O mau uso do sentimento meritocrático

Os extremos do espectro político são como água e azeite e aqueles que transitam entre as duas fases representam a maioria da população brasileira. Não é difícil encontrar posições em acordo com a ideologia liberal convivendo com a defesa de uma sociedade menos iníqua tendo o Estado como um dos principais agentes.

Mas o problema vem antes, melhor, vem durante. Vem durante o desenvolvimento intelectual, o contexto em que as ideias são cristalizadas para dar forma à estrutura ideológica central de cada cidadão. A meritocracia já fora debatida aqui neste espaço e em diversos outros flancos, da mídia televisiva à impressa, passando pela miríade de blogs hoje existente. Mas, cabe um pouco mais.

Cabe um pouco mais porque boa parte daquilo que chamam de burrice, intolerância, que fundamenta o festival de besteiras que assola o país, vem do mau uso da meritocracia. Um conceito cuja cristalização do seu significado dentro de cada brasileiro surge a partir de um ponto de inflexão, o qual normalmente separa a chamada fase da “pindaíba” e a fase do “vencedor”.

Não é incomum escutarmos os impropérios de gente que se considera habitando a fase vencedora da vida. Tomados de uma amnésia bastante conveniente e, com o perdão da palavra, canalha, usam e abusam de exceções para compor a realidade que os contradiz dia após dia.

Especialistas de programas de TV, como aqueles convidados pelo Waack da GloboNews, feitos para e pela classe média, são bons exemplos dessa espécie. Mas há exemplos mesmo em regiões pobres, onde o padrão doe vencedor é, normalmente, formado pela combinação básica entre casa própria, carro novo, e geladeira abastecida. Não importa o contexto, o traço comum é discursar para pertencer. Ali, especialista e classe média telespectadora, em sintonia, falando entre compadres.

Esquecer o que se passou, e os anseios por políticas públicas voltadas ao social (apesar de isso ser uma redundância), é comum para aqueles que chegaram lá. A partir desse ponto é preciso discursar para pertencer, é preciso ser contra aqueles que atualmente discursam os desejos de justiça social cantados pelo vencedor durante a pindaíba. Esse tipo de meritocrata é a pasta base da cocaína da canalhice deliberada que assola o país

Bastou mergulhar no contexto vencedor para se considerar mais trabalhador, mais merecedor, como tendo maior valor em relação àqueles que pregam sonhos que hoje, para o meritocrata, já não condizem com os anseios de pertencer ao grupo dessa gente de bem brasileira. Depois de vencer, basta lutar não contra os impostos, mas contra a aplicação dos impostos em setores que não os atenda.

Meritocracia assim eu tô passando.

Redação

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