No dia de hoje… em 18 de junho de 1945

Em 18 de junho de 1945, nascia em Guaranhuns (PE), Ranúsia Alves Rodrigues. Para que não se esqueça, para que nunca mais se repita.

Ranúsia

da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Confira o Erramos

Não houve abandono da filha pela família de Ranúsia. Foi ela que preferiu manter o nascimento da criança em segredo.

No dia de hoje… em 18 de junho de 1945

Em 18 de junho de 1945, nascia em Guaranhuns (PE), Ranúsia Alves Rodrigues.

Desde muito jovem, por suas convicções de defesa da igualdade e da justiça social, tornou-se militante no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e, por isso, conheceu rapidamente o risco que isso representava.

Foi presa em 1968, aos 23 anos, por participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes de Ibiuna/SP. Após “fichada” – para ser monitorada -, foi liberada como fizeram com a maioria dos estudantes presos.

Após a decretação do AI-5, em 1969, foi expulsa da Faculdade de Enfermagem que cursava na Universidade Federal de Pernambuco, onde já havia cursado todos os créditos. Passou à clandestinidade, mas conseguiu permanecer prestando serviços de de enfermagem no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIPE).

Em agosto de 1969, teve um filha, Vanúsia, mas o fato foi mantido em segredo por ela até 1971, pois sabia que ainda estava na lista de pessoas perseguidas.

A jovem mãe sabia que seus ideais poderiam custar a sua vida, mas não pôde conviver com a ideia de que sua filha também pudesse ser atingida pela absurda violência que o Estado praticava contra opositores políticos.

Em 1971, deixou a criança sob os cuidados de uma colega de trabalho, a auxiliar de enfermagem, Almerinda. Foi para o Rio de Janeiro e permaneceu enviando bilhetes e dinheiro a Almerinda por meio de amigos e militantes, até 1973.

Após outubro de 1973, não houve mais qualquer contato de Ranúsia. Ela foi morta sob tortura enterrada como indigente no Rio de Janeiro/RJ. Nenhuma notícia foi enviada pelas autoridades responsáveis à família.

No Rio de Janeiro, ela passou a integrar o pequeno círculo de militantes que compunha o PCBR na capital carioca.

Em 27 de outubro de 1973, foi assassinada no mesmo episódio em que foram mortos Vitorino Alves Moitinho, Ramires Maranhão do Valle e Almir Custódio de Lima – a “Chacina da Praça da Sentinela” ou “Chacina de Jacarepaguá”.

A operação foi comandada por agentes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/CODI) do I Exército. O violento episódio foi objeto de notícias e especulações nos meios de comunicação da época.

A imprensa inicialmente divulgou que haviam morrido dois casais em Jacarepaguá de forma misteriosa e depois indicou que as mortes seriam fruto de uma guerra entre traficantes de drogas. Apenas no dia 17 de novembro de 1973 é que foram divulgados dados informando que quatro “terroristas” haviam sido mortos num tiroteio com as forças de segurança, na Praça da Sentinela.

Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, no livro Dos filhos deste solo, descrevem essa chacina assim: “Chovia na noite de 27 de outubro de 1973, um sábado. Alguns poucos casais escondiam-se da chuva junto do muro do Colégio de Jacarepaguá, no Rio. Por volta das 22h um homem desceu de um Opala e avisou: ‘Afastem-se porque a barra vai pesar’. O repórter da Veja (7/11/73) localizou alguém que testemunhou o significado desse aviso: ‘Não ouvimos um gemido, só os tiros, o estrondo e a correria dos carros.’ (…) Vindos de todas as ruas que levam à praça, oito ou nove carros foram chegando, cercando um fusca vermelho e despejando tiros. Depois jogaram uma bomba dentro do carro. No final, havia uma mulher morta com quatro tiros no rosto e no peito e três homens carbonizados.”

O assassinato dos quatro militantes encerrou o processo de perseguição aos integrantes do PCBR, iniciado em 1970, com a morte sob tortura de Mário Alves, principal dirigente e fundador do partido.

As circunstâncias do assassinato permanecem nebulosas até hoje. A versão oficial divulgada pelo Exército, de que os quatro teriam morrido em confronto com as forças de segurança, enquanto participavam de uma reunião do PCBR, caiu por terra com o advento da abertura de alguns arquivos dos órgãos de repressão da ditadura militar, nos anos 90.

Em complemento, as pesquisas realizadas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2012/2014, demonstram que a cena de tiroteio foi forjada para dar aparência de legalidade às mortes.

Tudo leva a crer que esta foi mais uma das vezes que a repressão fez uso do seguinte “modus operandi”: prender suspeitos, torturar para tirar o maior número possível de informações ou até a morte se não decidissem colaborar; em caso de morte, colocavam os corpos já sem vida em veículos e simulavam tiroteios, explosões ou acidentes para justificar os óbitos.

De fato, a documentação proveniente do CIE, datada de 1º de novembro de 1973, por exemplo, registra que Ranúsia foi presa no dia 27 de outubro e levada ao local em Jacarepaguá, onde supostamente teria um encontro com outros militantes do PCBR. O CIE ainda produziu outro documento em 1974, localizado pela Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara, que afirmava que Ramires e Almir também tinham sido detidos antes da chacina. O relatório ainda versava sobre as atividades de vigilância da repressão sobre Almir e sobre como Ranúsia e Ramires haviam sido identificados nessas operações. O documento afirmava que após serem presos, os três foram submetidos a interrogatório.

Também desmentiu a versão oficial dos fatos, o relato de Antônio Soares Filho, companheiro de militância de Ramires e que reconheceu o corpo dele e de Ranúsia, que negou que teria ocorrido qualquer encontro marcado do PCBR em Jacarepaguá naquela noite.

Apesar de documentos que vieram a público mais tarde comprovarem que os quatro militantes mortos haviam sido devidamente identificados pelas forças de segurança, os seus corpos foram enterrados como indigentes – sem qualquer comunicação às suas famílias – no cemitério de Ricardo Albuquerque, no Rio de Janeiro. Em 1979, seus remanescentes foram transferidos para um ossuário geral e, entre 1980 e 1981, suas ossadas foram depositadas em uma vala clandestina naquele mesmo cemitério.

Somente na década de 90, familiares e profissionais ligados ao Grupo Tortura Nunca Mais no Rio de Janeiro localizaram registros nos livros do cemitério Ricardo Albuquerque e a mencionada vala clandestina que ali havia sido cavada. De acordo com a inscrição existente na entrada do memorial construído no local, em homenagem aos desaparecidos políticos ali exumados, foram encontradas mais de 2.000 ossadas na vala e, entre elas, estariam pelo menos 14 desaparecidos políticos.

Os restos mortais de Ranúsia ainda não foram localizados e nem identificados. Mas seu nome é lembrado pelas pessoas que passam pelas ruas Ranúsia Alves Rodrigues – em São Paulo, em Campinas ou no Recife – e por aquelas que visitam o Monumento Contra a Tortura, no seu estado natal, Pernambuco. A memória de Ranúsia permanece viva entre as brasileiras e brasileiros que cultivam valores de solidariedade e de justiça social.

– Ranúsia Alves Rodrigues?
– Presente!

“Para que não se esqueça, para que nunca mais se repita.”

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INFORME:

Os textos “No dia de hoje… para que não se esqueça, para que nunca mais se repita” são de responsabilidade das pessoas que administram a página da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, sob a presidência da procuradora regional da República, Eugênia Augusta Gonzaga.
Baseados em fontes como Wikipedia e Relatórios finais de Comissões da Verdade, esses textos compõem um conjunto de publicações feitas diariamente entre 10.06 e 24.06.2019, na página do evento “Vozes do Silêncio contra a Violência de Estado”, como forma de divulgação e preparação para o ato.
Neste texto de 18.06, colaborou Thereza Labrounie.

ERRAMOS:

Este texto sobre Ranúsia foi retificado em 20.06, com base em informações de Teresa Wanderley Neves, membro da Comissão da Memória e da Verdade D. Hélder Câmara de Pernambuco. Thereza foi uma das militantes que entregaram bilhetes e dinheiro vindos de Ranúsia para Almerinda. Quando ouviu falar na morte de Ranúsia, pela primeira vez, Thereza decidiu informar a família sobre a existência da criança, em 1973. Familiares, que também eram perseguidos e foram exilados na época, jamais rejeitaram a criança, como constou equivocadamente na versão original publicada no dia 18.06.2019.

Redação

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