Novos chats publicados pelo Intercept são atômicos


Quando entrei na Faculdade de Direito, em 1985, meu professor de Direito Constitucional I pertencia ao MP/SP. Conservador ao extremo, ele ficou famoso entre seus pares por ser um dos poucos promotores que não aderiu à manifestação por aumento de salário alguns anos antes.

Sempre que tinha oportunidade ele dava uma estocada nos barbudinhos do PT. Isso obviamente era interpretado por mim como uma desaprovação ao meu ativismo estudantil. Em represalia eu publicava textos ridicularizando a matéria dele num jornal estudantil do qual era co-editor.

Apesar da evidente animosidade recíproca, ele fazia a parte dele da melhor forma sempre instigando os alunos a ler.

“A medida que vocês forem lendo a poeirinha do saber irá se acumulando.” – dizia ele.

Eu fazia a minha estudando vorazmente a matéria para não tirar nota baixa e ser reprovado. Ao contrário dos meus colegas comprei vários manuais de Direito Constitucional, pois não tinha vergonha de frequentar os sebos no centro de São Paulo.

No final daquele ano fui aprovado em Direito Constitucional I sem ficar para exame oral. Aquele professor careta não usava o método lavajateiro de Deltan Dellagnol nem fez uma tabelinha para me impedir de seguir em frente por causa da política. Ele me ensinou a respeitar a Constituição e ficaria horrorizado com fraudes processuais.

Fiz questão de relembrar o que ocorreu em 1985 porque fiz Direito num tempo em que as diferenças politicas não autorizavam a aplicação seletiva da Constituição, nem tampouco legitimavam fraudes grotescas. Até os promotores reacionários respeitavam a Lei ou pelo menos não ensinavam os alunos a substituir a legalidade pelo seu simulacro.

Os chats publicados pelo The Intercept em 28 de junho de 2019 revelam que muitos procuradores do MPF se mostravam preocupados e até mesmo horrorizados com o método lavajateiro. Eles concordavam com os juristas brasileiros e internacionais que criticavam Deltan Dellagnol e Sérgio Moro. Eles não ousaram fazer isso publicamente porque poderiam ser acusados de exercer atividade político-partidária vedada pelo art. 237, V, do Lei Orgânica do Ministério Público da União http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm.

Não sei quais são as opções partidárias dos procuradores do MPF que criticaram a Lava Jato nos chats publicados pelo The Intercept. Isso, aliás, pode ser considerado irrelevante. O mais importante é a certeza de que a motivação deles não foi política e sim institucional. Cada um deles tem o dever funcional de velar pelas prerrogativas funcionais e processuais (art. 236, III, Lei Orgânica do Ministério Público da União) que foram violentadas pelas tabelinhas entre Sérgio Moro e Deltan Dellagnol.

Tenho certeza de que alguns deles fizeram Direito mais ou menos na mesma época que eu. Por isso resolvi contar aqui minha experiência com um professor conservador que pertencia ao MP/SP. Ao contrário de Deltan Dellagnol ele podia rejeitar minha ideologia e, mesmo assim, não usar seu poder para me prejudicar. Essa mesma seriedade e respeito às regras emerge dos chats publicados pelo jornalista norte-americano.

A rejeição do método lavajateiro por membros do MPF funciona como uma verdadeira bomba atômica. Não existe mais nenhuma possibilidade de considerar justa e válida a condenação e prisão do ex-presidente petista. Essa conclusão é reforçada pelo material do The Intercept publicado na Folha de São Paulo comprovando que a delação de Léo Pinheiro foi feita sob medida para prejudicar Lula por pressão da Lava Jato.

Uma última observação. A poeirinha referida pelo meu professor era uma metáfora e não aquela transportada no avião oficial do patrão de Sérgio Moro.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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