“O poder público representado pela Prefeitura Municipal de Salvador impôs um projeto, e tenta manipular a opinião pública, na tentativa de forjar uma participação popular que de fato não existiu”

 

 

Por Antonio Nelson

 

Arquiteta e urbanista Alice Lino Elon, em entrevista exclusiva, fala sobre a gestão do Prefeito ACM Neto (DEM), que vem realizando o Projeto de “revitalização” no bairro do Rio Vermelho, onde ela denuncia a manipulação da opinião pública, o processo de “gentrificação” em Salvador, as retiradas de árvores na capital baiana, a interferência do mercado imobiliário, a decadência do comércio da Barra, a perda de Patrimônio Histórico da cidade e outros assuntos.

Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), desde 1987, Alice trabalhou na Secretaria de Transportes da Prefeitura de Salvador em 1999, e depois em escritórios de arquitetura particulares. Atualmente, Alice atua na elaboração de projetos arquitetônicos residenciais e comerciais, além de participar da rede social Rio Vermelho em Ação – Fórum Permanente. Confira o diálogo abaixo!

 

Antonio Nelson – O quê está em questão sobre o Projeto de “revitalização” no bairro do Rio Vermelho?

Alice Lino Elon – São várias as questões, destaco a luta pelo exercício efetivo da democracia:o poder público representado pela Prefeitura Municipal de Salvador impôs um projeto, e tenta manipular a opinião pública, na tentativa de forjar uma participação popular que de fato não existiu, pois as reuniões convocadas para a discussão do referido projeto não foram amplamente divulgadas, foram restritas aos grupos que apóiam a prefeitura.Então, grupos de moradores organizaram-se em defesa dos seus direitos, enquanto cidadãos e moradores da cidade, de se manifestarem acerca das mudanças programadas, e algumas já em curso, que alterarão drasticamente a feição do bairro, vide a demolição do Mercado de Peixe.  Está em jogo também a falta de transparência na aplicação do dinheiro público; a falta de respeito ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural da cidade; a segregação entre as classes sociais. 

Antonio Nelson – Neste caso, qual sua análise sobre a gestão do prefeito ACM Neto e seus secretários? Gentrificar mais a cidade?

Alice Lino Elon– O processo de “gentrificação”, ou seja, de segregação social, além de desumano, é prejudicial ao capitalismo, pois dificulta a circulação da classe trabalhadora, afastada geograficamente dos locais de trabalho. Os problemas tendem a ser agravados com o péssimo sistema de transportes de Salvador, e o efeito dominó prejudicará todas as classes sociais. A gestão atual, apenas dá continuidade a um processo que vem sendo gestado há várias décadas.

Antonio Nelson– Estão em curso retiradas de árvores na cidade sem fundamentação, e isso acarreta a geração de espaços públicos sem vida?

Alice Lino Elon– Sim, infelizmente a retirada de árvores ocorre de forma descontrolada, muitas vezes para liberar a fachada de estabelecimentos comerciais; para liberar vaga de estacionamento; porque alguns moradores não gostam das folhas que caem no chão. Enfim, vários motivos fúteis e abomináveis. A prefeitura alega algumas vezes passagem de tubulações, mas sabemos que existem soluções técnicas para literalmente contornar esse problema. O que ocorre é que a cultura predominante na Bahia, não apenas em Salvador, mas em diversas cidades do interior do estado, é da ausência de arborização viária. Agora com as consequências maléficas de alterações climáticas devido aos ataques desferidos ao meio ambiente, as pessoas estão começando a perceber a importância da preservação das florestas, mas ainda existe muita gente desinformada. Espaços ao ar livre, principalmente na Bahia, que possui clima tropical predominantemente quente, pedem arborização. Uma grande praça arborizada, com canteiros floridos não é mais agradável de passear do que um grande largo cimentado sem sombra nenhuma?

Antonio Nelson – Qual o impacto socioambiental no bairro, e consequentemente na cidade?

Alice Lino Elon  – O processo de extermínio da arborização da cidade impacta rapidamente: desconforto térmico para os pedestres gerado pelo aumento de calor; morte de vários animais que dependem das árvores, tais como pássaros e micos; sobrecarga de águas pluviais nas ruas e nos sistemas de drenagem (quando existente) e consequente aumento dos alagamentos; pobreza estética e distanciamento da natureza. A demolição do Mercado de Peixe e sua substituição por restaurantes de luxo têm evidente impacto social com o prejuízo de mais de 150 comerciantes populares expulsos e relocados para locais que ainda nem sequer foram construídos. A cidade carece de espaços populares, de feiras de artesanato, não carece de “fastfood” de luxo. A substituição do pavimento de pedras portuguesas feita de forma indiscriminada também avilta nossa identidade cultural.

Antonio Nelson – E a interferência do mercado imobiliário?

Alice Lino Elon  – Obviamente que o mercado imobiliário interfere em todos os espaços urbanos valorizados, ou que tenham potencial de valorização. O Rio Vermelho é um dos bairros mais tradicionais da cidade, onde se realiza uma das festas populares mais belas do Brasil: a festa de Yemanjá. Bairro de grande concentração de bares, restaurantes, moradia de artistas famosos. A pressão para demolição do Mercado de Peixe e construção do heliporto é uma prova do interesse do mercado imobiliário.

Antonio Nelson – Qual sua análise da cobertura jornalística local?

Alice Lino Elon  – Farei uma análise superficial para ficar em equivalência com a “cobertura jornalística”: descoberta, quase inexistente.

Antonio Nelson – Salvador pode perder o título de Patrimônio Histórico da Humanidade?

Alice Lino Elon  – Se o processo de deterioração do Centro Histórico continuar no ritmo atual corre esse risco sim. A demolição de mais de 30 casas tombadas, decorrentes do processo de arruinamento gerado pelo abandono é muito grave, inclusive abordando este problema, foi encaminhada denúncia à UNESCO, por entidades representativas dos arquitetos: Conselho de Arquitetura e Urbanismo-CAU/BA, Instituto de Arquitetos do Brasil- IAB-BA e Sindicato de Arquitetos -SINARQ-BA.

Antonio Nelson – Além de “anônimos”, há apoio e participação de artistas locais/nacionais em prol do Rio Vermelho, da cidade?

Alice Lino Elon  – Nildão, famoso cartunista e morador do Rio Vermelho, apoia ativamente a luta.

Antonio Nelson – Na “Nova orla” de Salvador, no bairro da Barra, o comércio entrou em decadência por falta de acesso, de estacionamentos, de arborização, e de espaços agradáveis para circulação?

Alice Lino Elon  – A questão da decadência do comércio da Barra é mais complexa, é anterior á obra de “requalificação” dessa gestão. Em minha opinião, que fique bem claro que não é fundamentada em estudos e pesquisas, mas apenas na opinião de quem mora há 48 anos na Barra. O carnaval é o grande “vilão” da Barra. O carnaval foi e ainda é o grande “vilão”. A Av. Oceânica é repleta de casas que permanecem abandonadas durante 350 dias do ano, uma vez que são ocupadas por camarotes apenas durante os 5 dias de carnaval. Paralelo a isso a“shoppingnização” da cidade contribuiu para a decadência do comércio de ruas. Basta comparar o número de shoppings existentes em Salvador com o de Recife, por exemplo, que tem excelente comércio de rua no bairro da Boa Viagem: Salvador tem 24 shoppings e Recife tem menos de 10. Paralelo a isso, a falta de segurança e o crescente aumento da violência decorrente do tráfico de drogas em todas as grandes cidades do país, também contribuem para a decadência do comércio. E obviamente que numa cidade com péssimo sistema de transportes coletivos, a falta de estacionamentos inibe drasticamente o comércio. É fato, que após as obras de requalificação, a situação dos comerciantes piorou: mais de 105 estabelecimentos comerciais fecharam, pois a questão da falta de acessibilidade foi agravada. Quanto a questão da beleza e conforto das ruas, a Av. Oceânica não tem arborização, não tem equipamentos urbanos tipo quiosques,em função da passagem dos trios elétricos nos 5 dias de carnaval. Apesar de ser uma avenida á beira mar, é árida, desconfortável devido ao intenso calor, principalmente durante o período compreendido entre 9 horas da manhã e 17 horas da tarde. As ruas internas do bairro são pessimamente arborizadas. Apesar desses problemas, acrescidos da falta de sanitários públicos e do péssimo sistema de transportes coletivos, grande parte da população de Salvador lota a avenida e o largo do Farol todos os finais de semana, o que evidencia a carência de lazer do soteropolitano, ávido de espaços livres e seguros (leia-se policiados, mas apenas durante os finais de semana o policiamento do bairro é reforçado).

 

Antonio Nelson – Há um excesso de carros na cidade? Quais soluções viáveis? O VLT e outros modos de deslocamentos são possíveis na cidade?

Alice Lino Elon  – É visível o excesso de carros na cidade, existem soluções sim, e vários estudos foram feitos pelo governo do estado e prefeitura, em diversas gestões anteriores, por profissionais especializados na área de transportes de massa. Porém, problemas políticos se sobrepõem às soluções técnicas, esse é o grande entrave brasileiro, não é especificidade baiana. Uma questão: Veículo Leve sobre trilhos-VLT ou metrô? A escolha técnica é determinada em função do tamanho da população a ser deslocada. Salvador comporta metrô e por questões ambientais e sociais, deveria ser metrô subterrâneo e não de superfície, como o que está sendo programado para o canteiro central da Av. Paralela. O impacto social desse metrô será grave, pois a cidade será dividida. O impacto ambiental também será grave, pois perderemos grande extensão de área verde, numa cidade já bastante carente de áreas verdes. Uma solução mediadora seria uma parte subterrânea e outra parte na superfície, para minimizar o impacto, porém imediatismo do fator financeiro foi o único a ser considerado no cálculo dos ‘custos econômicos’. O custo social não foi incluído nesse calculo, e mais uma vez será gerado efeito inverso ao desejado de “economia”. Trata-se na verdade de uma antítese econômica, desumana e burra. Todo ataque ao meio ambiente volta-se contra o homem.

Antonio Nelson – Há um discurso da Prefeitura de Salvador em “não derrubaremos árvores”, contudo, na prática as derrubadas de árvores não têm critérios?

Alice Lino Elon  – Discurso e prática são dissociados no cenário político brasileiro e a prefeitura de Salvador não foge a regra. O fato é que 24 árvores foram arrancadas na Barra e não houve replantio adequado nem em número, nem em qualidade. Foram plantadas algumas mudas de árvores que obviamente não sobreviveram ao abandono e morreram. Depois de várias denuncias em redes sociais, foram replantadas outras frágeis mudas que estão morrendo também. O que a prefeitura tem que fazer para solucionar esse problema, é investir em maquinário e caminhões para replantar árvores adultas.

Antonio Nelson – É preciso mais participação popular?

Alice Lino Elon  – Depois de anos de repressão a qualquer manifestação popular, exceto carnaval, é previsível que a participação popular do brasileiro não seja satisfatória. Cidadania tem que ser construída, ensinada, estimulada. O caminho é esse: participação popular, mas para tal é necessário que a Educação seja encarada com seriedade e prioridade nesse país.

Antonio Nelson – Você tem filiação partidária? Sim ou Não? Por quê?

Alice Lino Elon  – Não tenho filiação partidária, pois nenhum partido me representa. Observo também que os políticos brasileiros circulam com muita facilidade de um partido para o outro, comprovando que não é a ideologia que determina o partido.

Antonio Nelson – Salvador é uma cidade muito provinciana? Por quê?

Não sou simpática a generalizações, Salvador é uma cidade com uma grande população e repleta de grandes contrastes. O termo “provinciano” é muito agressivo. Salvador é eclética. É uma cidade repleta de injustiças, como a maioria das cidades do planeta. Mas apesar de tudo o povo baiano em sua maioria, apesar do sofrimento, é amistoso e acolhedor.

Antonio Nelson – Não quis generalizar!

Alice Lino ElonMas vc perguntou sobre uma caracterização da cidade…se era provinciana ou não…isso é generalizar…rsrsrs

Antonio Nelson – Questionei sobre isso no Recife, e o Leonardo Cisceinos discorreu.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador