O dilema filosófico do Partido Liberal da Austrália

Do The Political Sword

Em que perna os liberais vão se apoiar

Por Ken Wolf 

Traduzido por Bobo

O Partido Liberal às vezes se descreve como uma “grande igreja”, particularmente quando seus parlamentares expressam visões diferentes. O que é esperado quando partidos políticos contêm dentro deles pessoas com diferentes posições nas mesmas questões mas parece que o Partido Liberal tem um dilema filosófico básico.

John Howard (ex-primeiro ministro australiano) famosamente se descreveu como “um liberal econômico e conservador social” e se referiu as tradições filosóficas de John Stuart Mill (considerado o “pai” do liberalismo) e Edmund Burke (o “pai” do conservadorismo) para suas posições:

“Mill e Burke estão entrelaçados na história e na prática e experiência desse partido.”

As palavras de Mill enfatizam o papel central do indivíduo:

“A única liberdade que merece seu nome é a de procurar o nosso próprio bem do nosso próprio jeito, desde que não tentemos privar os outros do deles, ou impedir suas tentativas de conseguir fazê-lo.”

Nesse sentido, falando no lançamento de Os Conservadores na Câmara do Parlamento em 8 de Setembro de 2005, Howard disse:

“… Nós somes um partido que está comprometido com o papel do indivíduo. … Se você procurar por evidências na tradição liberal clássica dentro do nosso campo e atividade, nós pensamos do nosso compromisso com a reforma do mercado de trabalho. … a reforma do mercado de trabalho é transferir o poder de instituições para os indivíduos.”

Quando trabalhei no Departamento de Assuntos Aborígenes e Moradores das Ilhas do Estreito de Torres no prévio governo Howard, ficou bem claro que nós não deveríamos falar sobre “comunidades Indígenas”. Toda a política do governo para brancos e não-brancos estava em tratar de indivíduos e famílias. Mas os povos Aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres (incluindo Noel Pearson que teve alguma influência no governo por um tempo) falavam de famílias e comunidades, não de indivíduos. A intercessão é claro eram as famílias, mas mesmo isso era entendido de maneira diferente com o governo pensando em termos de família nuclear e os povos Aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres em termos de família estendida. Pouco de se admirar que não havia chão comum para a maioria dos problemas.

No livro Linhas de Frente Tony Abbot (ex-primeiro ministro australiano) colocou a coisa assim, ecoando Mill:

“… o Partido Liberal se preocupa com os direitos, responsabilidades, oportunidades e lugar na sociedade de cada pessoa. Nós queremos que cada um tenha o poder, desde que razoavelmente possível, viver a vida que ele ou ela achar melhor.”

No seu livro, Abbott também se refere às políticas de Howard:

“… as políticas tem de encontrar três critérios: elas fortalecem a família, dão aos indivíduos incentivo e esperança, e dão preferência à iniciativa privada sobre o governo?”

O último elemento captura o que virou o neoliberalismo moderno de governo pequeno com uma crença fervente no capitalismo competitivo, que a iniciativa privada sempre vai prover melhores resultados que o serviço público.

Esse versão mais extrema é melhor capturada pelo senador Leyonhjelm quando ele se opõe a obrigatoriedade de ciclistas usarem capacete e medidas de redução do fumo — não é papel do governo proteger as pessoas de si mesmas, porque isso é o “estado babá” (apesar de ignorar os custos desse comportamento para a sociedade em volta). Apesar de não ser um membro do Partido Liberal, há um número deles no partido que compartilham dessa visão.

Edmund Burke não era visto inicialmente como um conservador. Como parte da aristocracia Anglo-Irlandesa, ele apoiava maiores liberdades na Irlanda e se opunha a guerra Britânica contra os colonos Americanos. Foi a sua reação a Revolução Francesa que iria acabaria por o tornar “pai” do conservadorismo moderno mas mesmo isso ainda era consistente com alguns de seus trabalhos anteriores. Ele rejeitou a ideia de um “contrato social”, como exposto por Hobbes e Locke, sugerindo ao invés que a relação entre os indivíduos e o estado eram um produto da história e enquanto as mudanças que poderiam ocorrer deveriam ser graduais — como tinha sido pela história. A “lei natural” era o resultado de um processo evolucionário mas era também baseada na lei de deus e isso era refletido no “homem” como uma criação de deus. Daí ele dava suporte às instituições da sociedade: para dar suporte ao papel de ambas igrejas Anglicana e Católica Romana (mesmo favorecendo a Anglicana). O que desgostava na direção da Revolução Francesa era que fora baseada numa “visão” de sociedade e estava fazendo mudanças forçadas para chegar lá, ao invés de seguir uma gradual e natural evolução. (Ele aceitou a “Revolução Gloriosa” Inglesa de 1688 principalmente porque ela retornou a Inglaterra às suas formas tradicionais de governança e sociedade.)

No mesmo discurso referido anteriormente do início de 2005, Howard mostrou suas credenciais conservadoras:

“Eu sou cético a uma reforma radical na sociedade. Em fato, eu sempre fui um profundo oponente de se mudar radicalmente o contexto social em que vivemos. Como Liberais nós damos suporte e respeitamos a maior instituição em nossa sociedade, que é a família. Não há instituição que dá maior apoio emocional e reafirmação para o indivíduo que a família. Não há outra instituição incidentalmente que é mais eficiente em dar apoio social do que uma unida, afeicionada e funcional família. É a melhor política de assistência social que a humanidade já inventou.”

Tony Abbott, quando foi Ministro da Saúde no governo Howard, também expôs claramente a política conservadora para a mudança (das notas do discurso do Clube de Imprensa de Queensland, Agosto 2005):

“— O governo Howard nunca se esquivou das reformas fundamentais, se é o que for necessário para resolver problemas sérios. Na mesma moeda, governos conservadores não fazem mudanças sistêmicas levianamente. “Se não está quebrado, não arrume” e “se está quebrado, arrume, não jogue fora” são bons instintos conservadores … Pelo menos em alguma extensão, quase todas as reformas acabam ilustrando a lei de ferro das consequências não pretendidas. Os benefícios teóricos das mudanças estruturais precisam ser pesadas contra os custos reais do rompimento que a mudança significativa sempre acarreta. “

Abbott manteve suas posições sociais altamente conservadoras quando foi primeiro ministro com sua procrastinação deliberada sobre a igualdade de casamento para casais não-heterossexuais, ele mostrou desconforto com a homossexualidade e em suas visões sobre o papel da mulher:

“O que as donas de casa da Austrália precisam entender, enquanto elas passam roupa, é que se elas fizerem isso comercialmente o preço vai subir — e suas próprias contas de luz quando elas ligarem o ferro vai subir.”

E ele acredita passionalmente na importância dos valores Ocidentais e cristãos:

“A Civilização Ocidental chegou nesse país em 1788 e eu tenho orgulho disso …”

Mas, como Howard, ele adotou uma política econômica liberal (ou neoliberal). Como ele é reportado tendo escrito recentemente:

“A narrativa econômica do governo foi clara desde o principio — baixar impostos, menos regulação e mais produtividade.”

Cada é uma política neoliberal de oferecer menos envolvimento do governo e manter os salários baixos, já que a produtividade no mundo neoliberal é medida mandatoriamente pelo custo do preço do trabalho.

Turnbull (atual primeiro ministro australiano) chegou professando ambas visões liberais sociais e econômicas. Era um pouco mais da velha guarda Liberal e com políticas que capturaram a atenção do publico depois dos valores sociais muito conservadores de Howard e Abbott. Mas, até agora, ele desapontou por manter as políticas sociais conservadoras de Abbott.

Como podem os Liberais aventarem essas duas costas de pensamento em uma única filosofia política? Na superfície, pareceria que existem algumas inconsistências entre as duas: o liberalismo enfatiza o direito do individual de fazer suas próprias escolhas significando “estado mínimo” e mínima regulação governamental e, como Howard clamou sobre reformas no mercado de trabalho, dando maior poder aos indivíduos sobre as instituições.

Em Outubro de 2014, quando o Imposto da Mineiração foi repelido, a legislação também incluiu diminuir o processo de aumento da seguridade social para os trabalhadores. O Senador Lazarus, então falando pelo PUP que tinha concordado com as mudanças, e o Ministro das Finanças Mathias Cormann, ambos enfatizaram que isso dava aos indivíduos mais dinheiro no próprio bolso. Cormann foi tão longe a sugerir que agora as pessoas poderiam decidir o que fazer com o seu dinheiro extra:

“Essa não foi uma adversa, inesperada mudança porque ela vai deixar o trabalhador australiano com mais do próprio dinheiro da pré-aposentadoria que eles vão poder gastar no pagamento das suas próprias hipotecas, gastar em outras coisas ou guardar para a própria aposentadoria como eles desejarem,” falou o Ministro das Finanças Mathias Cormann ao senado.

Essa é uma política liberal clássica, ou agora neoliberal.

Os conservadores, no entanto, enfatizam os valores tradicionais, mudanças incrementais lentas e a manutenção das instituições da sociedade.

Lá atrás em 2001, o então Tesoureiro Costello, deu uma dica da ligação Liberal entre o liberalismo e o conservadorismo sugerindo que reduzindo o envolvimento do governo (liberalismo) se abriria mais espaço para a sociedade estabelecer suas próprias instituições (conservadorismo):

“… nós devemos nos livrar dos governos o máximo possível, fora da vida das famílias, e você deve deixar as instituições não governamentais da sociedade, como a família e a escola e a comunidade e a igreja pegar muito mais do fardo.”

Então, essa é a chave para a combinação dos Liberais entre liberalismo e conservadorismo? Isso pode funcionar se os dois lados da divisão pegarem uma posição moderada mas parece que nos tempos mais recentes tanto os liberais/neoliberais e os conservadores tem pegado as posições mais estridentes dentro de suas respectivas filosofias. O que torna a combinação entre as posições dentro dos Liberais muito mais difícil.

O lado conservador é representado pelo senador Cory Bernardi:

“A sociedade sempre vai se sair melhor onde os cidadãos crerem na justiça, honra e moral privada. Onde os indivíduos são reduzidos a satisfação dos apetites pessoais a sociedade declinará. A necessidade de preservar a sociedade está no coração do conservadorismo e as verdades absolutamente morais que são requeridas para essa preservação não estão sujeitas a mudança.”

“Hoje, apesar dos diferentes panos de fundo, aqueles de nós que querem respeitar as tradições e história desse país podem se juntar sob uma bandeira nacional como Australianos. Esse é o tipo de unidade que os conservadores vão abraçar, não a superficial e divisiva fala de ‘diversidade’ do radical, que prefere constantemente recriar a nação de acordo com uma momentânea imagem utópica da moda e que denuncia todo sentimento patriótico como jingoísta e intolerante.”

Mais recentemente, no que diz ao programa das Escolas Seguras:

O senador Cory Bernardi contou a ABC que o programa visava crianças “sendo atacadas e intimidadas a se adequar a um programa radical”.

“Não é sobre gênero, não é sobre sexualidade,” disse ele.

“Faz todo mundo entrar em linha com uma agenda política.

“Nossas escolas deveriam ser um lugar de aprendizagem, não de indocrinação.”

Apesar das posições de Bernardi serem consideradas mais extremas agora, elas são totalmente consistentes com a tradição Burkeriana, enfatizando valores tradicionais e ignorando visões utópicas de sociedade.

Pelo contraste, se formos um pouco mais atrás na história política Australiana, poderia ter sido dito que até os anos 80 a Austrália adotou uma política econômica conservadora, com tarifas de proteção às nossas indústrias. Ambos Trabalhadores e Liberais apoiavam essa política. Os Liberais tinham uma política mais liberal nos assuntos sociais e os Trabalhadores às vezes adotavam políticas sociais mais radicais. Atualmente, pode se dizer que os Nacionalistas agora representam as posições econômica e social conservadoras. Desde 1980, os Trabalhadores também adotaram políticas econômicas mais liberais/neoliberais mas continuam compromissados com uma posição radical ou progressista em assuntos sociais, quer dizer que eles estão mais dispostos a usar a intervenção do governo para apoiar fins sociais.

Os Liberais adotaram políticas sociais conservadoras porque os Trabalhadores agora compartilham das políticas neoliberais e esse é um ponto a menos da diferenciação dos partidos? Eles tiveram que expressar essas visões para se distinguir? Eles usam a filosofia liberal para se opor a política intervencionista dos trabalhadores mas isso dá suporte a sua própria oposição na filosofia conservadora — isto é, que o indivíduo deve ser livre para tomar suas próprias decisões mas dentro do quadro dos valores tradicionais e instituições (que alguns argumentariam, como no debate da igualdade matrimonial, na verdade restringe a liberdade do indivíduo).

Então em que perna os Liberais vão se apoiar? Eles são liberais ou conservadores? Ou, como John Howard professou, eles pulam de perna em perna dependendo dos problemas sociais e econômicos? Essas duas políticas são compatíveis? Devemos nos lembrar que, historicamente, as tradições liberal e conservadoras na Austrália não se juntaram por qualquer razão lógica do casamento de ideias mas para apresentar uma frente unida contra o “socialismo” do Partido dos Trabalhadores que era considerado mais perigoso que as diferenças entre as filosofias liberais e conservadoras.

As versões modernas do liberalismo e conservadorismo parecem ter se movido do meio da rua para posições mais extremas fazendo o pareamento das duas filosofias mais difícil que parece que é refletido nos atuais problemas e discórdias dentro do Partido Liberal.

Enquanto essas posições mais extremas continuarem em jogo, vai ser muito difícil para o partido Liberal apresentar uma frente unida. Vão continuar sendo uma “grande igreja” mas serão uma igreja dividida. 

Redação

4 Comentários

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  1. Não eh dificil entender.
    Não eh dificil entender. Tanto liberais quanto conservadores têm amor aa desigualdade. Eh isso que os “unifica”. Pra uns ela “gera” prosperidade; pra putros ela eh “natural”.

    Eh obvio que essa ignorância eh muito resistente porque faz parecer que privilégios repousam em talento ou mérito.

    1. Falam de mérito não a favor

      Falam de mérito não a favor de coloca-lo como objeto da disputa e competição mas de colocar o mérito fora do alcance de qualquer escrutínio. O mérito e por consequência a propriedade e riquezas estendidos indefinidamente e permanentemente além de diminuir o mercado do mérito para quem participa da disputa são adquiridos sem mérito algum.

  2. Artigo demonstra que liberal não é oposto a conservador

    Sempre que escrevo alguma coisa sobre a filosofia, ideologia ou doutrina liberal-conservadora  eu me refiro a ela dessa forma composta, grafada com hífen; o professor e sociólogo Jessé Souza faz o mesmo. 

    Apenas na Grã-Bretanha e Irlanda anteriores ao século XX essa separação ou “oposição” entre o ideal liberal e conservador faz algum sentido.

  3. De fato se faz necessário num

    De fato se faz necessário num estado democratico a alternancia de poder e principalmente, de ideologias. A Austrália demonstra bem que, com ética e preocupação genuina com o bem estar de toda uma nação, é possível uma visão complementar e adequar outra. Estado mínimo, economia liberal, valorização da família e dos indivíduos,  renda digna para o trabalhador (que lhe dê qualidade de vida sem depender do estado) são possíveis sim. Por aqui, clamemos a Deus que chegue o dia que interesses partidários (tanto de esquerda quanto de direita) não nos roube cada dia esse direito a vidas dignas para todos.

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