do seu Ministério era de mulheres, prescindiu de três ministras para entregar a homens de partidos cujos votos são cruciais para garantir adiante sua agenda legislativa. Uma decepção para os movimentos feministas e para o Brasil mais progressista, que fez uma campanha impressionante de pressão pública para que o presidente Lula designasse uma mulher negra para alguma das vagas do Supremo que ele teve que nomear. Em ambos os casos, foram colocados homens de sua máxima confiança, o advogado que o livrou da prisão e seu ministro da Justiça.

No capítulo das alegrias, a economia. O PIB fechou 2023 com um crescimento que gira em torno dos 3%, quatro vezes mais do que o anunciado quando Lula assumiu. O desemprego foi o mais baixo em quase uma década e a inflação foi mantida sob controle. A surpreendente aposta de Lula de se colocar como homem forte na economia seu aliado mais fiel, o grisalho e potencial sucessor Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, foi considerada, agora, acertada. Ele e sua equipe lograram que o Congresso aprovasse simplificar o sistema tributário antigo e abolir um IVA, que giraria em torno de 27%. Para este 2024, cairá a tarefa titánica de lidar com a reforma do imposto de renda. Outro dos grandes esforços de Lula para o ano que começa é o de ampliar o programa de apoio de renegociação das dívidas domésticas e empresariais, que asfixiaram uma boa parte de seus compatriotas.

A esquerda brasileira recuperou o trauma que supôs a destituição por meio do impeachment de Dilma Rousseff, a qual o seu mentor também a reabilitou ao enviá-la a Shanghái como presidente do banco dos BRICS. Lula quer aproveitar a presidência do G-20, que agora ostenta, para que o Brasil recupere o brilho de antes.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador