Organização Política e Meio Ambiente do Cidadão

Um novo modelo de organização social

 

Os países não são homogêneos (existe desigualdade interna), mas para facilitar minha análise, classifiquei, à grosso modo, as nações em ricas, por exemplo EUA, e pobres, por exemplo Ruanda.

O aumento infinito do consumo, essência do capitalismo, e modelo das nações ricas, é insustentável, já que a Terra é finita.

Se todos consumissem como os norte americanos, a vida no planeta sofreria um colapso.

Isso não aconteceu, ainda, porque os pobres “compensam” o sistema consumindo menos.

A intensificação desse modelo ao longo das últimas décadas, sobretudo nestes tempos bicudos ultra neo liberais, produziu uma absurda concentração de riquezas.

A ponto de parcela significativa da humanidade perceber o risco da própria extinção, vivendo às margens dessa sociedade de consumo.

Veja bem, não estou me referindo a um surto de consciência ecológica, mas à percepção de risco da própria vida.

A proposta deste texto é sugerir um caminho para se aproveitar desse sentimento de risco, amplo e poderoso (e real), para produzir ações de interesse coletivo.

 

Meio Ambiente é tudo

De maneira equivocada, a maior parte das pessoas percebe a discussão de meio ambiente como algo desconectado do seu dia a dia..

.. quase um modismo, uma conversa moderninha sobre a proteção dos animais, da Amazônia, tudo muito distante.

Todavia, embora não consigam relacionar os fenômenos, as pessoas começaram a perceber que estão perdendo o meio ambiente, vital para sua própria existência..

Eu não vou me estender neste aspecto, sob pena do texto ficar muito grande, mas cito, como exemplos “rápidos”, a questão da água em São Paulo e a recente “greve dos caminhoneiros”.

Nem todo mundo consegue conectar o consumo de carne, o desmatamento, a poluição de rios e córregos, com o desabastecimento de água em São Paulo, certo?

Ecologicamente falando, nós vivemos numa “matrix”..

.. nesse caso, a propaganda consegue convencer as pessoas de que trata-se de um problema de escassez “ato de deus”, mesmo com 2 grandes rios perenes cortando a cidade.

Mas isso não impede o cara de entrar em pânico pela falta d’água, certo?

É um problema real.

O cidadão vai abrir a torneira e não sai uma gota sequer.

A falta d’água provocou tumulto em muitas regiões da Grande São Paulo..

Teve até sequestro de caminhão-pipa, tiro, pancadaria..

.. o povo ficou assustado..

Outra situação foi a “greve dos caminhoneiros” (locaute) que também cutucou o consciente coletivo..

.. como viver sem os produtos nas prateleiras dos supermercados?

Sem gasolina?

Diga-se de passagem, esse produtos “vitais para nossa sobrevivência” são controlados por poucas empresas..

.. não lhe parece uma loucura? A vida de todos nós depende de 1/2 dúzia de empresas..

O povo das grandes metrópoles tornou-se refém do sistema, e essas situações limítrofes funcionam como choques de conscientização..

.. gera medo e leva as pessoas entrarem em modo sobrevivência, até porque o contexto dos latinos em geral e dos brasileiros, em especial, já é dramático..

.. vi um vídeo de uma senhorinha lutando por um galão de gasolina, fiquei estarrecido..

.. em outro, pessoas lutavam por uma bandeja de ovos..

Estou insistindo nesse aspecto para lhe chamar a atenção para uma mudança na escala de valores, veja..

Até aqui nós sempre discutimos a concentração da riqueza inerente ao sistema capitalista pelo viés da apropriação do luxo.

A questão que se coloca agora – com perspectiva de recrudescimento – é a da recuperação do meio ambiente como pré-requisito para sobrevivência da raça humana..

.. é muito mais grave, decorrência da concentração de renda, que virou concentração de meio ambiente, que virou luxo.

Há pouco tempo, as pessoas tinham água doce em abundância, o mar, podiam pescar, apanhar frutos, cultivar pequenas roças, haviam recursos naturais à disposição de praticamente todo mundo, como madeira, palha, barro..

.. havia mais fartura..

.. e menos cercas..

.. até porque o modelo de agricultura era outro..

.. sobrava alimento aqui e ali..

Hoje, as grandes cidades se parecem desertos prá quem não tem dinheiro..

.. no campo, a coisa também está bastante sinistra, com gigantescas áreas inabitáveis, estéreis..

Para entender essa percepção, talvez vc tenha que parar uns minutos, fazer uma reflexão, tentar se imaginar no lugar do cara lá no meio da favela, rodeado por uns 100 mil vizinhos em situação semelhante, sem água, sem comida, sem remédio, sem emprego, sem segurança..

.. sem esperança..

Isso muda a estratégia de mobilização popular, que é a fonte do poder político..

 

O debate que interessa

A reta de chegada é a mesma (socialismo, pois não?), mas o caminho a ser trilhado passa por um debate de gerenciamento de recursos ambientais em detrimento do debate puramente ideológico..

.. o exercício da democracia passa a ser muito mais relacionado com as escolha das melhores ações para o meio ambiente do cidadão..

Por isso é fundamental o envolvimento da comunidade acadêmica, que além da bagagem intelectual, nos brinda com o pensamento científico..

.. é tudo o que precisamos: pensamento científico e democracia.

(PS.: eu me refiro à comunidade mesmo, não às instituições – a proposta é de um ambiente de debates – democrático, auto sustentável, auto gerenciável – moderado pela comunidade acadêmica)

E a melhor forma para se fazer isso é a construção de fóruns para debater o meio ambiente, em um sentido amplo.

Meio ambiente é tudo.

É saúde, trabalho, moradia, transporte, lazer, educação, enfim, todo o entorno com reflexos na qualidade de vida do cidadão..

Porém, contudo e todavia, apesar da maioria esmagadora considerar importante o meio em que vive, é improvável a adesão do povo numa discussão dessa natureza.

Isso acontece porque as pessoas não conseguem estabelecer uma relação clara de “causa e efeito” e estão em modo sobrevivência.

Em outras palavras, o cara “tem mais o que fazer” (sobreviver) do que ficar discutindo “florzinha” contigo.

Atualmente existem inúmeras pequenas iniciativas, que se mantém assim, pequenas, especializadas, elitizadas, intelectualizadas, como sempre foi a discussão de meio ambiente no Brasil.

Para mudar esse quadro, são necessárias, pelo menos, 2 ações estruturais (para o debate):

1. ampliar a abordagem para abranger o cotidiano das pessoas, conectando meio ambiente com qualidade de vida;

2. empoderar os participantes através do compartilhamento do poder político.

O poder político legítimo é a manifestação da vontade popular.

Entretanto, atualmente há um abismo entre o desejo das pessoas e as ações dos políticos.

O resgate das democracias ocidentais passa pela solução desse problema.

 

Uma nova organização política

O Caso PT

O Partido dos Trabalhadores – PT – tem uma estrutura interna chamada Setorial, que é um agrupamento geográfico de pessoas para discussão temática e colaboração nos programas de governo.

As setoriais tem esferas estaduais ou municipais, divididas por assunto, por exemplo Combate ao Racismo, Educação, Habitação, Reforma Agrária, Transportes, etc.

A ideia é genial, porém a adesão é muito baixa.

Está no contexto de “afastamento das bases”.

Isso acontece porque o companheiro percebe que aquelas reuniões não dão muitos frutos, no final as decisões de governo acabam sendo condicionadas ao arranjo político da hora, então a militância desanima..

Para reverter essa situação, ampliar a base e fortalecer o partido, foi proposta a criação das “redes setoriais”, que são fóruns interligados, capilarizados por todo um município, São Paulo, por exemplo..

.. quem não quer uma base ampla e forte?

Qual é o político no planeta que não deseja uma legião de seguidores, trabalhadores voluntários para sua campanha?

O problema é que as pessoas, em modo sobrevivência, e com forte sentimento de traição em relação à classe política, não estão nem um pouco interessadas em colaborar com campanha de ninguém.

Existem por aí inúmeros exemplos de iniciativas que fizeram água..

.. os políticos chamam para encontros, reuniões, para visitar site, participar da página, etc., ninguém vai..

Quando digo “ninguém vai”, me refiro ao povo..

.. uma parte da militância sempre está presente nessas iniciativas, mas o povo, mesmo, não vai..

Para resolver este problema, a proposta das “redes setoriais” acima trazia embutida um detalhe crucial: o partido deveria respeitar as autoridades dos nodos, criados de forma espontânea.

É mais ou menos assim, eu, morador do Jardim Maria Amália, Zona Sul de SP, filiado ao partido, crio um núcleo ali no bairro, sou eleito líder pela comunidade, e o partido é obrigado a reconhecer, de maneira formal, a minha autoridade ali naquele micro universo, tudo, óbvio, sob o manto da lei e da ordem (o estatuto do partido).

Bem, isso o partido não aceitou, pelo menos até agora..

Esse é o gatilho do novo mundo, digamos assim..

.. é o detalhe crucial que falta para iniciarmos a construção de uma nova sociedade verdadeiramente democrática..

Parece tão simples, mas a verdade é que essa organização em rede altera completamente o sistema político, na medida em que possibilita a livre formação de lideranças nas bases, que passam, por sua vez, a influenciar todo o conjunto acima.

E como tem formação espontânea, vai bater lá no chão da fábrica, no pátio da escola, na torcida organizada.. por aí..

Existem bairros em SP que, devidamente organizados e mobilizados, elegem um vereador com os pés nas costas..

.. a organização em rede, portanto, dá grande poder às bases (consequentemente reduz o poder das lideranças do partido).

 

Trabalho Voluntário

Outro detalhe que gerou insegurança é o trabalho voluntário, um dos pilares da proposta.

Não se trata de uma crítica, mas uma constatação: o PT, maior partido de esquerda da América Latina, se profissionalizou de tal forma, a ponto de praticamente extinguir o trabalho voluntário da militância.

Tem uma série de problemas aí, eu entendo as dificuldades e os desafios, mas o fato é que, atualmente, quase ninguém faz nada de graça para o PT e o partido tão pouco bota fé em quem trabalha de graça (quando a esmola é grande..).

Só que não tem dinheiro que banque as “redes setoriais”, não só pela parte de informática, administração de site, mas pela participação voluntária de moderadores, orientadores..

.. por exemplo, quanto pagar para um professor de história que está ali participando da rede e explicando o processo político para seus seguidores?

E o pessoal que organiza reuniões, oferece sua casa, quanto pagar por isso?

Não tem dinheiro que pague esse tipo de mobilização.

Portanto, é inerente, fundamental, que o trabalho seja todo voluntário..

.. na minha opinião, só quem pode ganhar dinheiro com partido político são os funcionários da administração..

.. uma ou outra ação, talvez..

.. o resto tem que ser trabalho voluntário.

E tá cheio de “santo” dentro da casa do PT querendo fazer milagre.

 

Uma organização, com ou sem PT

Eu acredito que o PT reúne as melhores condições para implantar esse modelo, porque traz em sua alma a cultura democrática e tem espraiamento nacional..

.. mas a verdade é que qualquer partido que combinar a proposta com um regramento democrático vai se tornar o único partido do país.

Prá que eu vou precisar de outro partido se puder participar diretamente da administração do Estado?

Se puder discutir ali, mano a mano, com o vereador ou representante da prefeitura, um buraco que apareceu na minha rua?

Ah, mas pode ter 3, 4 partidos com estrutura semelhante..

.. prá quê?

Se for democrático, qual a diferença?

Haverá só 1 partido.

E não duvido que no futuro só exista 1 partido em todo o mundo. (PUM, Partido Único Mundial, aqui uma tentativa de piada).

É óbvio que isso pode demandar alguns séculos..

.. mera especulação..

.. mas nesse momento a organização democrática de redes capilarizadas por toda a sociedade com o objetivo de discutir demandas locais para tomada de decisão política é o caminho da mobilização social necessária.

Um ritual tribal high tech..

.. a combinação da organização política do povo com o pensamento científico moderador da comunidade acadêmica.

 

Aqui no Brasil, o que será o amanhã?

Arrisco dizer que ninguém hoje consegue prever futuro de curto, médio e longo prazo no Brasil..

.. na minha opinião, nem os caras que “bolaram” esse golpe sabem mais o que vai acontecer..

Difícil prever.

Mas estão claros alguns elementos que sugerem a necessidade de mobilização com poderes de transformação social.

Recente pesquisa do Instituto MDA aponta que para 90,3%, “a Justiça brasileira não age de forma igual para todos”..

.. oras, o princípio básico, fundamental do poder judiciário é “todos são iguais perante a lei”..

Esse item da pesquisa, na verdade, indica que 90% da população não confia no judiciário, de fato.

Isso é mais do que suficiente para repensarmos todo o sistema.

Mas não para por aí, existem inúmeras aberrações em nossa sociedade, a era da informação acaba por colocar tudo isso ao alcance das pessoas comuns, e não há solução possível que não passe por renegociar com essas pessoas, o povo, um novo modelo.

Independente dos resultados políticos de curto prazo.

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Conexão Total

    Estou mais uma vez profundamente impressionado com uma leitura de artigo de sua autoria, prezado João Ruiz.

    Fico ansioso por dentro, pois é como se tivesse encontrado uma espécie de “alma gêmea” no que se refere a essa imaginação visionária de como o potencial da tecnologia de hoje pode ser utilizado assim mesmo, da maneira que você descreve, direcionada para a construção de uma sociedade mais humanitária.

    Com os pés, pisar firme no chão, dançando com os índios. Com as mãos, empunhar o smartphone e fazer as conexões e plebiscitos. Com o coração, amar. Com a cabeça, planejar e fazer uso da ciência e da tecnologia para fins ecológicos e populares. Nesta esfera, só se pensa em “ROI” (return of investment)… é triste. Fico muito entusiasmado ao encontrar – coisa rara – alguém vibrando pra valer na intenção de fazer a tecnologia trabalhar para a sociedade, para o meio ambiente.

    Precisamos sentar juntos numa mesa, com muito papel e lápis… para discutir os detalhes. Aliás tenho aqui uns papéis enormes e canetas coloridas, porque tem ideias que não cabem em A4 preto e branco… 🙂

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador