O padrão de denúncias do jornalismo declaratório

O  primeiro ponto a considerar no denuncismo da mídia, é que ele tem lado político. Até aí nenhuma novidade. O ponto relevante é que o denuncismo não obedece a técnicas mínimas de qualidade jornalística. O jornalismo transformou-se em um autêntico “o que vier eu chuto”.

Desde os anos 90, muito mais intensamente agora, nos aquários das redações criou-se uma demanda por escândalos que nenhum exército de repórteres experientes poderia dar conta.

A saída inicial foi cair de cabeça no chamado jornalismo declaratório. Consiga uma declaração qualquer, de uma fonte qualquer, e abstenha-se de checar sua veracidade: plante que o editor garante.

Esse modelo nasceu  com a campanha do impeachment de Collor e desenvolveu-se em várias vertentes. Em Brasília, por exemplo, na fase Ricardo Noblat o Correio Braziliense tornou-se um desses centros de ensinamento do neojornalismo declaratório, que ajudou a modelar toda uma geração de repórteres.

O auge desse modelo foi na fase Veja-Cachoeira, na qual as reportagens não conseguiam passar sequer em testes básicos de verossimilhança. Nesse ponto entra em jogo o padrão Murdoch, importado por Roberto Civita e aceito acriticamente pelos demais grupos de mídia.

Nesse modelo, não há mais a necessidade de nenhum vínculo entre a notícia e o fato. Abdicou-se do próprio conceito de notícia, que passou a ser tratada definitivamente como dramaturgia.

Os novos padrões de escândalo

Mas há outra vertente de escândalos menores que se incorporou ao dia-a-dia das redações, especialmente explorando o desconhecimento – dos leitores e provavelmente dos próprios jornalistas – de aspectos técnicos das manobras de Internet.

Dois problemas muito comuns:

1. O uso individual de computadores ligados em rede.

Trata-se de problema de toda organização. O funcionário usa o computador da rede interna para entrar em redes sociais. É um caso meramente administrativo, de usar o horário comercial para outras tarefas.

No neodenuncismo da mídia, foi adaptado para teorias conspiratórias. Levantaram uma mudança no perfil da Mirian Leitão, ocorrido no ano passado, identificou-se um IP do Palácio do Planalto e imediatamente desenvolveu-se a teoria conspiratória.

Deu certo – já que a presidente Dilma Rousseff endossou o jogo, exigindo apuração rigorosa do ocorrido.

Depois disso, tornou-se padrão graças à imaginação exuberante dos jornais e da oposição. Toca a caçar IPs em páginas da Wikipedia, em comentários de Blog para identificar algum vindo de organizações públicas. E a brava oposição, pavloviana segue o receituário: descobre-se o IP, a mídia faz o alarido e um deputado convoca o presidente da companhia para prestar esclarecimentos.

2. Os ataques maciços de DDOs.

É uma espécie de ataque no qual centenas de computadores acessam ao mesmo tempo um determinado endereço, derrubando-o. Tornei-me especialista na matéria depois que o Blog foi alvo de quarenta dias de ataques da gang da TelexFree.

O sistema funciona através de malwares que infectam computadores. Esses vírus permitem o controle do computador pelo hacker, que monta um exército de zumbis para atacar o alvo. O computador que ataca é tão vítima do hacker quanto os alvos visados.

Ontem, a campanha da Marina Silva denunciou um ataque ocorrido 18 dias atrás (!). E divulgou os IPs localizados.

E aí o douto Jornal Nacional tratou todos os IPs como suspeitos. Parte dos “suspeitos” estava infectada. No máximo valeria um puxão de orelhas no TI, por permitir a contaminação de computadores.

Mas outra parte dos “suspeitos” eram provedores. Assim, entraram na lista de suspeitos a Oi-Telemar, a Claro e a Net.

A mais rica equipe jornalística do país não sabia diferenciar provedor de acesso de proprietário de redes de computadores. Não apenas listaram os provedores “suspeitos” como foram até eles para saber sua posição. Nenhum respondeu. Mas posso imaginar o que pensaram: “esses jornalistas endoidaram de vez”.

As relações de causalidade

Outro expediente utilizado é abolir de vez qualquer relação de causalidade entre fatos e notícia.

Por exemplo, o Estadão denunciou que os Correios ajudaram a campanha de Dilma permitindo a distribuição de panfletos em condições especiais. Depois, o próprio jornal admite que as tais “condições especiais” fazem parte de um serviço dos Correios ao qual recorreram todos os partidos e candidatos. Logo, não houve favorecimento algum.

Ontem, um deputado qualquer diz que foi graças aos Correios que o PT conseguiu crescer em Minas Gerais. Em vez de apurar qual foi a ajuda dos Correios, o jornal já saca da algibeira a reportagem que ele próprio desmentiu.

Trocou a pauta – descobrir qual foi a ajuda – pela versão mais cômoda. E o presidente dos Correios, Wagner Pinheiro teria muito a contar sobre temas cabeludos.

Luis Nassif

22 Comentários

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  1. Ontem, depois de um dia

    Ontem, depois de um dia exaustivo, cheguei em casa e passei o olho na reporcagem da Gnews (jornal das 10) que minha esposa via no momento. Soltei um palavrão, peguei o The Essential Peirce (vol. 1) e fui fazer coisa melhor

    1. Minhas fases “mervalescas”

      Minhas fases “mervalescas” desde que deparei com a distinta figura: medo-perplexidade-raiva-desdém-pena. Pois é: Merval hoje é digno de pena. Já são emblemáticas as gagueiras dele e da Miriam Leitão que, a propósito, não são de “berço”: foram adquiridas de 2003 para cá quando passaram a comentar assuntos petistas. 

      Só respeito no Merval uma coisa: seu fardão da Academia Brasileira de Letras. Prova da sua extensa, fecunda e densa “obra” literária. 

    2. Barriga de aluguel

      O erro do Merval será que foi erro mesmo?

      Ele já consertou?

      Esse aluvião de pesquisas com que a mídia nos brinda e brindará nos próximos dias serve pra isso: desorientar o eleitor deixando-o sem tempo de refletir.

      Ridícula a diferença de números da pesquisa de segundo turno entre IBOPE e Datafolha. Somam 90% no Datafolha e apenas 80%no IBOPE.

      Aí entra o nobre acadêmico que veio para confundir e não para explicar, Se ainda tivesse o talento do Chacrinha…

  2. É comovente ver um jornalista

    É comovente ver um jornalista que admiro tão preocupado com o que a grande imprensa vem faazendo de modo cada vez mais incontido.

    O problema é que já passaram do ponto do retorno há muito tempo. Não conseguem mais sequer dissimular. Nada mais são do que máquinas de propaganda comercial, política e ideológica. Nessa ordem.

    Já venho comentando aqui há algum tempo: a quantidade de malucos como aquele bêsta de Brasília disponíveis e motivados está só aumentando; e não tenho a menor dúvida que os donos da comunicação sabem muito bem disso.

    É o padrão dessa elite venezuelana.

  3. E ele ainda argumenta, e com “determinação”.

    Donde se conclui que o “jornalismo” exercido pela grande imprensa hoje no país tem como alvo:

     

  4. Chega a ser cômico mas você

    Chega a ser cômico mas você vai ler um desses jornalistas de oposição e é pau sem parar no governo. Por exemplo: ontem o Noblat desancou o Lula e o PT porque ele demonstrou desprezo pela queda dos índices da bolsa. Ora, se querem mudar opiniões porque não destacam as qualidades dos seus candidatos ao invés de destilar ódio contra o PT e a sua candidata. E mostram um mínimo de isenção destacando o que o governo faz de bom. Desta forma, pelo menos, a gente pode ficar na dúvida.

    Jornalistas partidários e burros. Foi assim que a boba aqui percebeu que tinha ‘boi na linha” dessa imprensa e que a tal isenção da imprensa não existe. E lendo os tais “blogs sujos” eu encontro críticas e elogios ao governo. E críticas aos candidatos de oposição mas em cima de um contraponto de programa de partido e comparações com o trabalho realizado pelos governos petistas. É muito mais profissional e sem ranço.

    1. Vera Lúcia, eles não destacam

      Vera Lúcia, eles não destacam as qualidades dos seus candidatos porque devem ser muito poucas, não acha?

      Se eles tivessem muitas qualidades, deixar de promovê-las seria sabotagem, concorda?

      Então, é mais fácil procurar defeitos nos adversários. Simples assim.

  5. mais um ótimo apanhado das

    mais um ótimo apanhado das técnicas”

    usadas pela grande mídia a que eu chamaria de

    sofismas e falácias.

    ou em síntese, mentiras.  

    os especialistas na lei das probabilidades

    poderiam melhor avaliar

    o percentual de verdades e mentiras

    contido numa matéria da veja.

    90 por cento de verdades superficiais e, quando chega na essencia,

    vem a mentira mortaal pra o acusado que eles querem atingir.

    já é muito conhecida a adversativa “mas” nas mmatéria dessa grande mídia.

     

    manchete: o país cresceu,

    mas poderia ter crescido mais.

    cada capa de veja  é uma tortura.

    cada manchete de jortnal é uma apreensão de golpe.

    cada frase do bonner é um mal-estar evidente.

    quem paga pelo que sofremos?

    é uma sucessão mentiras,

    de desejos infindáveis, intermináveis.

    parcece um permanente fio de navalha nos nossos corações

    prestes a ser usado pelo narrador a

    cada vez que lemos ou vemos algo no jornal ou na tv.

    um pesadelo com o qual convivemos e 

    aprendemos a  conviver nestes últimos doze anos,

    um longo aprendizado de como não pirar diante de

    tantas armadilhas e enganações aprontada pelo chamado pig.

  6. A ajuda dos Correios foi a notícia

    A ajuda dos Correios em MG foi a notícia, inclusive com fala pública gravada. Não vejo porque virar um inquérito jornalístico para só depois se noticiar a “novela” completa.

  7. Continua a mesma

    A imprensa nunca foi melhor ou pior do que é hoje.A evolução ou as mudanças não alteraram o espírito jornalístico da imprensa como um todo.

    “…escândalos, crimes, sexo, sensacionalismo, ódio, alusões indiretas, e os usos políticos e financeiros da propaganda.Um jornal é um negócio feito para faturar atrvés da publicidade.Esta é uma pré condição à sua circulação, e você sabe do que a circulação depende.” Raymond Chandler, livro “The long goodbye”, de 1953

    1. Que bobagem

      Para justificar a atuação da imprensa no Brasil, não se aplica.

      Taí uma declaração sem respaldo nenhum nos fatos. Sem embasamento.

      Ou você é muito jovem, ou desmemoriado.

      Há vários exemplos que te desmentem, vou dar apenas alguns.

      O extinto Jornal do Brasil dos anos oitenta era exemplar. Primava pela correção dos fatos e no campo ideológico abria espaço para todas as tendências.

      O programa de TV Roda Viva já foi brilhante, fazendo grandes entrevistas com o amplo espectro de políticos e pensadores.

       

  8. PSDB??? Nunca ouvi falar…

    Ontem, na portaria do meu prédio, o porteiro me entregou a correspondência. Achei estranho, só recebo contas entre os dias 10 e 15 do mês. Abri ali mesmo. Era propaganda do Aécio. Comecei a rir. Como ele obteve meu nome e endereço? Não cheiro nem rapé, como fui parar num database “branco”? É muita cara de pau, seu Aécio, o senhor é o candidato mais desclassificado que já surgiu para Presidente da República do Brasil. Hoje, numa “passeata” do PSDB na Avenida Paulista (umas 20 pessoas), uma candidata me abordou. Respondi: “Sinto muito, mas o PSDB chutou o balde e entornou a água. Como pode haver racionamento após 20 anos no governo do estado?” Ao que a candidata respondeu, que também não ia votar no candidato do partido (???????), mas queria o bem de São Paulo e só estava se candidatando porque esse foi o único partido que lhe ofereceu vaga. Se tivesse no bolso, ia oferecer-lhe um vidro de óleo de peroba..

  9. e a espionagem digital?

    Nassif, tenha certeza que se seus emails não forem criptografados, eles estão sendo lidos todos os dias. Mas tipo, lidos mesmo, não apenas estão classificados numa big database, como todo cidadão comum. E não falo de NSA, falo de Globo, Folha etc.

    Aliás, aos poucos estão trocando os velho trolls, que cada esforço humano equivale à um comentário, por hackers, que cada esforço humano equivale à um exercito de robôs.

    1. Jornal Estado de Minas, TV

      Jornal Estado de Minas, TV Alterosa e Rádio Itatiaia é que deram sobrevida ao tucanato mineiro, ora em declínio, com a derrota que vão sofrer em MG, depois de décadas…

      1. Não se engane…

        Não se engane: a mídia vai infernizar a vida do Pimentel desde a posse. E vão tentar usar isso para queimar ainda mais o PT nacionalmente.

        Por ‘apenas 20 centavos’ fizeram o que fizeram com o Haddad…

  10. “Ocaso” de Veja

    Considero a série “O caso de Veja”, por Luís Nassif, o melhor trabalho de análise jornalística brasileira do século XXI até agora. Detalhe: surgiu muitos anos antes das ligações da revista com o bicheiro Carlinhos Cachoeira serem devidamente reveladas/esclarecidas.

    A quem se interessar, o link:

    https://sites.google.com/site/luisnassif02/

     

     

  11. É, mas peraí…

    A dita mídia alternativa, tb tem seus pecados. Fez um baita alarido em cima do manchetômetro da mídia tradiconal, mas os resposnáveis por esse levantamento, se esqueceram do código de ética jornalistísco, que demanda pluralidade e imparcialidade, ou seja, se fizeram o machetômetro da tradicional, deveriam ter a ética profissional de fazer o manchetômetro dos blogs sujos, para efeito de comparação.

    Mas aí provariam o que todos sabem. O machetômetro dos blogueiros sujos, é mais seletivo ainda que da mídia tradicional.

    A “Agência Pública”, desnudou algumas mentiras da Dilma nessa campanha, com a série Truco, mas foi muito pouco, ou nada, discutida aqui e nos blogs sujos.

    Quanto às falácias de Aécio e Marina… bem, qdo Marina estava no auge, era o alvo predileto, aqui, na Fórum, no Viomundo…

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