Nova equação para o clima soma duas variáveis

Culturas agrícolas podem contribuir para frear o aumento da temperatura

Pela primeira vez cientistas consideram os impactos da cobertura vegetal e da transpiração das plantas nos cálculos relacionados a mudanças climáticas. Até então, as medições contempladas nos relatórios de avaliações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, só consideravam os mecanismos biogeoquímicos, ou seja,  a influência dos seres vivos sobre a composição química da Terra, o principal deles, os gases de efeito-estufa.

Publicado na revista Nature Climate Change, edição de janeiro, o trabalho sobre o novo cálculo batizado de climate regulation values (CRV) foi realizado por cientistas brasileiros e norte-americanos que avaliaram 18 ecossistemas das Américas, sendo 12 de vegetação natural e seis agrícolas, voltadas para produção de biocombustíveis, entre elas cana de açúcar e soja, e as gramíneas Miscanthus giaganteus e Pinicum virgatum

Ao considerarem os processos de evotranspiração (perda de água por evaporação e transpiração das plantas) e a absorção de energia solar os cientistas verificaram que a retirada da cobertura vegetal, em outras palavras o desmatamento, respondeu pelo aumento de 12% da temperatura na região amazônica, e por 9% no Cerrado. Isso, considerando também a emissão de CO2 e de outros gases de efeito-estufa (GEE) que deixam de se fixar na floresta e se instalam na atmosfera.

Agricultura

O trabalho aponta que a produção das culturas de cana-de-açúcar,  soja e milho, no Brasil e Estados Unidos, contribui para a diminuição da temperatura local. Mas os cientístas ressaltaram que a absorção da energia solar é muitas vezes superior nas vegetações naturais da mata amazônica e do Cerrado. Em contrapartida, a vegetação de mata boreal, no Canadá, contribui para aumentar a temperatura em 115%.

O professor Marcos Heil Costa, do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV), também responsável pelo cálculo, explica que isso ocorre porque a região é coberta de neve. A superfície branca tende a refletir toda a luz do sol, mandando o calor para fora do ambiente. Quando esse mesmo espaço de neve está ocupado por plantas, nesse caso as coníferas, típicas da região, a superfície verde delas absorve parte da energia solar que seria refletida pela neve, e assim contribui para manter a temperatura local um pouco mais elevada do que se não tivesse vegetação alguma.

No deserto do sudoeste dos EUA, de vegetação herbácea, esparsa, com cactos e pouca grama acontece o mesmo fenômeno. A vegetação local contribui para que a temperatura local seja 123% mais elevada.

Segundo Costa o CRV não deverá ser considerado no próximo IPCC, previsto para ser lançado em 2014, por estar “muito em cima da hora”. O professor acredita apenas que haja uma menção no próximo documento da ONU sobre a nova metodologia.

“Acho que o mais importante é darmos importância para esse cálculo aqui no país, onde essa métrica faz mais diferença. Globalmente, isso é pouco relevante, comparado com o problema das emissões industriais”, completa.  

Os cientistas concluíram no estudo que o CRV aplicado na metodologia do IPCC não influenciará nas conclusões já apresentadas no relatório intergovernamental, entre as quais elevação mínima de 2ºC até o final deste século. Condição considerada de alto impacto, uma vez que amplia em 13% a média da temperatura atual do globo, de 15ºC. Os efeitos dessas mudanças seriam: queda na produtividade agrícola; escassez de água; secas; degelos; ciclones tropicais, tempestades e temperaturas extremas.

Nos últimos 140 anos, a média térmica aumentou oito décimos de graus centígrados (0,8ºC). O mais recente relatório do IPCC, divulgado em 2007, conclui que as atividades humanas de exploração e uso de recursos naturais da Terra estão diretamente relacionados a esse aumento. Isso porque o desmatamento de florestas e a queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) através da indústria e meios de transporte emitem grandes quantidades de gases que intensificam o fenômeno do efeito estufa.

Acompanhe trechos da entrevista que fizemos com Marcos Heil Costa

Brasilianas.org – Por que só agora estão sendo incluídos fatores como absorção de radiação solar pela cobertura vegetal, e transpiração de plantas num cálculo tão importante?

Marcos Heil Costa – Esses efeitos que a gente chama de biofísicos [evotranspiração e o albedo, razão entre a capacidade de refletir e a capacidade de absorver a radiação solar] têm uma importância muito mais local do que global. Então quando chega nessas discussões no IPCC, nas Nações Unidas, onde os delegados estão buscando uma solução global, esse efeito acaba sendo ignorado. Por outro lado, pensando localmente, em países como o Brasil que tem muito desmatamento, esses efeitos acabam sendo mais importantes.

Quando falamos em desmatamento, localmente, o impacto na temperatura é praticamente instantâneo. Até que ponto temos certeza de que a mudança climática do globo é de responsabilidade humana?

Existe a influência natural e a antropogênica [decorrente das ações humanas no planeta]. A questão é separar os dois, o termômetro da estação está medindo o total. Só conseguimos separar os dois fazendo o que a gente chama de atribuição de causa. Esse estudo a gente só consegue fazer no computador, no modelo climático, e aí você considera o efeito natural, considera os diferentes efeitos antropogênicos do aumento da atividade dos gases de efeito estufa, do aumento dos aerossóis, considera os efeitos naturais, como as variações do sol, aerossóis de origem vulcânica etc.

O que tem sido feito é, por exemplo, simulamos os cem últimos anos de clima com todos esses efeitos. Depois de verificar se seu modelo reproduziu bem a série histórica, pois bem, pode fazer outras simulações por meio dele separando cada efeito (atividade dos GEE, aerossóis, variações solares etc). Daí você sabe qual é o efeito de cada um, individualmente. E, nesse tipo de estudo, basicamente a conclusão é que o efeito do aumento das concentrações de gases de efeito estufa é o efeito preponderante. Os GEE se misturam na atmosfera e acabam atingindo qualquer país. Esse tipo de efeito, do qual nenhum país está imune, é basicamente o que se discute a nível de IPCC.

Vocês também destacam no estudo que a produção de bioenergia pode impactar positivamente no clima. Pode explicar de maneira simples porque isso ocorre?  

Isso porque, vamos supor que você tem uma floresta de 12% de albedo [razão entre a capacidade de refletir e a capacidade de absorver a radiação solar] e substitui por cana-de-açúcar ou um milho, de 24% de albedo. Certo? Então essa cultura de cana-de-açúcar acaba absorvendo menos radiação solar, ela compensa esse efeito, causa um resfriamento. Daí você tem que considerar a emissão de CO2 referente a retirada da mata original, se valeu a pena. Não dá, por exemplo, para substituir a Amazônia ou o próprio Cerrado.

Você espera que o CRV seja incluído nos próximos IPCCs? Que impacto acredita que essa mudança iria causar nas conclusões do relatório?

Acho que no próximo não porque não estamos em tempo para todo mundo recalcular isso. Talvez tenha alguma menção sobre isso. Acho que o mais importante é darmos importância para esse cálculo aqui no país, onde essa métrica faz mais diferença. Globalmente, isso é pouco relevante, comparado com o problema das emissões industriais.

Mas dá para considerar pelo menos em relação ao impacto das culturas de bioenergia que podem se expandir para a África?  

Sim. Mas ainda não vai ser incluído no próximo relatório, que vai ser lançado em 2014, e estava previsto para 2013. No próximo vai ter vários avanços em relação ao relatório de 2007. Para se colocar alguns avanços assim como esse é mais difícil. Acabará sendo limitado por conta de países que não terão essa capacidade [de florestas nativas em pé ou de terras agricultáveis].

 

Para acessar o artigo Climate-regulation services of natural and agricultural ecoregions of the Americas na íntegra, clique aqui.

Redação

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