Lennon, Mandela, Muhammad Ali e Fidel Castro, o século XX se acabando no hemisfério ocidental deste planeta. Um século que começou a acabar quando o sonho começou a acabar.
Foram sucedidos por quem?
Neste século XXI sem referências e com o homem comum transformado de povo em consumidor, o luto não é por quem se vai, com suas lutas, seus amores e seus ódios. O luto é por quem fica sem nenhum significado.
O luto é por quem morre sem ter tido um ideal pelo qual matar… ou morrer. Pelo qual viver.
Na América Latina eterna colônia, neste subcontinente errado, nada representou mais a utopia que a Cuba de Fidel Castro. Uma ilha. Não poderia ser mais representativo dessa utopia. Em torno dela, o mar e Macondo.
Quantos, nos anos de chumbo, não a buscaram com os olhos, nos mapas que enfeitavam a sala do diretor de suas prisões?
Como não pensar no ideal do povo pobre, mas consciente de sua soberania, quando tantos se despem felizes de seus sapatos e de sua dignidade em cada aeroporto americano?
Há quase sessenta anos, com Fidel, Havana deixou de ser o melhor puteiro de Miami.
Vão chamá-lo mais uma vez de ditador?
Responderemos lembrando do bloqueio que a maior potência econômica e militar da história faz a um pequeno país insular, em um permanente estado de beligerância, sem conseguir dobrar-lhe a espinha? Citaremos os versos do poeta?
“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem”.
Vão lembrar dos paredões e dos prisioneiros políticos?
Responderemos com Guantánamo, Vietnã, Julius e Ethel Rosenberg, Nicolau Sacco e Bartolomeu Vanzetti, Julian Assange e Bradley Manning? Quantos outros?
Quem são os traidores da pátria, quem são os heróis da humanidade?
Mostrarão fotos dos “cubanos de Miami” comemorando? Fodam-se os cubanos de Miami, fodam-se os brasileiros de Miami. Sabujos, quanto mais odeiam Fidel, mais o elogiam.
Fidel – o comandante, está morto? O sol deixou de raiar em Cuba? O sol não irá se pôr em Miami?
Os homens morrem. De Adão a Sócrates e de Cristo a Castro.
O que de relevante morre com Fidel não é o homem, é a ideia do homem que com sua vontade muda o mundo. Isso morre um pouco com Fidel. Ou talvez não morra, adormeça.
O século XX morre com Fidel. Como vem morrendo com Lennon, Mandela e Muhammad Ali. Um século que começou a acabar quando o sonho começou a acabar.
Foram sucedidos por quem?
Inescapável, por um momento, neste fim de século, ficar-nos a tragédia dos meninos conservadores do século novo. Nada há de mais triste que um menino conservador. Oximoro maldito. E a inutilidade dos “grandes homens que nada mudam”.
Quantos não devanearam o que seria o mundo se um negro fosse presidente dos EEUU? Obama foi eleito e reeleito, deram-lhe um Nobel da Paz. Ele se vai substituído por um homem de cor laranja e as guerras continuam enriquecendo os poderosos, assim como continua a senda dos homens pretos nos quais a polícia branca atira primeiro para perguntar depois.
Obama é as primeiras duas décadas do século XXI. Fidel foi a segunda metade do século XX.
O sonho acabou, eu tenho um sonho.
PS: por uma questão de coerência ideológica, em novembro, a Oficina de Concertos Gerais e Poesia apoia as comemorações do Dia da Consciência Negra, mas não participa da Black Friday. Para sua clientela, porém, mantém em oferta as fragrâncias de patchouli e pôsteres de fotos clássicas de “Che” Guevara.
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