Lula inelegível coloca a democracia em estado de suspensão, por André Singer

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Muito há que se discutir sobre o julgamento de Lula no TRF4, mas as questões jurídicas André Singer, em artigo na Folha, deixa isso a cargo de especialistas. No entanto, a discussão também passa pela questão política, quando o tribunal tornou Lula inelegível. E isso é grave para o funcionamento democrático.
 
Singer aponta a importância da alternância no poder, com mudança de partido na Presidência. Ganha-se ou perde-se, e o seguinte toma posse, governa e passa democraticamente a faixa para o próximo eleito. Sem esta possibilidade não há democracia. E aqui o articulista chega ao cerne da questão. 

 
A Lava Jato demoliu apenas um dos lados da representatividade brasileira, o outro lado permanece intacto. E quem acredita que isso se dá pois o campo popular é corrupto enquanto o da classe média não é precisaria ler os depoimentos dos delatores. Singer aponta que o combate à corrupção é bandeira a ser levantada bem alto, mas se fugir da democracia perde-se tudo, a corrupção aumenta. Cortada a possibilidade de alternância, cuja garantia era Lula, a democracia fica suspensa.
 
Leia o artigo a seguir.
 
da Folha
 
Lula inelegível coloca a democracia em estado de suspensão
 
por André Singer
 
Olhemos para o julgamento do TRF-4 do ângulo das consequências políticas e eleitorais que traz, deixando a controvérsia jurídica a cargo de quem dela entende. A partir da quarta-feira, 24 de janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se inelegível. O fato acarreta graves problemas para o funcionamento democrático.
 
Para além das regras formais, só existe democracia se houver efetiva alternância no poder. Alternância não quer dizer que a cada quatro ou oito anos muda o partido na Presidência, mas, sim, que a cada eleição um partido diferente pode ganhar (formar maioria), tomar posse, governar e passar democraticamente a faixa para o próximo eleito.
 
A competitividade real (não teórica) de pelo menos duas equipes é a prova da democracia. Não existindo essa, aquela não existe. No Brasil, historicamente, só dois campos demonstraram condição de competir nos termos acima: o popular e o de classe média, qualquer que seja o nome dos partidos que represente cada um (PSD/PTB, UDN, PT ou PSDB). Fora do bipartidarismo imposto pela ditadura, sempre houve outros partidos, mas nenhum se mostrou competitivo.
 
Lula foi o dirigente político que conduziu, após a redemocratização, o campo popular novamente ao poder, de onde fora apeado pelo golpe militar de 1964. No regime de 1946, Getúlio se suicidou, JK enfrentou levantes militares, Jango foi derrubado. Lula deu contribuição sine qua non ao normalizar a presença do campo popular na Presidência.
 
Lula não é insubstituível. Chegado o momento, indicará um candidato/a para concorrer em seu nome, como fez com Dilma em 2010. É decisivo para a democracia que tal candidato/a seja competitivo/a, mas as chances diminuem consideravelmente com Lula fora da urna, pois ninguém pode encarnar melhor o lulismo, perante o eleitorado, do que ele próprio.
 
Nesse ponto chego ao nervo da controvérsia. A Operação Lava Jato demoliu apenas um dos lados da bipolaridade que divide –e tem que dividir para ser democracia– o universo nacional. A outra parte ficou comparativamente intacta.
 
Os que acreditam que isso aconteceu porque o campo popular é essencialmente corrupto enquanto o da classe média não é precisam ler os depoimentos de Pedro Corrêa, Sérgio Machado, Nestor Cerveró, Emílio Odebrecht e Delcídio do Amaral, participantes de ambos. São, basicamente, os mesmos personagens que serviram para condenar Lula. Por que vale para um lado e não para o outro?
 
Combater a corrupção é bandeira republicana, a ser levantada bem alto. Mas sem democracia, a corrupção campeia. Lula era a garantia de alternância, a duras penas construída. Cortada a possibilidade, a democracia fica suspensa.
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. É o fim da picada, colocar

    É o fim da picada, colocar tudo nas costas de uma pessoa só! Lula é um ser mortal, como qualquer outro ser vivente. Se der uma topada, cair, bater a cabeça na calçada e morrer, o que vai ser da esquerda, do PT, da democracia, da história? Tudo acaba? 

    Pelos deuses: tá na hora de buscar a independência desse mito. Tá na hora de crescer e ir pro mundo, ver o que está acontecendo fora da caixinha Lula. Há um processo se desenvolvendo no mundo real, um mundo profundamente desafiador, para o qual a esquerda não tem qualquer resposta. É só Lula, Lula, Lula… Pütz!

  2. Lula….

    Que Democracia? A bárbarie deste país é ainda existirem ‘Masmorras Medievais’ e não quem as fabricou. Então a agilidade, a celeridade, a busca urgente por resultados do Poder Judiciário era para tirar Lula da disputa Eleitoral? E o projeto de país, construído por seu partido depois de 40 anos, é a perpetuação de um Caudilho? (não era exatamente contra isto, que tais ideologias surgiram?). E pior ainda, do outro ladso, o projeto de país, de sua oposição, é tentar vencer uma Figura Politica? Décadas de Manutenção no Poder se resumem a tamanha mediocridade?  40 anos de Redemocratização se resumem a tamanha farsa?

  3. Lula inelegível coloca a democracia em estado de suspensão, por

    A falha lógica no argumentodo André é vincular a possibilidade de alternância à candidatura Lula.

    Mesmo que aceitemos esse modelo em que haveria historicamente alternância entre o candidato da classe média e o candidato “popular”, não há nenhum prejuizo – teoricamente- pela retirada de um dos ators.

    O que o lulismo está a fazer é um cálculo pragmático do efeito do afastamento de um nome carismático sobre sua possibilidade de voltar ao poder.

    O que fica em suspenso é a possibilidade de o PT exercer novamente o poder depois de um curto período com Temer.

    Essa suspensão,  do ponto de vista da alternância defendida por Singer, é até muito boa.

    A democracia segue  forte.

    Aliás, a tese de que a democracia se vincularia ao destino de um ator específico (Lula), não me parece muito defensável.

    Abraços

     

    1. A democracia se vincula a

      A democracia se vincula a imparcialidade dos poderes constituídos que interferem na via eleitoral. Mais especificamente no caso a operação midiatico-judicial que age para impedir uma candidatura.

  4. A partir desse momento em que

    A partir desse momento em que a condenação de Lula se confirmou, ele que é inegavelmente o maior representante do campo popular da história do país, veremos se a operação lava jato é mesmo esse símbolo da moralidade que veio varrer a corrupção do país. Ou, se seguirá a mesma lógica que é aplicada às camadas populares da população, de que o campo popular é essencialmente bandido. Essa lógica é reproduzida de forma gritante no sistema prisional brasileiro que vergonhosamente ostenta o 3º lugar no mundo entre os paises com maior população carcerária. E, o que temos nas prisões: pretos ou brancos, são todos pobres. Veremos se a lava jato seguirá ou não essa lógica perversa ou a varredura se aplicará ao outro lado tão podre quanto. 

  5. Que diabo de oposição é essa

    Que diabo de oposição é essa que o autor faz entre ‘campo popular’ e ‘classe média’??? PT cresceu como partido de classe média…

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