Novos Desafios para um Municipalismo do Bem Comum, por Dias, Resende & Sánchez

Nas metrópoles, compostas de gestões municipais independentes, é o povo que promove a integração entre infraestruturas

-Governança Participativa na Região Metropolitana de São Paulo 2024-

Novos Desafios para um Municipalismo do Bem Comum

João Marcus Pires Dias, Paulo Edgar da Rocha Resende e Félix Ramon Ruiz Sánchez

Gestões governamentais abertas às participação popular têm enorme potencial não somente de munir o governo com as necessidades reais do povo e suas preferências políticas, como também de possibilitar que uma maior diversidade de pessoas, pensamentos e saberes norteiem as decisões dos governantes. Nesse sentido, a esfera municipal é o locus privilegiado nas democracias para essa interação mais intensa entre gestores públicos e cidadãos. Trata-se da circunscrição político administrativa mais próxima das pessoas e cuja capacidade de atuação mais se aplica à realidade da vida cotidiana.

A construção de um municipalismo do bem comum, que visa ampliar a democracia para que maior parcela da população desfrute do direito à cidade, depende da busca permanente da erradicação das desigualdades de acesso a decisões públicas, aos espaços públicos e aos equipamentos imprescindíveis para o bem viver. Nas metrópoles, compostas de gestões municipais independentes, é o povo que promove a integração entre infraestruturas de mobilidade, saúde, educação e cultura, em interações sociais em torno de necessidades básicas, trabalho e lazer. 

Instituições políticas tradicionais, como as prefeituras e as câmaras municipais, são marcadas por relações de poder que tendem a tolher o acesso do dito cidadão comum às decisões importantes, como se os mandatos para os quais os políticos foram eleitos lhes concedessem a posse sobre essas instituições. Como efeito, não avança o processo de democratização das cidades na medida em que interesses particulares acabam sendo privilegiados e os principais problemas da população não resolvidos. 

Ao contrário do modelo representativo, a democracia participativa permite à socialização política, à ação cívica, à participação cidadã na vida pública com deliberação, ampliando as dimensões das identidades coletivas e suas representações. Processos participativos também possuem um caráter educativo que permite ampliar a alto estima dos indivíduos em sua forma de pensar e agir como um todo.

Toda política pública democrática, para ser digna deste nome, deveria enfocar no combate às desigualdades, considerando que a democracia nunca está acabada, mas em um continuum de democratização política, econômica, territorial, educacional, cultural e etc. Fazê-lo através da participação popular é a forma mais reconhecida para tornar uma ampla gama de políticas mais equânimes, transparentes e eficazes.

Não é por acaso que a participação está presente em 4 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. No objetivo n. 5, Igualdade de Gênero, defende-se: “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”; No objetivo n. 6, Água Potável e Saneamento: “Apoiar e fortalecer a participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento”; No objetivo n. 11, Cidades e Comunidades Sustentáveis, “Até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países”; Por fim, no objetivo n. 16, Paz, Justiça e Instituições Eficazes: “Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis”.

Na atual conjuntura o consenso global em torno de políticas participativas, no entanto, não tem sido acompanhado do esforço de políticos eleitos por implementá-las. Após a pujança nas décadas de 1990 e 2000 de gestões municipais com olhares focados na participação popular, com destaque no Brasil para o Orçamento Participativo (OP) em Porto Alegre, São Paulo, Recife e centenas de outras cidades, a experiência foi minguando e deixando de existir.

Não é fácil que políticos eleitos por via representativa estejam dispostos a renunciar a parte do poder ao qual têm acesso, uma vez empossados no cargo, para concedê-lo à participação popular. Principalmente por receio de perderem o controle sobre a máquina política estatal e que sua agenda política seja afetada. É preciso muita pressão popular e disposição de engajamento de ativistas para que a gestão municipal venha a ser de fato aberta, participativa, livre, capaz de captar as diversidades de experiências, saberes, visões de mundo, as necessidades e desejos daqueles que historicamente estão excluídos da política.

OP na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP

O OP teve muita pujança na RMSP no período de 1989 a 2019. Dos dez municípios mais ricos, de acordo com o PIB-M, sete implementaram o OP em algumas gestões. Destacamos as cidades de Santo André e Guarulhos com o OP em cinco administrações, seguidos de Mauá (4) Diadema e Osasco (3) São Bernardo (2) e São Paulo (1). Apenas Barueri, São Caetano e Mogi das Cruzes nunca implementaram o OP.

A metrópole São Paulo, detentora do maior PIB-M da RM-SP e com participação no PIB Estadual acima de 30%[1], é o centro das atenções em todos os campos, englobando principalmente o político, econômico e social. O OP foi implementado na gestão da prefeita Marta Suplicy (2001-2004) pelo Partido dos Trabalhadores (PT), mas descontinuado pelas gestões subsequentes, e não retomado pela gestão de Fernando Haddad, do mesmo partido, entre 2013 e 2016.

O que favoreceu a implementação do OP naquela gestão foi o espaço aberto, preparatório à sua candidatura, com ampla profusão de debates, reuniões, seminários, estudos e interlocuções entre militantes de movimentos sociais, acadêmicos e trabalhadores diversos, no Instituto Florestan Fernandes (IFF) nos anos de 1999 e 2000. Contemplando temas como, Política Urbana e Metrópole; Gestão Pública, Participação e Cidadania; Desenvolvimento Econômico; Financiamento Público e Orçamento Municipal; Políticas Sociais; Renda Mínima; Cultura e Comunicação, nasceu ali um programa de governo compromissado com o objetivo de democratização do direito à cidade.

Com as eleições municipais no ano presente é importante que o eleitorado neste momento preste atenção nos programas de governo dos candidatos e na forma como esses programas estão sendo elaborados. A pergunta que se faz é: Será que as portas estão plenamente abertas à população, aos movimentos, ativistas e especialistas, para escuta e contribuição, ou semiabertas, possibilitando a entrada, sem admitir intervenções? A participação popular é um modo de fazer política, que não nasce de repente. Ou é incorporada agora, enquanto os partidos elaboram suas campanhas e planos de governo, ou posteriormente poderão se tornar mecanismos falhos ou até manipuladores da vontade popular.

É importante que o eleitorado que preza por direitos populares considere em sua pauta reivindicativa a inclusão de propostas que acenem com instituições participativas amplas, como foi o caso do OP, capazes de democratizar a gestão municipal. Não se espera que a história se repita exatamente igual, mas que proporcione aprendizados tanto para o aprimoramento da administração pública, como para o maior acesso da população aos processos decisórios.

Os modos participativos podem e devem ser atualizados, levando em conta, principalmente, as novas tecnologias e o novo ativismo antidemocrático, que tem ocupado avenidas e órgãos públicos, como os Conselhos Tutelares. Não podemos esperar que uma nova imaginação política seja apenas fruto da criatividade de políticos profissionais. Ela está circulando sobretudo nas ruas, escolas, faculdades, assembleias, redes digitais e praças públicas.

As relações de poder nunca se esgotam, tendem a deixar prevalecer aquelas de caráter dominante, que consolidam privilégios, iniquidades e se reinventam com dinamismo para controlar recursos, regulações e territórios. Se as iniciativas de participação popular não partirem de um debate amplo, podem ser manipuladas para não abalar tais relações de poder. Da mesma forma, o desenho de políticas institucionais que almejam resistir a essas forças de dominação excludentes, precisam ser dinâmicas em se reinventar para continuarem capazes de ampliar a democracia.


[1] Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Fundação Seade.

João Marcus Pires Dias – Pós Doutor e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados IEA- USP e Observatório das Metrópoles – São Paulo. Cientista Social – Pesquisador em Sociologia Urbana

Paulo Edgar da Rocha Resende – Doutor em políticas públicas pela Universidade Autônoma de Barcelona. Professor do Centro Paula Souza e pesquisador do Observatório das Metrópoles – São Paulo

Félix Ramon Ruiz Sánchez – Doutor em Ciências Sociais pela PUC SP Sociólogo, ex-coordenador de orçamentos participativos em São Paulo (Brasil) e Assunção (Paraguay) bem como de políticas participativas no Paraguay, no Brasil e América Central e pesquisador do Observatório das Metrópoles – São Paulo

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador